domingo, 27 de março de 2016

PAIXÃO

DO LIVRO  ASCESE MÍSTICA  - Pietro Ubaldi

                                          XXVI    PAIXÃO

                                  Assis, Quinta-feira Santa, 1937


Peregrino de dor e de paixão, eu me aproximo de Ti, Senhor.

Despedaçaste todos os meus afetos humanos; um a um; quiseste que somente o Teu amor permanecesse.

E quando o meu coração caiu por terra, ensangüentado, na estrada poeirenta, pisado por todos, Tu então o recolheste e me disseste: "Eu sou o teu amor. Somente a mim podes amar.

Em mordaça de ferro comprimiste minha paixão; quando ela desejava explodir no mundo, Tu lhe fe¬chaste todas as portas e a lançaste dentro de mim, para que, nessa constrição, se tornasse mais profun¬do e mais potente o seu lume e ardesse num incên¬dio sempre maior, e no íntimo inflamasse, chamejan¬do até encontrar-Te, Senhor.

Dosaste o meu tormento, proporcionaste asfixia lenta, quiseste que eu me aproximasse de Ti por minha busca e por esforço meu.

Agora compreendo que ao Teu amor divino eu não poderia chegar senão pela dilaceração de todo amor humano.

A Ti não se chega senão pela tempestade, porque és o turbilhão e o poder, és a essência da força

Sinto que a chama do Teu incêndio se aproxima e lança labaredas sobre mim. De repente, uma delas me toca e se enrodilha  minha alma, aperta-a e agarra-a para atrai-la a si, no centro do incêndio.



Afrouxa, em seguida, a pressão e me deixa recair nas coisas humanas, para retomar-me depois, outra vez, ainda outra, sempre mais forte.

Aquele incêndio me espera e eu nele cairei.

*   *   *

É a Semana da Paixão e aproxima-se a hora santa em que Tu, Senhor, na Tua agonia, lançaste ao mundo o grito da redenção e do amor.

Nestes dias espadelaste minha alma para que também eu vivesse a tua paixão de dor e de amor.

Sobre minha sensibilidade, vibrando e ressoan¬do, passaram o choque brutal e o insulto feroz, e nela se hospedaram, submergindo-se com alegria na minha dor torturante.

Tu estavas presente e próximo, mas, por desgraça minha, eu não o senti.

A nova dor, porém reergueu até Ti minha sensação e nas profundezas do meu desgarre eu Te reencontrei, assim como tantas vezes eu Te perdi e na minha prostração vieste ao meu encontro e de novo me apareceste.

Que desejas de mim, Senhor?

*   *   *

Chego a Assis, ao anoitecer da Quinta-feira Santa. Sete velas e mais sete, em duas ordens bem visíveis, ardem, solitárias, na basílica de Francisco.1

Apagam-se lentamente, uma a uma, com um salmodiar longo e triste, em que chora a Igreja e o munndo suplica; lá fora, tristemente, o dia se extingue, filtrando sua agonia através dos históricos vitrais.

A sinfonia de liturgia, de luzes, de pranto, canta concorde uma lenta sonolência de morte em que se extingue a agonia da paixão.

Quando, porém, com a derradeira luz do dia se apaga a última vela, o último canto do salmo explode tão trágico e dilacerante, interrompido pelo triste batido das vergas no solo,2 que minha alma tempestuosa se abate, parque então ouço em mim gritar a dor do mundo que, súplice, chora com o Cristo que morre.

Já é noite. Ensombram-se os vitrais luminosos. Tudo está apagado nos altares nus. A Igreja, que nesta hora agasalha a dor de um Deus e a dor do homem, depôs seus ouropéis e se abate desnuda aos pés de Cristo.

Nesse ar triste, mas calmo; nessa atmosfera de dor, grande, mas consciente e resignada, escuto o clamor das multidões distantes, que não querem e não sabem sofrer; sinto o espasmo das marés humanas que a dor e a paixão perseguem e atormentam.

Minha alma treme.

Jaz abatida ao pé da cruz e olha, no alto, o drama de um Deus agonizante por amor. Somente o seu olhar me dá força para viver.

Vivo o Teu tormento, meu Senhor. Subi Contigo até a cruz; Tua dor é minha dor. Agonizo e morro Contigo.

Desejaria invocar piedade para todos, mas não tenho coragem. Não tens mais sangue para dar; morrres nu e amaldiçoado e és inocente. Que posso pedir-Te mais por amor do homem?

Eu o sei: dar-me-ás ainda lacerações tremendas; mas, a cada novo rasgar-se de minha carne, eu Te direi: "Por amor de Ti, Senhor

E quando, já sem forças, cair, e vir chegar até mim a carícia sedutora das coisas humanas, minha alma deverá recusar qualquer repouso ou conforto e dizer: "Por amor de Ti, Senhor".

Flagela diariamente meu espírito, para que ele seja desperto e pronto, ao Teu comando.

Com a minha renúncia alimentarei todo dia a chama de meu amor por Ti.

Não! Não é renúncia, não é dor: é expansão e alegria. "É por amor de mim, Senhor".

Que posso eu fazer? Agora, é inútil resistir. Precipito-me em Ti, Senhor; as órbitas se comprimem vertiginosamente; a maturação prossegue no mundo e em mim por caminhos opostos.

A hora é intensa para todos. Não se pode detê¬-la. Preparada, já há tempo, precipita-se. Eu temo olhar.
*   *   *
O cerco se aperta. O drama da Paixão de Cristo se faz intenso dentro de mim; o drama das tempestades humanas acossa quem está lá fora.

Desço à  cripta e me abato aos pés do túmulo de Francisco.

Apossa-se de mim, plenamente, o espírito do lugar, tão forte que me lança por terra. Apoio sobre a pedra desnuda a fronte em chamas, para acalmar a febre e abrandar o incêndio.

Conduziste-me até aqui. Para que? Que queres de mim, Senhor?

Começo a balbuciar: "Toma minha alma".

Estou à espera, vibrando, em tensão, sem palavras.

Recordo. Já me disseste numa hora de trevas: “Segue-me, segue-me”.

Paira sobre mim algo de grave e de grande que eu não sei. Sinto solene a hora. Estás perto de mim, é Cristo, eu Te sinto. Francisco é uma força viva, vibrando daquele túmulo, e me contempla e me ajuda.

Algo de potente, de imenso, quer subir das profundezas de meu coração e não pode. É intenso demais para suas forças. A idéia se agita, comprime-se para explodir, busca a palavra que a expresse, que a engaste em sua última forma.

Finalmente, emerge a voz e minha alma grita: "Senhor! Eu Te seguirei até à  cruz!"

Então, sinto dentro de mim, a cantar: "Tu estás no centro de meu coração".

Minha alma, liquefeita  em lágrimas de júbilo de amor e de paixão, prostra-se, sem forças.

Naquele instante, porém, ressoa do alto, do templo superior3, da igreja baixa pintada por Giotto, no cântico que salmodia até ao vértice de sua paixão, ressoa, como raio a ecoar toda a explosão do meu tormento, condensando minha tempestade, ressoa, no clamor da música e das vergas batendo no solo, o grito derradeiro do Cristo que morre.

Esse grito me atinge e me fere. Alguma coisa se dilacera em mim; abre-se uma fenda em minha alma.

