segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

A IMPORTÃNCIA DO PERDÃO INCONDICIONAL - Colhem-se uvas nos espinheiros ?

 

Devido aos diversos graus de desenvolvimento espiritual dos habitantes do planeta, encontramos irmãos que ainda não conseguem entender o mecanismo do perdão.

É importante, para que a compreensão se estenda a todos, que não seja feita distinção da condição de encarnado ou desencarnado, de vez que devido a cada um de nós constituir uma INDIVIDUALIDADE que transita nos dois mundos vestindo diversas personalidades.

À cada existência, uma personalidade, porém mantendo, na sua intimidade, as aquisições da INDIVIDUALIDADE.  É assim, dá-se a evolução, sendo necessárias muitas existências para que seja atingido um nível que vai possibilitando a transitar em planos conscienciais mais elevados, ainda que encarnada esteja a dita individualidade.

Uma ferramenta imprescindível a alcançar a vitória é o entendimento, assimilação e aplicação do PERDÃO INCONDICIONAL DAS OFENSAS. Não é uma tarefa fácil, mas felizmente, temos ao nosso lado as forças do bem, prontas a nos servir, porém, para que entendamos definitivamente como elas podem ser nossas aliadas, necessário se torna que tenhamos a mente limpa e preparada para assimilar os ensinamentos do mestre Jesus, perdoando sempre, sem limitações, e, também, mantendo sempre viva em nossa mente, a máxima de que NÃO SOMOS DAQUI, ESTAMOS DE PASSAGEM, EM PROVAS OU EXPIANDO de  nossas falhas acumuladas na ficha consciencial, como nos mostra o exemplo do capítulo 31 do livro NOSSO LAR, nada fica escondido

No livro Nosso Lar, no capítulo 31,  tem a passagem onde podemos aproveitar lição preciosa da JUSTIÇA DIVINA, que é ampla, o perdão é concedido, mas há condições que devem ser preenchidas.  Vou postar todo o texto para melhor compreensão: 

 
31
VAMPIRO
Eram vinte e uma horas. Ainda não havíamos descansado, senão em
momentos de palestra rápida, necessária à solução de problemas
espirituais. Aqui, um doente pedia alívio; ali, outro necessitava passes de
reconforto. Quando fomos atender a dois enfermos, no Pavilhão 11, escutei
gritaria próxima. Fiz instintivo movimento de aproximação, mas Narcisa
deteve-me, atenciosa:
 

