domingo, 27 de março de 2016

Onde está a perfeita alegria ? (Irmão Francisco)



DO LIVRO ASCESE MÍSTICA

                           XV  IRMÃO FRANCISCO



Peregrinei por toda esta minha terra úmbrica e além de seus confins, 

        corri no encalço de suas subterrâneas descendências, ressurgidas 

 em  terras limítro­fes. Nestas me detive longamente, para me 

encon­trar a  mim mesmo. Nos seus  silêncios austeros e su­blimes,

 minha alma  viveu sua mais intensa maturação. 



Os horizontes altíssimos de suas montanhas me deram a sensação

       de Deus.



Peregrinei por toda esta terra franciscana de Assis à  irmã Gubbio; 

       do Subásio  ao Alverne; da Por­ciúncula a Greccio.                                                 
 Andei  apaixonadamente inter­rogando as  antigas pedras, para que 

me  contassem o segredo de sua história. Estreitei-as ao coração,

        banhei-as de lágrimas. E falei: Dizei-me, vós que o vistes, o 


     São Francisco humilde e pobre, recordais? Não é possível que

        um hálito de seu  imenso respiro não tenha ficado em vós também;

        não é possível que o seu abrasante amor não vos   tenha percorrido 

        com uma vibração tão poderosa,  que até  agora não permaneça e 

        que deveis comunicar-me. 


        Não ouvistes? E por que não falais?



Falai, imensos horizontes, narrai-me os êxtases, os trabalhos, as penas daquele coração. De torrão em torrão andei invocando a longínqua lembrança Pedi aos declives inundados de sol, as selvosas mon­tanhas, às veredas, às humildes casinholas, às cape­linhas perdidas, aos doces recantos do campo — sem­pre à espera de uma arcana revelação Interior que me dissessem: é aqui, foi aqui, não vês? Aqui está a peque­na figura do Santo, queimando, consumida pela sua paixão; não ouves a sua voz harmoniosa e persuasiva que fala da perfeita alegria? Escuta [1]:


“Certa vez, vindo São Francisco, de Perusa para Santa Maria dos Anjos, em tempo de inverno, em com­panhia do Irmão Leão, um frio muito intenso o ator­mentava. Chamou, nesse momento, o Irmão Leão, que ia mais à frente, e assim lhe falou: Ó Irmão Leão, ainda que os Irmãos Menores dessem no mundo in­teiro grande exemplo de santidade e boa edificação, não obstante, escreve e toma cuidadosa nota, que nisso não está a perfeita alegria.

E caminhando um pouco mais, São Francisco o chamou pela segunda vez:

Ó Irmão Leão, ainda que o Irmão Menor resti­tua a vista aos cegos, cure os paralíticos, expulse os demônios, faça os surdos ouvirem, os coxos caminha­rem e os mudos falarem e, o que é muito mais, res­suscitasse um morto de quatro dias: escreve que não está nisso a perfeita alegria. E andando um pouco mais, S. Francisco em voz alta, falou:


Ó Irmão Leão, se o Irmão Menor soubesse todas as línguas, ciências e escrituras, e se soubesse profetizar, revelando não somente coisas futuras, mas até mesmo os segredos das consciências e dos homens, escreve que não está nisso a perfeita alegria. (....) E continuando a assim falar pelo espaço de duas milhas, o Irmão Leão, mui­tíssimo admirado lhe perguntou: Pai, peço-te, da par­te de Deus, que me digas onde está a perfeita alegria. E São Francisco lhe respondeu:


Quando chegarmos a Santa Maria dos Anjos, inteiramente molhados pe­la chuva e enregelados pelo frio, enlameados e ator­mentados pela fome e batermos à porta do convento e o porteiro chegar irado e disser: Quem sois vós? — e nós respondermos: Somos dois de vossos irmãos — e ele disser: Não falais a verdade Sois dois malandros que andais enganando o mundo e roubando as esmolas dos pobres Fora daqui! — e não nos abrir a porta e deixar-nos de fora, exposto à neve e à chu­va, com frio e com fome, até à noite; então, se suportarmos pacientemente tantas injúrias, crueldades e rejeições, sem nos perturbarmos e sem murmurações contra ele, se com humildade e caridade pensarmos que aquele porteiro verdadeiramente nos conheça e que Deus o fez falar contra nós, o Irmão Leão, escre­ve que nisto está a perfeita alegria.


E se nós conti­nuarmos a bater à porta e se ele sair perturbado e nos expulsar, como vadios importunos, com insultos e bofetadas, dizendo: Ide embora daqui, ladrõezinhos miseráveis, ide para o albergue porque aqui não te­reis comida nem abrigo; se isso suportarmos pacien­temente, com satisfação e com amor, ó Irmão Leão, escreve que nisto está a perfeita alegria.