O extremo apelo me convoca: é o lamento do Cristo, é a dor do mundo, é uma convergência, em mim, de forças superiores e inferiores; sinto minha alma fugir-me, arrebatada num vértice de forças titânicas, sinto a Voz instar dentro de mim e repito: "Senhor, seguir-Te-ei até à cruz".

Estou esmagado pelo peso de uma promessa solene.

                                    *   *   *

Torno a subir à  igreja média, pintada por Giotto.

Apaga-se a última vela. É noite. Ouço ainda mais perto, dentro de mim, a repetir-se, o grito do Cristo a morrer.

Ele aqui está, no momento, presente.

Rasga-se, então, ante meus olhos, a visão da Ter¬ra e do Céu.

O Céu chora a agonia e a .paixão de amor de um Deus, a Terra treme, convulsa, no pressentimento de um vendaval sem nome

O drama do homem e o drama de Deus se conjugam nesta hora suprema de paixão.

Olho, atemorizado. Vejo um turbilhão de forças que se projeta para a Terra e vejo a Terra sacudida, agitada, submersa num mar de sangue.

É a hora tétrica da paixão do mundo. E parece sem esperança. O cerco estreita-se cada vez mais; bem depressa estará fechado e tarde será para esca¬par à compressão.

A mão do Eterno empunha o destino do mundo; estão prontas a desencadear-se as forças para o cho¬que fatal. Esta próxima a hora das trevas, do mal triunfante, da prova suprema. Feliz quem não for vivo, então, sobre a terra.

O amor de Deus deve retrair-se um momento, para que a justiça seja feita e o destino, desejado pelo homem, se cumpra.

Há algum tempo, eu já disse — preparai-vos, pre¬parai-vos — e não ouvistes. Em breve, será demasiado tarde.

O drama está próximo, eu o sinto, torna-se meu, toco-o, ressoa desesperadamente no mais íntimo de meu espírito.

Repito: "Toma, Senhor, minha alma".

E três vezes repito: "Senhor, ofereço-te a mim mesmo pela salvação do mundo".

"Seguir-Te-ei até à cruz".

Três vezes repito e sinto que Tu, Cristo, me es¬cutas me aceitas e que estou unido à Tua paixão.

Compreendo que me guiaste até aqui, ao templo de São Francisco, para que, sobre Seu túmulo, pró¬ximo Dele, eu Te repetisse esta nova promessa, sole¬ne, decisiva, após a primeira, após cinco anos de duro caminhar.

Compreendo que Tu esperavas esta minha nova dação, porque agora um peregrinar mais áspero se inicia e um esforço mais árduo me espera.

O cântico cessou depois de seu último paroxismo.

Todas as luzes se apagaram. O templo está em silêncio, no escuro.

Minha alma atinge, junto à alma de Cristo no Getsêmani, sua última desolação.

Abala-me o último estalido das vergas batendo no solo.

Naquele instante, verdadeiramente senti a terra tremer.

*   *   *
Como era belo contemplar, lá fora, antes do ocaso, sobre o doce e extenso vale úmbrico e os reflexos do Tescio, os pinheiros ondeando ao vento, contra os diáfanos esplendores da distância!

E, mais tarde, a lua cheia surgindo do Subásio, a mole do templo, irreal entre pálidas luzes, e a imensa campina adormecida.

Hora de doces colóquios de espírito com a alma do criado, no intenso pressentimento de primavera. Hora de ternas recordações para mim, nesta doce terra de Assis, onde tão profundamente tenho vivido e que tanto tenho amado. Hora em que o Céu e a Terra refletem, amigos, um sorriso comum e se estrei¬tam num fraterno amplexo.

Parecem em paz, mas é aparência do momento.

Vive dentro de mim a visão da realidade

Eu senti verdadeiramente a Terra tremer.

Onde está a perfeita alegria ? (Irmão Francisco)



DO LIVRO ASCESE MÍSTICA

                           XV  IRMÃO FRANCISCO



Peregrinei por toda esta minha terra úmbrica e além de seus confins, 

        corri no encalço de suas subterrâneas descendências, ressurgidas 

 em  terras limítro­fes. Nestas me detive longamente, para me 

encon­trar a  mim mesmo. Nos seus  silêncios austeros e su­blimes,

 minha alma  viveu sua mais intensa maturação. 



Os horizontes altíssimos de suas montanhas me deram a sensação

       de Deus.



Peregrinei por toda esta terra franciscana de Assis à  irmã Gubbio; 

       do Subásio  ao Alverne; da Por­ciúncula a Greccio.                                                 
 Andei  apaixonadamente inter­rogando as  antigas pedras, para que 

me  contassem o segredo de sua história. Estreitei-as ao coração,

        banhei-as de lágrimas. E falei: Dizei-me, vós que o vistes, o 


     São Francisco humilde e pobre, recordais? Não é possível que

        um hálito de seu  imenso respiro não tenha ficado em vós também;

        não é possível que o seu abrasante amor não vos   tenha percorrido 

        com uma vibração tão poderosa,  que até  agora não permaneça e 

        que deveis comunicar-me. 


        Não ouvistes? E por que não falais?



Falai, imensos horizontes, narrai-me os êxtases, os trabalhos, as penas daquele coração. De torrão em torrão andei invocando a longínqua lembrança Pedi aos declives inundados de sol, as selvosas mon­tanhas, às veredas, às humildes casinholas, às cape­linhas perdidas, aos doces recantos do campo — sem­pre à espera de uma arcana revelação Interior que me dissessem: é aqui, foi aqui, não vês? Aqui está a peque­na figura do Santo, queimando, consumida pela sua paixão; não ouves a sua voz harmoniosa e persuasiva que fala da perfeita alegria? Escuta [1]:


“Certa vez, vindo São Francisco, de Perusa para Santa Maria dos Anjos, em tempo de inverno, em com­panhia do Irmão Leão, um frio muito intenso o ator­mentava. Chamou, nesse momento, o Irmão Leão, que ia mais à frente, e assim lhe falou: Ó Irmão Leão, ainda que os Irmãos Menores dessem no mundo in­teiro grande exemplo de santidade e boa edificação, não obstante, escreve e toma cuidadosa nota, que nisso não está a perfeita alegria.

E caminhando um pouco mais, São Francisco o chamou pela segunda vez:

Ó Irmão Leão, ainda que o Irmão Menor resti­tua a vista aos cegos, cure os paralíticos, expulse os demônios, faça os surdos ouvirem, os coxos caminha­rem e os mudos falarem e, o que é muito mais, res­suscitasse um morto de quatro dias: escreve que não está nisso a perfeita alegria. E andando um pouco mais, S. Francisco em voz alta, falou:


Ó Irmão Leão, se o Irmão Menor soubesse todas as línguas, ciências e escrituras, e se soubesse profetizar, revelando não somente coisas futuras, mas até mesmo os segredos das consciências e dos homens, escreve que não está nisso a perfeita alegria. (....) E continuando a assim falar pelo espaço de duas milhas, o Irmão Leão, mui­tíssimo admirado lhe perguntou: Pai, peço-te, da par­te de Deus, que me digas onde está a perfeita alegria. E São Francisco lhe respondeu:


Quando chegarmos a Santa Maria dos Anjos, inteiramente molhados pe­la chuva e enregelados pelo frio, enlameados e ator­mentados pela fome e batermos à porta do convento e o porteiro chegar irado e disser: Quem sois vós? — e nós respondermos: Somos dois de vossos irmãos — e ele disser: Não falais a verdade Sois dois malandros que andais enganando o mundo e roubando as esmolas dos pobres Fora daqui! — e não nos abrir a porta e deixar-nos de fora, exposto à neve e à chu­va, com frio e com fome, até à noite; então, se suportarmos pacientemente tantas injúrias, crueldades e rejeições, sem nos perturbarmos e sem murmurações contra ele, se com humildade e caridade pensarmos que aquele porteiro verdadeiramente nos conheça e que Deus o fez falar contra nós, o Irmão Leão, escre­ve que nisto está a perfeita alegria.