- Não prossiga - disse -; localizam-se ali os desequilibrados do sexo. O
quadro seria extremamente doloroso para seus olhos. Guarde essa emoção
para mais tarde.
Não insisti. Entretanto, fervilhavam-me no cérebro mil interrogações.
Abrira-se um mundo novo à minha pesquisa intelectual. Era indispensável
recordar o conselho da genitora de Lísias, a cada momento, para não me
desviar da obrigação justa.
Logo após às vinte e uma horas, chegou alguém dos fundos do
enorme parque. Era um homenzinho de semblante singular, evidenciando a
condição de trabalhador humilde. Narcisa recebeu-o com gentileza, perguntando:
- Que há, Justino? Qual é a sua mensagem?
O operário, que integrava o corpo de sentinelas das Câmaras de
Retificação, respondeu, aflito:
- Venho participar que uma infeliz mulher está pedindo socorro, no
grande portão que dá para os campos de cultura. Creio tenha passado
despercebida aos vigilantes das primeiras linhas.
- E por que não a atendeu? - interrogou a enfermeira.
O servidor fez um gesto de escrúpulo e explicou:
- Segundo as ordens que nos regem, não pude fazê-lo, porque a
pobrezinha está rodeada de pontos negros.
- Que me diz? - revidou Narcisa, assustada.
- Sim, senhora.
- Então, o caso é muito grave.
Curioso, segui a enfermeira, através do campo enluarado. A distância
não era pequena. Lado a lado, via-se o arvoredo tranqüilo do parque muito
extenso, agitado pelo vento caricioso. Havíamos percorrido mais de um
quilômetro, quando atingimos a grande cancela a que se referira o
trabalhador.
Deparou-se-nos, então, a miserável figura da mulher que implorava
socorro do outro lado. Nada vi, senão o vulto da infeliz, coberta de andrajos,
rosto horrendo e pernas em chaga viva; mas Narcisa parecia divisar outros
detalhes, imperceptíveis ao meu olhar, dado o assombro que estampou na
fisionomia, ordinariamente calma.
- Filhos de Deus - bradou a mendiga ao avistar-nos -, dai-me abrigo à
alma cansada! Onde está o paraíso dos eleitos, para que eu possa fruir a paz desejada.
Aquela voz lamuriosa sensibilizava-me o coração. Narcisa, por sua
vez, mostrava-se comovida, mas falou em tom confidencial:
- Não está vendo os pontos negros?
- Não - respondi.
- Sua visão espiritual ainda não está suficientemente educada.
E, depois de ligeira pausa, continuou:
- Se estivesse em minhas mãos, abriria imediatamente a nossa porta;
mas, quando se trata de criaturas nestas condições, nada posso resolver
por mim mesma. Preciso recorrer ao Vigilante-Chefe, em serviço.
Assim dizendo, aproximou-se da infeliz e informou, em tom fraterno:
- Faça o obséquio de esperar alguns minutos.
Voltamos apressadamente ao interior. Pela primeira vez, entrei em
contacto com o diretor das sentinelas das Câmaras de Retificação. Narcisa
apresentou-me e notificou-lhe a ocorrência. Ele esboçou um gesto
significativo e ajuntou:
- Fez muito bem, comunicando-me o fato. Vamos até lá.
Dirigimo-nos os três para o local indicado.
Chegados à cancela, o Irmão Paulo, orientador dos vigilantes,
examinou atentamente a recém-chegada do Umbral, e disse:
- Está mulher, por enquanto, não pode receber nosso socorro. Tratase
de um dos mais fortes vampiros que tenho visto até hoje. É preciso
entregá-la à própria sorte

Senti-me escandalizado. Não seria faltar aos deveres cristãos
abandonar aquela sofredora ao azar do caminho? Narcisa, que me pareceu
compartilhar da mesma impressão, adiantou-se suplicante:
- Mas, Irmão Paulo, não há um meio de acolhermos essa miserável
criatura nas Câmaras?
- Permitir essa providência - esclareceu ele -, seria trair minha função
de vigilante.
E indicando a mendiga que esperava a decisão, a gritar impaciente,
exclamou para a enfermeira:
- Já notou, Narcisa, alguma coisa além dos pontos negros?
Agora, era minha instrutora de serviço que respondia negativamente.
- Pois vejo mais - respondeu o Vigilante-Chefe.
Baixando o tom de voz, recomendou:
- Conte as manchas pretas.
Narcisa fixou o olhar na infeliz e respondeu, após alguns instantes:
- Cinqüenta e oito.
O Irmão Paulo, com a paciência dos que sabem esclarecer com amor,
explicou:
- Esses pontos escuros representam cinqüenta e oito crianças
assassinadas ao nascerem. Em cada mancha vejo a imagem mental de uma
criancinha aniquilada, umas por golpes esmagadores, outras por asfixia.
Essa desventurada criatura foi profissional de ginecologia. A pretexto de
aliviar consciências alheias, entregava-se a crimes nefandos, explorando a
infelicidade de jovens inexperientes. A situação dela é pior que a dos
suicidas e homicidas, que, por vezes, apresentam atenuantes de vulto.