E se nos, constrangidos pela fome, pelo frio e pela noite, batemos e chamarmos de novo, e pedirmos pelo amor de Deus, com muitas lágrimas, que nos abra a porta e nos deixe entrar; e se o porteiro mais escandalizado disser: — Esses são velhacos importunos, dar-lhes-ei o que merecem, — e sair com um nodoso bordão, agarrar-nos pelo capuz, atirar-nos ao chão, revolver-nos na neve, golpear-nos com aquele bordão, nó por nó: se nós suportarmos todas estas coisas com paciência e contentamento, pensando nos sofrimentos de Cristo bendito, e que tudo devemos suportar pelo Seu amor, ó Irmão Leão, escreve que nisto está a perfeita alegria. ( ....)”

* * *

Estava frio, no entanto fazia tanto calor no coração! Estava escuro e no entanto resplandecia tanta luz na alma! A tormenta era rigorosa lá fora, mas Deus cantava tão forte do interior!


Escuta, escuta! Não ouves a voz das profunde­zas? Sim. O Subásio é o mesmo e lá em baixo Assis descansa; em torno, a coroa das colinas úmbricas. São os mesmos, os declives cheios de bosques de Greccio, a vista na direção de Rieti e Fonte Colom­bo; os mesmos os reflexos escuros e profundos do lago de Piediluco e os perfis de seus grandes montes severos. Os mesmos, os vastos silêncios do Trasime­no imenso. Ouço um bater de remo, no lento cami­nhar de praia em praia e aí reencontro minha alma, que caminha sem nunca descansar. Vem da terra o eco daquele passo bendito de Francisco, que sigo sem alcançar. Interrogo as ressonâncias íntimas e ouço, admirado, um murmúrio humilde na mais se­creta palpitação de meu coração.


Dizei-me, forças da vida, por que não guardastes um sinal do meteoro que por aqui passou, perdendo-se nas transparências do céu; dizei-me, criaturas irmãs que comigo atravessais a vida, nenhum lon­gínquo eco retorna no timbre de vossas vibrações, se tanto ímpeto de paixão vos imprimiu o canto do Irmão Francisco? No entanto, na música da criação ouço ir e vir a harmonia evanescente daquele cântico de Deus que em vós se fundiu quando por aqui passou a alma do Santo. Vós, então, ecoastes, com­preendestes e respondestes, cantastes em coro a gran­de sinfonia que ele entoava, a sinfonia do amor divino.

Dai-me de novo aquele canto, é o cântico de Deus. Criaturas irmãs, ajudai-me a subir, a vibrar, a sentir. Aquele canto arrebatará minha alma deste barulho infernal, para longe da terra, para sempre.

Então, num imenso e profundo silêncio, ecoa man­samente a música divina. Cada forma de existência emite uma nota. Oro na minha prece ouço Deus como um canto imenso e sublime que emana de to­das as criaturas. Cantam todas as expressões de Deus, a terra e o céu, a luz e a vida, a ordem e o pensa­mento. A minha alma se torna bem pequenina, mas emite harmonia e a cada nota, sintonizo gradualmen­te; a ressonância me invade, a vibração me eleva, o arrebatamento me conduz. Já não sou eu, mas uma harpa na qual ressoa o Universo. E uma prece na qual se cala. E a união com Deus.


Das profundidades do tempo e do espaço, ouço esta voz potente de Deus, que me leva a alma num turbilhão. Ouço a sinfonia dos vastíssimos horizon­tes, a luminosidade dos céus, as harmonias da vida, a voz do mundo, cantando: Cristo! Cristo! Cristo! Assim grita a História: Cristo esperado, Cristo presente, Cristo operante no coração da civilização. Cristo, re­pete-me a beleza da arte, a profundidade da sabe­doria, a vitória da bondade, a grandeza do espírito. Esse canto se dilata e me penetra. Cada nota ecoou em mim e lentamente, das humildes às grandes vozes. Minha alma apertou e sorveu em si a estupenda vibração e, acompanhando esta harmonia, subiu com o canto. Cristo! — me repete todo o universo. Cristo sinto chegar, resplandecente, dos céus, tão vertigino­samente alto e belo como sonho que devia ter sido no ardor de Francisco na suprema consagração do Alverne.




[1] De I Fioretti de San Francesco, cap. VII. (N. do A.)
Em algumas edições, inclusive a italiana de Rizzolli, a narra­tiva se encontra no cap. VIII. (N. do T.)

Um comentário:

  1. Meus irmãos, para entender perfeitamente o teor da mensagem, a sede de conhecimento e constatar que a mensagem aqui tem um significado muito profundo, convido-os a ler o livro Enigmas da Psicometria, onde iremos obter o que o autor quis dizer quando pergunta às pedras.

    http://bvespirita.com/Enigmas%20da%20Psicometria%20(Ernesto%20Bozzano).pdf

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