E se nós conti­nuarmos a bater à porta e se ele sair perturbado e nos expulsar, como vadios importunos, com insultos e bofetadas, dizendo: Ide embora daqui, ladrõezinhos miseráveis, ide para o albergue porque aqui não te­reis comida nem abrigo; se isso suportarmos pacien­temente, com satisfação e com amor, ó Irmão Leão, escreve que nisto está a perfeita alegria.

E se nos, constrangidos pela fome, pelo frio e pela noite, batemos e chamarmos de novo, e pedirmos pelo amor de Deus, com muitas lágrimas, que nos abra a porta e nos deixe entrar; e se o porteiro mais escandalizado disser: — Esses são velhacos importunos, dar-lhes-ei o que merecem, — e sair com um nodoso bordão, agarrar-nos pelo capuz, atirar-nos ao chão, revolver-nos na neve, golpear-nos com aquele bordão, nó por nó: se nós suportarmos todas estas coisas com paciência e contentamento, pensando nos sofrimentos de Cristo bendito, e que tudo devemos suportar pelo Seu amor, ó Irmão Leão, escreve que nisto está a perfeita alegria. ( ....)”

* * *

Estava frio, no entanto fazia tanto calor no coração! Estava escuro e no entanto resplandecia tanta luz na alma! A tormenta era rigorosa lá fora, mas Deus cantava tão forte do interior!


Escuta, escuta! Não ouves a voz das profunde­zas? Sim. O Subásio é o mesmo e lá em baixo Assis descansa; em torno, a coroa das colinas úmbricas. São os mesmos, os declives cheios de bosques de Greccio, a vista na direção de Rieti e Fonte Colom­bo; os mesmos os reflexos escuros e profundos do lago de Piediluco e os perfis de seus grandes montes severos. Os mesmos, os vastos silêncios do Trasime­no imenso. Ouço um bater de remo, no lento cami­nhar de praia em praia e aí reencontro minha alma, que caminha sem nunca descansar. Vem da terra o eco daquele passo bendito de Francisco, que sigo sem alcançar. Interrogo as ressonâncias íntimas e ouço, admirado, um murmúrio humilde na mais se­creta palpitação de meu coração.


Dizei-me, forças da vida, por que não guardastes um sinal do meteoro que por aqui passou, perdendo-se nas transparências do céu; dizei-me, criaturas irmãs que comigo atravessais a vida, nenhum lon­gínquo eco retorna no timbre de vossas vibrações, se tanto ímpeto de paixão vos imprimiu o canto do Irmão Francisco? No entanto, na música da criação ouço ir e vir a harmonia evanescente daquele cântico de Deus que em vós se fundiu quando por aqui passou a alma do Santo. Vós, então, ecoastes, com­preendestes e respondestes, cantastes em coro a gran­de sinfonia que ele entoava, a sinfonia do amor divino.

Dai-me de novo aquele canto, é o cântico de Deus. Criaturas irmãs, ajudai-me a subir, a vibrar, a sentir. Aquele canto arrebatará minha alma deste barulho infernal, para longe da terra, para sempre.

Então, num imenso e profundo silêncio, ecoa man­samente a música divina. Cada forma de existência emite uma nota. Oro na minha prece ouço Deus como um canto imenso e sublime que emana de to­das as criaturas. Cantam todas as expressões de Deus, a terra e o céu, a luz e a vida, a ordem e o pensa­mento. A minha alma se torna bem pequenina, mas emite harmonia e a cada nota, sintonizo gradualmen­te; a ressonância me invade, a vibração me eleva, o arrebatamento me conduz. Já não sou eu, mas uma harpa na qual ressoa o Universo. E uma prece na qual se cala. E a união com Deus.


Das profundidades do tempo e do espaço, ouço esta voz potente de Deus, que me leva a alma num turbilhão. Ouço a sinfonia dos vastíssimos horizon­tes, a luminosidade dos céus, as harmonias da vida, a voz do mundo, cantando: Cristo! Cristo! Cristo! Assim grita a História: Cristo esperado, Cristo presente, Cristo operante no coração da civilização. Cristo, re­pete-me a beleza da arte, a profundidade da sabe­doria, a vitória da bondade, a grandeza do espírito. Esse canto se dilata e me penetra. Cada nota ecoou em mim e lentamente, das humildes às grandes vozes. Minha alma apertou e sorveu em si a estupenda vibração e, acompanhando esta harmonia, subiu com o canto. Cristo! — me repete todo o universo. Cristo sinto chegar, resplandecente, dos céus, tão vertigino­samente alto e belo como sonho que devia ter sido no ardor de Francisco na suprema consagração do Alverne.




[1] De I Fioretti de San Francesco, cap. VII. (N. do A.)
Em algumas edições, inclusive a italiana de Rizzolli, a narra­tiva se encontra no cap. VIII. (N. do T.)

sábado, 26 de março de 2016

A Posição de Ubaldi


DO LIVRO ASCESE MÍSTICA 


                                   XIII  MINHA POSIÇÃO






Chegou o momento de dizer tudo sobre mim mes­mo, até à última profundidade, de assumir a minha posição e a minha responsabilidade. Eu disse em páginas anteriores (Segunda Parte - Cap. III – Dor) como devia dizer toda a minha verdade, dar testemu­nho das minhas afirmações, com a palavra e com o exemplo, dar a certeza da idéia que possuo. E disse (Segunda Parte - Cap. I - Em Marcha) que a mi­nha prudência seria vil se no momento decisivo me calasse ou não dissesse tudo. O meu último volume culminava, nas conclusões[1], na afirmativa de que A Grande Síntese é uma revelação conexa, em sua substância evangélica, ao desenvolvimento gradual, na Terra, do pensamento de Cristo, que é emanação contínua. Então, senti que também me movia sobre a linha da inspiração cristã e percebi com que imensa noúre estava em sintonia. Com isso, defini a signifi­cação daquela obra. Não nos limitemos à moldura, à veste editorial, à colocação humana. O conteúdo ultrapassa estes confins, resultantes apenas da ne­cessidade do momento. Referi-me à gravidade da hora histórica, que justifica métodos excepcionais pa­ra a ressurreição de Cristo no mundo. Então, era cedo para dizer mais Era necessária minha nova matura­ção, que aparece neste volume, para continuar; era necessário este novo testemunho, para que o leitor pudesse compreender melhor. E mesmo agora des­truo as pontes atrás de mim, para que não me seja aberto senão um caminho: o de avançar.