Recordei, assombrado, os processos da medicina, em que muitas
vezes enxergara, de perto, a necessidade da eliminação de nascituros para
salvar o organismo materno, nas ocasiões perigosas; mas, lendo-me o
pensamento, o Irmão Paulo acrescentou:
- Não falo aqui de providências legítimas, que constituem aspectos
das provações redentoras, refiro-me ao crime de assassinar os que
começam a trajetória na experiência terrestre, com o direito sublime da vida.
Demonstrando a sensibilidade das almas nobres, Narcisa rogou:
- Irmão Paulo, também eu já errei muito no passado. Atendamos a esta
desventurada. Se me permite, eu lhe dispensarei cuidados especiais.
- Reconheço, minha amiga - respondeu o diretor da vigilância,
impressionando pela sinceridade -, que todos somos espíritos endividados;
entretanto, temos a nosso favor o reconhecimento das próprias fraquezas e
a boa-vontade de resgatar nossos débitos; mas esta criatura, por agora,
nada deseja senão perturbar quem trabalha. Os que trazem os sentimentos
calejados na hipocrisia emitem forças destrutivas. Para que nos serve aqui
um serviço de vigilância?
E, sorrindo expressivamente, exclamou:
- Busquemos a prova.
O Vigilante-Chefe aproximou-se, então, da pedinte e perguntou:
- Que deseja a irmã, do nosso concurso fraterno?
- Socorro! socorro! socorro!... - respondeu lacrimosa.
- Mas, minha amiga - ponderou acertadamente -, é preciso sabermos
aceitar o sofrimento retificador. Por que razão tantas vezes cortou
a vida a entezinhos frágeis, que iam à luta com a permissão de Deus?
Ouvindo-o, inquieta, ela exibiu terrível carantonha de ódio e bradou:
- Quem me atribui essa infâmia? Minha consciência está tranqüila,
canalha!... Empreguei a existência auxiliando a maternidade na Terra. Fui
caridosa e crente, boa e pura...
- Não é isso que se observa na fotografia viva dos seus pensamentos
e atos. Creio que a irmã ainda não recebeu, nem mesmo o benefício do
remorso. Quando abrir sua alma às bênçãos de Deus, reconhecendo as
necessidades próprias, então, volte até aqui.
Irada, respondeu a interlocutora:
- Demônio! Feiticeiro! Sequaz de Satã!... Não voltarei jamais!... Estou
esperando o céu que me prometeram e que espero encontrar.
Assumindo atitude ainda mais firme, falou o Vigilante-Chefe com
autoridade:
- Faça, então, o favor de retirar-se. Não temos aqui o céu que deseja.
Estamos numa casa de trabalho, onde os doentes reconhecem o seu mal e
tentam curar-se, junto de servidores de boa-vontade.
A mendiga objetou atrevidamente:
- Não lhe pedi remédio, nem serviço. Estou procurando o paraíso que
fiz por merecer, praticando boas obras.
E, endereçando-nos dardejante olhar de extrema cólera, perdeu o
aspecto de enferma ambulante, retirando-se a passo firme, como quem
permanece absolutamente senhor de si
Acompanhou-a o Irmão Paulo com o olhar, durante longos minutos, e,
voltando-se para nós, acrescentou:

- Observaram o Vampiro? Exibe a condição de criminosa e declara-se
inocente; é profundamente má e afirma-se boa e pura; sofre
desesperadamente e alega tranqüilidade; criou um inferno para si própria e
assevera que está procurando o céu.
Ante o silêncio com que lhe ouvíamos a lição, o Vigilante-Chefe
rematou:
- É imprescindível tomar cuidado com as boas ou más aparências.
Naturalmente, a infeliz será atendida alhures pela Bondade Divina, mas, por
princípio de caridade legítima, na posição em que me encontro, não lhe
poderia abrir nossas portas.


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                                         O PERDÃO
                      Irmão X - Humberto de Campos

As primeiras peregrinações do Cristo e de seus discípulos, em torno do lago, haviam
alcançado inolvidáveis triunfos. Eram doentes atribulados que agradeciam o alívio buscado
ansiosamente; trabalhadores humildes que se enchiam de santas consolações ante as
promessas divinas da Boa Nova.

Aquelas atividades, entretanto, começaram a despertar a reação dos judeus
rigoristas, que viam em Jesus um perigoso revolucionário. O amor que o profeta nazareno
pregava vinha quebrar antigos princípios da lei judaica. Os senhores da terra observavam
cuidadosamente as palestras dos escravos, que permutavam imenso júbilo, proveniente das esperanças num novo reino que não chegavam a compreender. Os mais egoístas pretendiam ver no profeta generoso um conspirador vulgar, que desejava levantar as iras populares contra a dominação de Herodes; outros presumiam na sua figura um feiticeiro incomum, que era preciso evitar.