Quanto eu disse de Cristo e sobretudo quanto di­rei nos últimos e mais intensos quadros que se seguem e uma confissão feita em termos tão sentidos, tão gra­vemente cheios de empenho diante de Deus, que não se pode admitir a mentira. O equilíbrio deste estudo exclui qualquer enfermidade de consciência. Nem tais afirmações se fazem com escopos humanos, porque elas representam um gravame terrível para quem assume por elas, como eu o faço, plena responsabilidade. Este é o testemunho que eu devo dar hoje, por absoluta ordem interior, da verdade de A Gran­de Síntese. A íntima ligação de minha alma com Cristo, aqui exposta, confirma hoje e revalida as mi­nhas graves afirmações de ontem, num caminho de tenaz e inflexível coerência. É o testemunho de seu conteúdo cristão, motivo central no renovamento da civilização. Disse-o inequivocamente; é preciso que compreendam também em alguns de meus silêncios terrivelmente eloqüentes. A minha meta e construir; nunca me verão aqui acusar, agredir, demolir. O meu escopo é o bem, é unificar e não semear dis­sensões, irritações e antagonismos, polemizando. O meu método tem de ser, necessariamente, o método de Cristo — o sacrifício, o perdão, o amor. As dificul­dades e os dissabores são apenas para mim. A ver­dade vale por si, não por mim. A verdade é que tem valor, e não eu.



Mas, perguntar-me-ão que significa tudo isto, que e que eu desejo e aonde pretendo chegar. Não o sei precisamente, hoje. Certamente não se diz tudo quan­to eu disse apenas para se lançar um livro. Sei ape­nas que atras de mim há uma força imensa, à qual obedeço e sigo, sem saber, eu mesmo, dos futuros de­senvolvimentos. Eu semeio, mas não colho. Devo ser inteiramente desligado do fruto do meu trabalho. A minha recompensa está em outro lugar, está apenas em Cristo e em Sua aproximação. Não aprendo o meu caminho humano senão dia a dia. Assim tem sido até agora. Não se me atribuam, portanto, per­feições e méritos, pois não os tenho e se faço alguma coisa — não é minha. E perguntar-me-ão: trata-se de um movimento? Tranqüilizem-se todos. Não é um movimento no sentido humano. O homem é muito apegado as suas distinções, divisões e organizações humanas, porque incluem interesses. Eu lhes deixo todas estas coisas que tanto lhes agradam e que pa­ra mim nada valem. Nada se muda do que é externo, porque o exterior não conta. Dir-se-á: é utopia. Não. As verdadeiras forças estão no Céu, as forças que renovam a Terra. Nós vimos e sentimos seu maravilhoso funcionamento. Um homem não pode realizar certos movimentos mesmo através de seu heroísmo e de seu martírio; eles despontam na hora histórica, no sangue das povos, no equilíbrio da civilização. Estas forças que tudo operam, se o quiserem, lançarão o ho­mem além de sua própria vontade onde ele não saberia chegar, como um expoente que parece elevado mas que, substancialmente, pode ser insignificante. É um fato que certos movimentos substanciais do espírito não descem sobre a Terra, mas estão fora de qual­quer recinto, entre o mundo e o Céu e nunca se de­senvolveram valorizando categorias humanas. Não se cuida, pois, de qualquer propriedade: tudo é dirigido tão-somente pela força do espírito. O homem pensa por demais em corrupções. Por isso, não que­ro nem casas, nem sedes, nem cargos, nem a larga pestilência das organizações humanas. Nada que possa atrair os baixos instintos ou estimular as sem­pre rápidas reações dos impulsos inferiores do homem comum. Nenhuma fetidez de dinheiro que tanto atrai os ávidos e sombrios aduladores.



Estes fogem, graças a Deus, em face de um pra­to onde não há senão fadiga, dor, paixão de espírito. Esta é a minha segurança.



Ai das crenças que não exalam somente o per­fume da renúncia!



Esta é a minha força diante do mundo: a idéia pura e nua como desce do céu e atirada como semen­te ao vento, para que germine sob o impulso secreto das leis da vida. Só a imaterialidade é garantia de invulnerabilidade. A força da idéia que desenvolvi e sempre segui, não se desmente e confia só e sempre unicamente nela mesma. Atrás dela estão as forças do infinito, e elas me joeiraram tremendamente a princípio. Agora se desenvolvem, como verifico, com método e lógica.



O movimento é espiritual. A meta é um reino que não é da Terra: o Reino dos Céus. A forma é aristocrática: enfrenta a intelectualidade e a cultura, porque são a aberração do século. Não se tocam os estratos inferiores, mais densos e menos maduros para a compensação. Tudo desce, depois, automaticamente, por gravitação, na assimilação e também, ofuscando­-se, na realização. Ficamos em uma atmosfera pura, pelo menos, no momento da gênese e da concepção. As forças substanciais não agem do exterior, mas vão diretas ao coração do homem; incrustam-se nas motivações e estas forças cósmicas estão aqui presentes, em ação. 

Aqui tudo é forte porque é imaterial; é in­destrutível porque é imponderável.

Quem está na matéria, se desejar destruir, encontra o vazio e não sabe o que agarrar.

Quem está no espírito compreende e não pensa em destruir.

Este é um germe tão espiritual que não toma forma humana; é a substância da fé, é um dinamismo puro que em toda parte cairá e em qualquer divisão humana poderá frutificar. É uma paixão de bondade que pode existir em cada casa, em cada instituição, em cada opinião; é um princípio de honestidade do qual cada autorida­de não poderá senão se regozijar. É uma pureza e uma sinceridade em que cada alma se sentira renas­cer. É a luz de Deus que se dá a todos acima dos monopólios humanos: é pura destilação de força e bondade alcançada na fonte, antes que atinja a ca­nalização e as impurezas humanas. Parece nada porque não desceu ainda à forma fixa e concreta. Flutua no ar como um perfume, como o orvalho ain­da. não denso. Mas este é o estado mais dinâmico, o estado da gênese.

É o espírito do Evangelho que volta na sua esplêndida fase primordial. Ele nada possuía, senão mártires.


Na sua origem, o fogo do espírito era líquido e jorrava em abundância, das grandes crateras aber­tas. Hoje o homem está imerso na matéria; um século de ciência volatilizou o evanescente perfume do céu. Hoje recolhemos as últimas fagulhas semi-extintas e conservamo-las religiosamente nas lâmpadas acesas, cansado e pálido reflexo do incêndio origi­nal. Mas, isto não basta para desfazer as trevas que se tornam cada vez mais densas e ameaçadoras. Não basta o monumento das verdades escritas, conservadas num invólucro imponente que se formou através dos séculos. O espírito é uma força viva que habita no coração do homem. É uma força, não uma pala­vra escrita, e como força, se difunde e se exaure; não pode ser fechada no imóvel; extremamente móvel, ele se nutre de vida, é uma radiação que desce do Alto, e um calor que se dissipa se não se recebe continua­mente novo calor para comunhão da alma com o Céu. “Litera Occidit spiritus autem vivificat". (II, Cor. 3.6)[2].

Muitas vezes nós trocamos o continente pelo conteú­do, tocamos o invólucro pensando tocar o fogo, mas em verdade ficamos frios. O hábito acostumou-nos á forma: ouvimos palavras incendiárias e permanece­mos indiferentes. Que pesado fardo humano tem a Igreja de arrastar no seu caminho divino! 

Tanto es­fregamos nossas almas impuras nas coisas santas que, em lugar de nos santificarmos, tornamos estas impuras. Abaixamos tudo ao nosso nível, a fim de podermos carregar tudo conosco, para nosso uso e consumo.


Mas a verdadeira fé é um incêndio que se situa com dificuldade no círculo das coisas humanas. É um perfume que não se pode fechar em frascos. É to­da uma espontaneidade festiva e, se deve ser codifi­cada em lei, é pela triste necessidade de ser adaptada à vida dos cegos. Esta fé é hoje necessária, ne­cessária é esta erupção espontânea e direta das for­ças do Céu, necessária esta explosão de energias ir­refreáveis como o raio e a tempestade. Pergunto que coisas poderia fazer um punhado de homens fortes, poderosos pela disciplina do espírito, armados desta psicologia heróica, dirigida à renovação da civilização — que coisas poderiam fazer diante da massa inerte, das maiorias jocosas e cegas que não pro­curam senão o prazer, sem paixão por ideais nem. vontade de martírio, sem saber nada dos grandes desígnios da vida. É necessário, como para as plan­tas em cada estação, em cada encerramento de um ciclo de civilização, uma brotadura nova e fresca, que atinja diretamente as fontes da vida, e um flamejar de sol que amadureça a messe. Outrora, em tempos de calma, de inércia espiritual, era possível ficar ca­lado e viver de acomodamentos — mas não hoje, quando o inimigo está às portas. 

Estamos diante do dilema: ou ressurgir no espírito, ou morrer na maté­ria.

A História prepara uma tremenda convulsão de dor. E a voz de Deus para os surdos, é a via da re­denção É o batismo da tempestade que faz voltar a pureza; é paixão de alma que faz subir novamente. Não é destruição — é renovação.


Não temamos, Cristo se aproxima, não apenas como justiça, mas também como salvação. Nos sé­culos de tranqüilidade, também o céu fica tranqüilo. Mas nos momentos de tempestade, o céu se abre e entre os raios lança relâmpagos de luz. Quando os tempos estão maduros, uma ferida se abre na Histó­ria e jorra sangue e linfa vitais, sem o que parece a humanidade não teria forças para continuar seu ca­minho. O inimigo está chegando ao centro da forta­leza. Cristo tem de recomeçar do princípio. Nos mo­mentos supremos e decisivos, não resiste quem não for substancialmente forte e não estiver abastecido de espiritualidade, e não apenas de habilidades huma­nas. Mas o mal, se destrói, também purifica e nas mãos de Deus é guiado para os limites do bem.


O mal é cego e não o sabe — mas o bem, que o guia, sabe-o. As tempestades reedificam e são bem­-vindas.


Deus escolhe os Seus meios em toda parte mas bem raramente entre as fileiras oficiais, entre os po­derosos e os sábios. Os pobres seres que se fazem admitir neste movimento, arriscam-se, a cada instan­te, a ficar pulverizados. Eles terão de fornecer sozi­nhos, sem apoio, o testemunho supremo de sua ver­dade. E esta não poderá pairar senão mais tarde, so­bre um consenso de almas, que não se pode formar senão lentamente, por maturação e por vias interio­res e só por experiência completa e quando a vida encerrar-se, isto é, quando aquele consenso não pu­der mais levar a quem agiu, nenhuma ajuda e nenhum conforto.



Mas também o Alto é avaro de auxílios, não dá sinais nem provas. Estas seriam uma espécie de pa­tente de autorização para o exercício pacífico da pró­pria missão. Não. Ele deve ser exposto a todos os ventos, golpeado por todos os assaltos. A sua alma deve ser atirada nua na poeira das estradas, onde todos possam pisá-la. Nada de posições protegidas e seguras que adormentam e ensoberbecem — mas humilhações, lutas, incerteza; não a alegria da colheita, mas a fadiga da sementeira.


Muito mais rude que o da Terra é o selo do Céu! 

Esta exceção, que é péssimo exemplo para a medio­cridade ignorante, deve sofrer os mais severos con­troles, para que a estrada não seja escancarada pela rebelião e pelo erro. A lei é que, cada superação de normas não seja lícita senão quando se entra em normas humanamente mais rígidas, moralmente mais elevadas. Quem vive protegido pela autoridade, ce­dendo a esta o peso de sua responsabilidade, cairá por este caminho. Quem for escolhido, terá uma soma muito maior de deveres e apenas com a ajuda de Deus poderá resistir e vencer. Ele o sabe. 

Uma missão é um caminho que se restringe cada vez mais, às vezes até ao martírio. Ele o sabe e não foge. Ele de­ve dar testemunho. Se Deus não estiver próximo, tal caminho não se poderá percorrer. Só quem está ao lado de Deus concorda em arar semelhantes campos. Neste clima, nenhuma motivação humana resiste. O verdadeiro chamado se faz reconhecer pela ausência de qualquer motivo terreno, por um particular método de luta, por uma cor psíquica inconfundível. E só então ele corre e avança, quando os instintos humanos foram destroçados pela raiz e nenhuma outra coisa senão Deus pode estar nele. Tudo isto é uma peneiração cotidiana, é um controle contínuo de correspondência de capacidade, é um permanente exercício, é um equilíbrio de forças que levam a alma até aquele ponto de sua missão que ela é capaz de su­portar, e não além, porque então ela seria abando­nada e cairia.


Sinto, afinal, levantarem-se menores objeções as quais, ocupado com outros problemas, não tenho até agora considerado, mas que devo considerar.
Tudo isto, pode parecer, não é senão o eu humano que grita em mim, que se ensoberbece e se agita. Modéstia, modéstia.
O verdadeiro místico é sobretu­do humilde e este é o livro do orgulho.
Que é isto de subir à cátedra, podem dizer-me, e fazer vaidosas afirmações de altíssimos contatos de espírito, não provados pelos outros e que implicam numa gratui­ta posição de superioridade e autoridade decerto não aceitável pelos demais.



Pense-se, porém, no que é este livro. 
Ele é uma desesperada invocação a Deus, de uma alma que, vendo o que é o mundo, e o que o espera, oferece pa­ra salvá-lo, não tendo mais que dar — a si próprio. (Ver capitulo XXVII PAIXÃO).
Mesmo que seja ameaçado de destruição. A psicologia comum dos críticos move-se em outro plano; não seria possível contentar a todas as pessoas e divergentes exigências. Mas aqui eu sinto bem diferente: sinto a que imensa incompreensão vou de encontro e, no entanto, não posso deter-me. Isso assinala o início do meu mais inten­so sacrifício. Falo forte e alto, perturbo os que che­gam, desfaço os acomodamentos, semeio o incêndio nos ânimos. Sou violento no espírito porque devo abalar e salvar. Não me iludo: devo pagar pelas mi­nhas afirmativas. Antes morrer que pensar não pos­sa mantê-las. Não são coisas que se afoguem no si­lêncio ou possam desaparecer na indiferença.
Che­gará a hora do testemunho ainda mais evidente, não já de palavra, mas de ação e de dor. O meu caminho se estreita, e não posso retroceder. A depuração de­ve ser severa e exigente na proporção da massa de afirmativas feitas.