Foi assim que a viagem do Mestre a Nazaré redundou numa excursão de grandes
dificuldades, provocando de sua parte as observações quase amargas que se encontram no
Evangelho, com respeito ao berço daqueles que o deveriam guardar no santuário do coração.
Não foram poucos os adversários de suas idéias renovadoras que o precederam na cidade
minúscula, buscando neutralizar-lhe a ação por meio de falsas notícias e desmoralizá-lo,
argumentando com informações mal alinhavadas de alguns nazarenos.
Jesus sentiu de perto a delicadeza a situação que se lhe criara com a primeira
investida dos inimigos gratuitos de sua doutrina; mas, aproveitou todas as oportunidades para as melhores ilações na esfera do ensinamento.
 

No entanto, o mesmo não aconteceu a seus discípulos. Filipe e Simão Pedro
chegaram a questionar seriamente com alguns senhores da região, trocando palavras ásperas, em torno das edificações do Messias. As gargalhadas irônicas, as apreciações menos dignas lhes acendiam no ânimo propósitos impulsivos de defesas apaixonadas. Não faltavam os que viam no Senhor um servo ativo do espírito do mal, um inimigo de Moisés, um assecla de príncipes desconhecidos, ou de traidores ao poder político de Antipas. Tamanhas foram as discussões em Nazaré, que os seus reflexos nocivos se faziam sentir fortemente sobre toda a comunidade dos discípulos. Pedro e André advogavam a causa o Mestre com expressões incisivas e sinceras. Tiago aborrecia-se com a análise dos companheiros. Levi protestava, expressando o desejo de instituir debates públicos, de maneira a evidenciar-se a superioridade dos ensinos do Messias, em confronto com os velhos textos.
Jesus compreendeu os acontecimentos e, calmamente, ordenou a retirada, afastando-se
da cidade com tranqüilo sorriso.
Não obstante a determinação e apesar do regresso a Cafarnaum, a maioria dos
apóstolos prosseguiu em discussão, estranhando que o Mestre nada fizesse, reagindo contra as envenenadas insinuações a seu respeito.
***
Daí a alguns dias, obedecendo às circunstâncias ocorrentes naquela situação, Pedro e
Filipe procuraram avistar-se com o Senhor, ansiosos pela claridade dos seus ensinos.
– Mestre, chamaram-vos servo de Satanás e reagimos prontamente! dizia Pedro,
com sinceridade ingênua.
– Observávamos que por vós mesmo nunca oporíeis a contradita – ajuntava Filipe,
convicto de haver prestado excelente serviço ao Mestre bem-amado – e por isso revidamos
aos ataques com a maior força de nossas expressões.

Não obstante o calor daquelas afirmativas, Jesus meditava com uma doce placidez
no olhar profundo, enquanto os interlocutores o contemplavam, ansiando pela sua palavra de franqueza e de amor.
Afinal, saindo de suas reflexões silenciosas, o Mestre interrogou:

– Acaso poderemos colher uvas nos espinheiros? De modo algum me empenharia
em Nazaré numa contradita estéril aos meus opositores. Contudo, procurei ensinar que a
melhor réplica é sempre a do nosso próprio trabalho, do esforço útil que nos seja possível.
Nesse particular, não deixei de operar na minha esfera de ação, de modo a produzir resultados a nossa excursão à cidade vizinha, tornando-a proveitosa, sem desdenhar as palavras construtivas no instante oportuno. De que serviriam as longas discussões públicas, inçadas de doestos e zombarias? Ao termo de todas elas, teríamos apenas menores probabilidades para o triunfo glorioso do amor e maiores motivos para a separatividade e odiosas dissensões. Só devemos dizer aquilo que o coração pode testificar mediante atos sinceros, porque, de outra forma, as afirmações são simples ruído sonoro de uma caixa vazia.

– Mestre – atalhou Filipe, quase com mágoa –, a verdade é que a maioria de quantos
compareceram às pregações de Nazaré falava mal de vós!

– Mas, não será vaidade exigirmos que toda gente faça de nossa personalidade
elevado conceito? – interrogou Jesus com energia e serenidade.