Qualquer um na terra tem o direi­to de enfrentar quem assim fala e dizer-lhe: "Exijo provas". E eu devo estar pronto E bem sei que a so­ciedade moderna, que evita o sangue, sabe triturar um homem de forma sutil muito mais dolorosa.



E diante deste pressentimento foi que senti não poder renunciar ao dever de dar testemunho de mi­nha verdade. Não cumprir esse dever seria para mim trair minha missão. Não posso. E aqui estou pa­ra sofrer as conseqüências. Não há alternativa.

Es­piritualmente, o mundo já está em chamas.
Não é lí­cito, neste momento, cruzar os braços e ficar como espectador, porque a tempestade vem para todos. Qualquer absenteísmo espiritual é hoje culpa e vila­nia. O mundo deve decidir e escolher seus valores, um princípio deve vencer. Os neutros serão arrasta­dos e se tornarão servos. E as palavras que eu digo não poderiam ficar apenas nos altos céus mas distantes da universalidade. Devem descer, também, à for­ma precisa de luta e de conquista que o momento histórico impõe, momento de ação tremenda e deci­siva. 

As palavras que eu digo devem saber precisar, no seio da universalidade evangélica, o pensamen­to que temos hoje o dever de lançar ao mundo, e neste pensamento específico, feito de vida, devo ofe­recer minha contribuição. E se este livro puder parecer um imperdoável ato de orgulho e de audácia, é justo que eu pague. Aqui estou para isso. Para mim, existe um outro pré­lio no céu, onde a terra não chega e estou a postos. Que os sonolentos sejam abalados. O sono é hoje a pior das posições.


Compreendo que, para quem vive no plano normal, no qual o movimento histórico é menos sensível, a minha atitude possa parecer, desde logo, exalta­ção, perigosa audácia, pretensão absurda, estranha megalomania, efeito de desmedido orgulho. Mas, eu não posso viver, na hora premente de hoje, de acor­do com as medidas e as prudências humanas, que são proporcionais a fins humanos. Confesso, sim, que sinto tudo isto como um grande dever, um encargo de grande responsabilidade. Não se veja em tudo isto, e especialmente na unificação de que falei, uma posição elevada e de vantagem conquistada para sem­pre. Veja-se, ao invés, uma posição de trabalho na qual me devo manter a custo de uma contínua tensão de espírito e. que posso perder apenas dela deixe de ser digno. A unificação não é um agigantamen­to do meu eu humano, coisa que tantos temem, mas é o eclipsar-se deste eu numa unidade maior. Não é au­to-exaltação falar deste novo eu em que meu ser desaparece. Para mim é, ao contrário, um ato de supre­ma consagração. Examino-me e me confesso sem pretensão de infalibilidade. E isto é tudo o que sinto agora na minha consciência. Não tenho culpa se assim é, por sua natureza, para quantos o vivem, o fenômeno místico — se eu me encontro a vivê-lo ago­ra e se isso está fora da experiência normal e além da compreensão.



Algumas coisas não se dizem — poderiam ainda objetar. Mas, eu tenho o dever de dar o exemplo, de devolver o que recebi, de dar aos outros a alegria conquistada, o dever de indicar o caminho e de tes­temunhar minha experiência. Tenho o dever, pesado e gravíssimo, mas necessário aos que dormem, de in­quietar as consciências. Cumprido o dever, silêncio. O fenômeno, naturalmente, fica e vivíssimo, mas, acabada a necessidade de manifestá-lo para um fim benéfico aos outros, minha boca se fecha e tudo fi­cará fechado sob o selo do meu silêncio, simples fa­to pessoal presumível apenas por suas conseqüências. Mas, fazer-me compreender primeiro é hoje par­te de meu dever. Era necessário explicar e esta sin­ceridade pode ser uma prova capaz de sacudir as almas. Não vejo outro meio de fazer isto. Que pode importar, ante a urgência da hora e a perfeição da meta, diante do bem de tantos, se para tudo isto um só se deva expor às críticas e ao sofrimento? À na­tureza humana normal repugna a idéia nua e abs­trata. É necessário que essa idéia se materiali­ze num ser que a vida aqui, lutando, sofrendo, testemunhando. O homem comum exige esta mate­rialização para contra ela bater a cabeça — é pre­ciso dar-lha. Eu, porém, tenho aqui a sensação hu­manamente penosa de uma pública confissão, a sen­sação da última espoliação da minha personalidade que assim não tem mais ângulos seus, nem segredos, nem refúgio, porque tudo deu, toda se expôs e toda, já agora, pertence aos outros.



Digo-o e repetirei para que também o leitor dis­traído perceba: por caridade, não se me atribua qualquer coisa de excepcional e de superior como homem. Nada seria mais falso e mais nocivo para o meu trabalho. Não se esqueça jamais o quão profun­damente estou mergulhado nesta natureza humana, contra a qual tanto luto dia a dia. 

Faço uma decla­ração. Se não a quiserem compreender, a culpa não é minha. Não poderei, por isso, mudar o meu cami­nho. Faço de uma vez e para sempre esta bem cla­ra distinção: não se me atribua nada de bom que eu possa fazer. Isso não é meu. Esta é a verdade. Atri­buam-se-me, ao invés, todos os defeitos, as fraquezas, as culpas que possa ter o meu trabalho. Tudo isto, sim, é verdadeiramente meu.




[1] As Noúres, cap. VI (Conclusões). (N. do A.)

[2]  “A letra mata, mas o espírito vivifica”. Palavras do Apóstolo Paulo, em sua Carta aos Coríntios. (N. do T.)

sexta-feira, 25 de março de 2016

O Sermão da Montanha


         





XV

EM BUSCA DA FELICIDADE
                        * capítulo XV do livro “ A Lei de Deus”

Como a Lei nos faz atingir a abençoada posição dos bem-aventurados do Sermão da Montanha, relatado no Evangelho.


Se quisermos resumir em duas palavras o assun­to que foi desenvolvido até agora nestes capítulos, poderíamos dizer que falamos da Lei. Temos falado dela, porque ela representa o ponto central da nossa vida e o caminho da nossa salvação. A Lei exprime o pensamento e a vontade de Deus e constitui a re­gra fundamental da nossa conduta.

Mas, qual é o seu conteúdo? - poder-se-ia perguntar O conteúdo da Lei, pelo menos no que se re­fere às normas que regem a conduta humana, é bem conhecido no mundo e não nos cabe repeti-lo. Ele já foi sintetizado nos Dez Mandamentos de Moisés, exemplificado no Evangelho, explicado pelas reli­giões e pelos princípios morais aceitos pelo homem. Há milênios o mundo repete estas verdades. A nos­sa tarefa não é a de fazer um tratado a mais de mo­ral ou de religião. Não é deles ou de pregações que temos falta, mas da sua aplicação na vida prática.

Nossa tarefa foi só a de demonstrar, também aos que não acreditam nas religiões, que a Lei está pre­sente e funciona de verdade, trazendo consigo sérias conseqüências práticas as quais não se pode fugir, sejam de utilidade ou de prejuízo. Quem tiver enten­dido nossas palestras saberá agora o que lhe acon­tecerá se a sua conduta não for aquela que a Lei estabelece. Não temos falado de infernos longínquos, nem de vinganças de Deus, absurdas porque Ele não pode ser mau, mas só da Sua bondade e justiça, o que convence muito mais. Temos falado com pala­vras de lógica aos homens práticos, de fatos concre­tos que cada um com seus próprios meios pode veri­ficar em nosso mundo, fatos cujo sentido só assim é possível explicar e compreender. Agora podemos claramente entender as razões pelas quais nos con­vém seguir o caminho da honestidade, e quão louco é o mundo que provoca o seu próprio prejuízo, seguindo o caminho oposto. Quem compreendeu tudo isso, torna-se muito mais responsável pelas conseqüências dos seus atos, porque agora sabe que, quando chegar a reação da Lei em forma de dor, é porque nele mesma está a causa, e essa dor foi ele quem a semeou com seus erros. Então só lhe resta resignar-se e iniciar o trabalho de autocorreção.

Mencionamos anteriormente o Sermão da Monta­nha, de Cristo. Este Sermão sintetiza em poucas pa­lavras aquilo em que a Lei quer que nos tornemos, chamando de bem-aventurados os que atingirem aquele nível superior de vida ao qual o Sermão se refere. Por estas palavras do Evangelho, a Lei nos diz o que nos aguarda se obedecermos a ela, adqui­rindo as qualidades dos mais evoluídos, isto é, sermos humildes de espírito, pacientes nos sofrimentos, man­sos, justos, misericordiosos, limpos de coração, pacificadores etc. Eis as palavras de Cristo, no Discurso da Montanha:

Bem-aventurados os humildes de espírito, porque deles é o reino dos céus. — Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra. — Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão fartos. — Bem-aventurados os misericordiosos, por­que alcançarão misericórdia. — Bem-aventurados os limpos de coração, porque verão a Deus. — Bem­-aventurados os pacificadores, porque serão chama­dos filhos de Deus. — Bem-aventurados os que têm sido perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus... Alegrai-vos e exultai, porque é grande o vosso galardão nos céus. . .”1

Esta é a posição dos bem-aventurados, daqueles que obedecem à Lei. Mas, esta não é a nossa posição atual no nível humano, cujas “virtudes” de for­ça e astúcia são completamente diferentes. Procure­mos, então, parafrasear este trecho do Evangelho, repetindo-o numa forma diferente, para ver quais são as reações com que a Lei nos impulsiona para que nos tornemos os bem-aventurados de que fala o Ser­mão da Montanha. Este apresenta um aspecto supe­rior da Lei, mas agora a veremos neste mesmo assun­to sob outro aspecto, ou seja, como Ela funciona a este respeito no nível humano (que na realidade não é o dos bem-aventurados), mostrando os meios pelos quais a Lei nos estimula a atingir aquela abençoada posição de bem-aventurados. Assim, os homens prá­ticos do nosso mundo, que possam pensar que o Ser­mão da Montanha exprime uma filosofia de sonho, verão que, por caminhos diferentes, mais duros, proporcionados à dureza do homem, ele esta igualmen­te se realizando em nosso baixo nível de vida. Veja­mos, assim, qual é a posição, não dos bem-aventurados do Evangelho que vivem a Lei, mas do homem comum do mundo que, ainda não vivendo a Lei, é im­pulsionado a vivê-la. Eis, então, como se poderia re­petir o Sermão da Montanha, relacionado com este outro ponto de referência:

"Bem-aventurados os soberbos, porque eles terão de sofrer tantas humilhações até aprender a lição de humildade e assim, deles será o reino dos céus. — Bem-aventurados os que gozam demais, só pensando em si e para além dos limites razoáveis, porque terão de sofrer necessidade e abandono, até aprender a re­gra da justa medida e do amor ao próximo e, então, serão consolados. — Bem-aventurados os prepotentes, os ferozes, os guerreiros, porque tanto serão esmaga­dos pela prepotência, ferocidade e agressão dos ou­tros que se tornarão mansos e, então, herdarão a terra. — Bem-aventurados os que sustentam e praticam a injustiça, porque tanta injustiça terão de receber que compreenderão quão duro é ter de estar subme­tidos a ela e, então, por terem aprendido sua custa a ambicionar a justiça, desta serão fartos. — Bem-aven­turados os desapiedados, porque não encontrarão misericórdia e, por demais a invocarem para si sem recebê-la, compreenderão a necessidade da bondade e do perdão, alcançando, então, misericórdia. — Bem-aventurados os que não são limpos de coração, porque ficarão tão submersos na ignorância e na maldade, com os conseqüentes erros e dores, que purifica­rão seu entendimento, e assim compreenderão a Lei e verão a Deus. — Bem-aventurados os que gostam de brigas e de disputas, porque pelo fato de não conse­guirem encontrar paz, almejá-la-ão e procurá-la-ão em toda a parte, até que se tornarão pacificadores, e en­tão serão chamados filhos de Deus — Bem-aventurados os que perseguem com injustiça os justos, porque tanto serão perseguidos pela sua própria injus­tiça, que aprenderão a ser justos, e então deles será o reino dos céus... Alegrai-vos e exultai, todos vós que quereis rebelar-vos contra a Lei, porque grande é o sofrimento que vos espera e assim tereis de apren­der a lição da obediência, pela qual ganhareis um grande galardão nos céus”.

Eis como o Evangelho dos Céus, - assim se po­deria chamar o de Cristo, - tem de se traduzir na Terra, para que seja possível realizar-se aqui. Eis como o Evangelho vai tornar-se realidade viva tam­bém para os surdos e os rebeldes. Eis como a Lei se mantém em ação e se realiza plenamente também em nosso mundo. Seria absurdo que a ignorância e à má vontade do homem fosse deixado o poder de paralisar a Lei e, com isso Sua obra de salvação. Eis como Deus, para nosso bem, nos torna bem-aventurados, mesmo se não o quisermos. Ele quer, custe o que custar, nossa salvação. Por isso, quando for indispensável, usa também o chicote da dor, por­que Ele sabe que um dia a abençoaremos, quando, por este caminho, nos tivermos tornado bem-aventu­rados.


  1. O Evangelho aplicado ao sistema (aos evoluídos)

O Evangelho aplicado A Terra (aos involuídos)
1) Bem-aventurados os humildes de espírito, porque deles é o reino dos céus.

1) Bem-aventurados os soberbos, porque eles terão de sofrer tantas humilhações até aprender a lição de humildade e assim, deles será o reino dos céus.

2) Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra.

2) Bem-aventurados os prepotentes, os ferozes, os guerreiros, porque tanto serão esmagados pela prepotência, ferocidade e agressão dos outros que se tornarão mansos e, então, herdarão a terra.

3) Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão fartos.

3) Bem-aventurados os que sustentam e praticam a injustiça, porque tanta injustiça terão de receber que compreenderão quão duro é ter de estar submetidos a ela e, então, por terem aprendido sua custa a ambicionar a justiça, desta serão fartos.

4) Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia.

4) Bem-aventurados os desapiedados, porque não encontrarão misericórdia e, por demais a invocarem para si sem recebê-la, compreenderão a necessidade da bondade e do perdão, alcançando, então, misericórdia.

5) Bem-aventurados os limpos de coração, porque verão a Deus.

5) Bem-aventurados os que não são limpos de coração, porque ficarão tão submersos na ignorância e na maldade, com os conseqüentes erros e dores, que purificarão seu entendimento, e assim compreenderão a Lei e verão a Deus.