– Nas ilusões que as criaturas da Terra inventaram para a sua própria vida, nem
sempre constitui bom atestado da nossa conduta o falarem todos bem de nós, indistintamente.
Agradar a todos é marchar pelo caminho largo, onde estão as mentiras da convenção. Servir a Deus é tarefa que deve estar acima de tudo e, por vezes, nesse serviço divino, é natural que desagrademos aos mesquinhos interesses humanos. Filipe, sabes de algum emissário de Deus que fosse bem apreciado no seu tempo? Todos os portadores da verdade do céu são incompreendidos de seus contemporâneos. Portanto, é indispensável consideremos que o conceito justo é respeitável, mas, antes dele, necessitamos obter a aprovação legítima da consciência, dentro de nossa lealdade para com Deus.

– Mestre – obtemperou Simão Pedro, a quem as explicações da hora calavam
profundamente –, nos acontecimentos mais fortes da vida, não deveremos, então, utilizar as palavras enérgicas e justas?
 

– Em toda circunstância, convém naturalmente que se diga o necessário, porém, é
também imprescindível que não se perca tempo.
Deixando transparecer que as elucidações não lhe satisfaziam plenamente, perguntou
Filipe:

– Senhor, vossos esclarecimentos são indiscutíveis; entretanto, preciso acrescentar
que alguns dos companheiros se revelaram insuportáveis nessa viagem a Nazaré: uns me
acusaram de brigão e desordeiro; outros, de mau entendedor de vossos ensinamentos. Se os próprios irmãos da comunidade apresentam essas falhas, como há de ser o futuro do
Evangelho?

O Mestre refletiu um momento e retrucou:

– Estas são perguntas que cada discípulo deve fazer a si mesmo. Mas, com respeito à
comunidade, Filipe, pelo que me compete esclarecer, cumpre-me perguntar-te se já edificaste o reino de Deus no íntimo do teu espírito.

– É verdade que ainda não – respondeu, hesitante, o apóstolo.

– De dentro dessa realidade, podes observar que, se o nosso colégio fosse
constituído de irmãos perfeitos, teria deixado de ser irrepreensível pela adesão de um amigo que ainda não houvesse conquistado a divina edificação.

Ambos os discípulos compreenderam e se puseram a meditar, enquanto o Cristo
continuava:

– O que é indispensável é nunca perdermos de vista o nosso próprio trabalho,
sabendo perdoar com verdadeira espontaneidade de coração. Se nos labores da vida um
companheiro nos parece insuportável, é possível que também algumas vezes sejamos
considerados assim. Temos que perdoar aos adversários, trabalhar pelo bem dos nossos
inimigos, auxiliar os que zombam da nossa fé.
 

Nesse ponto de suas afirmativas, Pedro atalhou-o, dizendo:

Mas, para perdoar não deveremos aguardar que o inimigo se arrependa? E que
fazer, na hipótese de o malfeitor assumir a atitude dos lobos sob a pele da ovelha?

– Pedro, o perdão não exclui a necessidade da vigilância, como o amor não
prescinde da verdade. A paz é um patrimônio que cada coração está obrigado a defender, para bem trabalhar no serviço divino que lhe foi confiado. Se o nosso irmão se arrepende e procura o nosso auxílio fraterno, amparemo-lo com as energias que possamos despender; mas, em nenhuma circunstância cogites de saber se o teu irmão está arrependido. Esquece o mal e trabalha pelo bem. Quando ensinei que cada homem deve conciliar-se depressa com o adversário, busquei salientar que ninguém pode ir a Deus com um sentimento de odiosidade no coração. Não poderemos saber se o nosso adversário está disposto à conciliação; todavia, podemos garantir que nada se fará sem a nossa boa vontade e pleno esquecimento dos males recebidos. Se o irmão infeliz se arrepender, estejamos sempre dispostos a ampará-lo e, a todo momento, precisamos e devemos olvidar o mal.
Foi quando, então, fez Simão Pedro a sua célebre pergunta:

– “Senhor, quantas vezes pecará meu irmão contra mim, que lhe hei de perdoar?
Será até sete vezes?”
Jesus respondeu-lhe, calmamente:

– Não te digo que até sete vezes, mas até setenta vezes sete.
***

Daí por diante, o Mestre sempre aproveitou as menores oportunidades para ensinar a
necessidade do perdão recíproco, entre os homens, na obra sublime da redenção.
Acusado de feiticeiro, de servo de Satanás, de conspirador, Jesus demonstrou, em
todas as ocasiões, o máximo de boa vontade para com os espíritos mais rasteiros de seu
tempo. Sem desprezar a boa palavra, no instante oportuno, trabalhou a todas as horas pela
vitória do amor, com o mais alto idealismo construtivo. E no dia inesquecível do Calvário, em frente dos seus perseguidores e verdugos, revelando aos homens ser indispensável a imediata conciliação entre o espírito e a harmonia da vida, foram estas as suas últimas palavras:
– “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem!...”

Do livro “Boa Nova”. Psicografia de Francisco Cândido Xavier.

COMUNHÃO COM DEUS - PRECE

Caros irmãos, trago este valioso e oportuno ensinamento.

 

COMUNHÃO COM DEUS
Irmão X - Humberto de Campos
As elucidações do Mestre, relativamente à oração, sempre encontravam nos
discípulos certa perplexidade, quase que invariavelmente em virtude das idéias novas que
continham, acerca da concepção de Deus como Pai carinhoso e amigo. Aquela necessidade de comunhão com o seu amor, que Jesus não se cansava de salientar, lhes aparecia como
problema obscuro, que o homem do mundo não conseguiria realizar.
A esse tempo, os essênios constituíam um agrupamento de estudiosos das ciências
da alma, caracterizando as suas atividades de modo diferente, porque sem públicas
manifestações de seus princípios. Desejoso de satisfazer à curiosidade própria, João procurou conhecer-lhes, de perto, os pontos de vista, em matéria das relações da comunidade com Deus e, certo dia, procurou o Senhor, de modo a ouvi-lo mais amplamente sobre as dúvidas que lhe atormentavam o coração:
 

- Mestre - disse ele, solícito -, tenho desejado sinceramente compreender os meus
deveres atinentes à oração, mas sinto que minh’alma está tomada de certas hesitações. Anseio por esta comunhão perene com o Pai; todavia, as idéias mais antagônicas se opõem aos meus desejos. Ainda agora, manifestando meu pensamento, acerca de minhas necessidades espirituais, a um amigo que se instrui com os essênios, asseverou-me ele que necessito compreender que toda edificação espiritual se deve processar num plano oculto. Mas, suas observações me confundiram ainda mais. Como poderei entender isso? Devo, então, ocultar o que haja de mais santo em meu coração?
 

O Messias, arrancado de suas meditações, respondeu com brandura:
 

- João, todas as dúvidas que te assaltam se verificam pelo motivo de não haveres
compreendido, até agora, que cada criatura tem um santuário no próprio espírito, onde a
sabedoria e o amor de Deus se manifestam, através das vozes da consciência. Os essênios
levam muito longe a teoria do labor oculto, pois, antes de tudo, precisamos considerar que a verdade e o bem devem ser patrimônio de toda a Humanidade em comum. No entanto, o que é indispensável é saber dar a cada criatura, de acordo com as suas necessidades próprias. Nesse ponto, estão muito certos quanto ao zelo que os caracteriza, porque os ungüentos reservados a um ferido não se ofertam ao faminto que precisa de pão. Também eu tenho afirmado que não poderei ensinar tudo o que desejara aos meus discípulos, sendo compelido a reservar outras lições do Evangelho do Reino para o futuro, quando a magnanimidade divina permitir que a voz do Consolador se faça ouvir entre os homens sequiosos de conhecimento. Não tens observado o número de vezes em que necessito recorrer a parábolas para que a revelação não ofusque o entendimento geral? No que se refere à comunhão de nossas almas com Deus, não me esqueci de recomendar que cada espírito ore no segredo do seu íntimo, no silêncio de suas esperanças e aspirações mais sagradas. É que cada criatura deve estabelecer o seu próprio caminho para mais alto, erguendo em si mesma o santuário divino da fé e da confiança, onde interprete sempre a vontade de Deus, com respeito ao seu destino. A comunhão da criatura com o Criador é, portanto, um imperativo da existência e a prece é o luminoso caminho entre
o coração humano e o Pai de infinita bondade.