6) Bem-aventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus.

6) Bem-aventurados os que gostam de brigas e de disputas, porque pelo fato de não conseguirem encontrar paz, almejá-la-ão e procurá-la-ão em toda a parte, até que se tornarão pacificadores, e então serão chamados filhos de Deus.

7) Bem-aventurados os que têm sido perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus.

7) Bem-aventurados os que perseguem com injustiça os justos, porque tanto serão perseguidos pela sua própria injustiça, que aprenderão a ser justos, e então deles será o reino dos céus.

8) Bem-aventurados os que choram porque serão consolados.

8) Bem-aventurados os que gozam demais, só pensando em si e para além dos limites razoáveis, porque terão de sofrer necessidade e abandono, até aprender a regra da justa medida e do amor ao próximo e, então, serão consolados.

Alegrai-vos e exultai, porque é grande o vosso galardão nos céus.

Alegrai-vos e exultai, todos vós que quereis rebelar-vos contra a Lei, porque grande é o sofrimento que vos espera e assim tereis de aprender a lição da obediência, pela qual ganhareis um grande galardão nos céus.



A grande maravilha da Lei é que ela responde a cada um conforme sua natureza. Ela responde aos nossos movimentos com a mesma exatidão com que um espelho reflete nossa imagem. Se nossa imagem no espelho é feia, a culpa não é do espelho, mas de nós que somos feios. Se formos bonitos, a imagem será bonita. Da mesma forma, o tratamento que re­cebemos da Lei depende do que somos e fazemos Se somos bons e obedientes, ela responderá com bon­dade. Mas, se somos maus e rebeldes, ela nos ensi­nará o que temos de aprender, com o azorrague da dor. Cada um pode escolher seu método. Dentro da Lei, porém, todos ternos de viver. O que dela recebere­mos, em troca das nossas ações, depende da posição em que nos situamos diante da própria Lei.

O Evangelho é pregação para os homens de boa vontade, dispostos a se tornarem anjos. Já vimos qual o papel que o Evangelho tem de representar quando não queremos tornar-nos anjos, mas perma­necer demônios. Cada um, olhando para dentro de si, pode saber a qual dos dois grupos pertence e, por conseguinte, o tratamento que receberá por parte da Lei. Por isso, os bons, se e verdade que podem ser esmagados pelo mundo, nada têm a temer de Deus; ao passo que os maus, se podem por um momento vencer no mundo, muito têm a temer por parte da justiça de Deus, que os constrangerá a pagar até o último ceitil. É muito mais seguro e vantajoso ficar do lado de Deus do que do lado do mundo. Que valem e podem os recursos do mundo em comparação com os de Deus? Que po­derá e quererá fazer o mundo para nos defender, quando a ele nos escravizamos? E que poderá e que­rerá fazer Deus para nos defender, quando Lhe per­tencemos?

Eis que vemos brilhar, no fundo do grande qua­dro da Lei que estamos descrevendo, a resplandecente apoteose final dos bons, não importa se des­prezados e condenados pelos poderosos do mundo, apoteose em que se realizarão as palavras de Cristo — "as forças do mal não prevalecerão".

Por quanto tempo continuará o homem sem com­preender tudo isso? Quantos erros terá ainda de cometer e quantas dores terá de sofrer, antes de abrir os olhos para ver á substância da vida? O homem continuará a rebelar-se contra a Lei, a fechar-se no seu egoísmo, a conceber a vida só individualmente, enquanto a Lei arrasta o mundo para a fase orgâni­ca, em que os elementos das grandes coletividades colaboram fraternalmente. Quantas lutas serão ainda necessárias para se chegar à compreensão recí­proca e assim coordenar os esforços de todos para comuns finalidades de bem? Quantas experiências dolorosas serão ainda necessárias para se aprender a não provocar as reações da Lei? Estamos acostu­mados às leis humanas que, por serem feitas muitas vezes pela classe dirigente para seu próprio interes­se, parecem estar cumprindo a tarefa de nos ensinar, antes de tudo, a arte de nos evadirmos delas. Isso porque há luta entre quem manda e quem tem de obedecer. Mas, bem diferente é o caso da Lei de Deus. Esta não é feita para o interesse d'Ele, mas para o nosso. Então, procurar evadir-nos dessa Lei não é realizar nosso bem, indo contra quem manda, mas é abdicar de nossa vantagem e não obter senão nosso prejuízo. Isso porque o domínio da Lei não se baseia na imposição de quem manda contra quem tem de obedecer, mas na justiça, no amor e na livre obediência de quem compreendeu. Quanto tempo continuará o homem rebelando-se contra a ordem da Lei e fugindo, assim, da sua própria felicidade?

As forças da vida são movimentadas pela Lei, de maneira que a compreensão terá de chegar. Houve tempo em que o homem acreditou com certeza abso­luta na imobilidade da Terra e na imutabilidade da matéria. Mas, agora entende que a imobilidade e a imutabilidade aparentes são um estado de velocida­de constante, que nos parece sem movimento, porque nós só percebemos o movimento quando há mu­dança de velocidade, o que se chama de acelera­ção. Da tremenda corrida que, juntos com o nosso planeta, estamos realizando, ou que se verifica no interior do átomo, não percebemos coisa alguma.

Da mesma forma, o homem acredita que está vi­vendo no caos, julgando que somente sua vontade tem valor, e a ele cabe impor a ordem, a ordem dele. Isto o faz rebelde, num universo regido pela ordem da Lei, revolta que o conduz ao sofrimento, em virtu­de do choque contínuo com Ela. O homem fica ape­gado às pequenas coisas do seu mundo, acredita com absoluta certeza na verdade das ilusões deste, porque isto é a que percebe, e não vê que está viven­do no seio de uma ordem e de uma harmonia ma­ravilhosas.

Cego para tudo isso, cego para o imenso traba­lho que todos os seres e tudo o que existe estão cum­prindo para regressar a Deus na ascese da evolução, o homem, que trabalhosamente procura estabelecer alguma. Ele corre atrás das glórias humanas e não toma conhecimento da sua glória maior, - a de ser criatura filha de Deus. Procura as riquezas do mun­do e se esquece das infindas riquezas ao alcance de suas mãos, e que Deus lhe entregará tão logo ele aprenda a usá-las bem. Ele vai procurando desesperadamente a felicidade e não sabe que justamente para ela foi criado.

Como pode o verme que fatigosamente se arras­ta no chão compreender que nos espaços a velocida­de é gratuita, e que corpos imensos a possuem sem limites e sem esforço? Da mesma maneira, como pode o homem que trabalhosamente procura estabelecer uma ordem no seu planeta, campo de lutas desencadeadas, compreender que o universo é um imenso organismo de ordem e regido pela inteligência de Deus?
Quando o homem, vítima do seu atraso, resolve­rá avançar para a conquista de novos continentes do espírito que o esperam? Quando conseguirá ele, pre­so na sua forma mental, quebrar as paredes dessa sua prisão? Quando quererá resolver de uma vez para sempre todos os seus problemas, evoluindo? Tudo depende de nossa boa vontade e de nosso esforço.


1 Evangelho de Mateus, caps. 5, 6, 7 (Sermão da Montanha) (N. da E.).