O apóstolo escutou as observações do Mestre, parecendo meditar austeramente.
Entretanto, obtemperou:
 

- Mas, a oração deve ser louvor ou súplica?

Ao que Jesus respondeu com bondade:
 

- Por prece devemos interpretar todo ato de relação entre o homem e Deus. Devido a
isso mesmo, como expressão de agradecimento ou de rogativa, a oração é sempre um esforço da criatura em face da Providência Divina. Os que apenas suplicam podem ser ignorantes, os que louvam podem ser somente preguiçosos. Todo aquele, porém, que trabalha pelo bem, com as suas mãos e com o seu pensamento, esse é o filho que aprendeu a orar, na exaltação ou na rogativa, porque em todas as circunstâncias será fiel a Deus, consciente de que a vontade do Pai é mais justa e sábia do que a sua própria.

 

- E como ser leal a Deus, na oração? - interrogou o apóstolo, evidenciando as suas
dificuldades intelectuais. - A prece já não representa em si mesma um sinal de confiança?
Jesus contemplou-o com a sua serenidade imperturbável e retrucou:
 

- Será que também tu não entendes? Não obstante a confiança expressa na oração e a
fé tributada à providência superior, é preciso colocar acima delas a certeza de que os desígnios celestiais são mais sábios e misericordiosos do que o capricho próprio; é necessário que cada um se una ao Pai, comungando com a sua vontade generosa e justa, ainda que seja contrariado em determinadas ocasiões. Em suma, é imprescindível que sejamos de Deus. Quanto às lições dessa fidelidade, observemos a própria natureza, em suas manifestações mais simples. Dentro dela, agem as leis de Deus e devemos reconhecer que todas essas leis correspondem à sua amorosa sabedoria, constituindo-se suas servas fiéis, no trabalho universal. Já ouviste falar, alguma vez, que o Sol se afastou do céu, cansado da paisagem escura da Terra, alegando a necessidade de repousar? A pretexto de indispensável repouso, teriam as águas privado o globo de seus benefícios, em certos anos? Por desagradável que seja em suas características, a tempestade jamais deixou de limpar as atmosferas. Apesar das lamentações dos que não suportam a umidade, a chuva não deixa de fecundar a terra! João, é preciso aprender com as leis da natureza a fidelidade a Deus! Quem as acompanha, no mundo, planta e colhe com abundância. Observar a lealdade para com o Pai é semear e atingir as mais formosas searas da alma no infinito. Vê, pois, que todo o problema da oração está em edificarmos o reino do céu entre os sentimentos de nosso íntimo, compreendendo que os atributos divinos se encontram
também em nós.
O apóstolo guardou aqueles esclarecimentos, cheio de boa vontade no sentido de
alcançar a sua perfeita compreensão.
 

- Mestre - confessou, respeitoso -, vossas elucidações abrem uma estrada nova para
minh’alma; contudo, eu vos peço, com a sinceridade da minha afeição, me ensineis, na
primeira oportunidade, como deverei entender que Deus está igualmente em nós.
 

O Messias fixou nele o olhar translúcido e, deixando perceber que não poderia ser
mais explícito com o recurso das palavras, disse apenas:
 

- Eu to prometo.
 

A conversação que vimos de narrar verificara-se nas cercanias de Jerusalém, numa
das ausências eventuais do Mestre do círculo bem-amado de sua família espiritual em
Cafarnaum.
 

No dia seguinte, Jesus e João demandaram Jericó, a fim de atender ao programa de
viagem organizado pelo primeiro.
 

Na excursão a pé, ambos se entretinham em admirar as poucas belezas do caminho,
escassamente favorecido pela Natureza. A paisagem era árida e as árvores existentes
apresentavam as frondes recurvadas, entremostrando a pobreza da região, que não lhes
incentivava o desenvolvimento.

Não longe de uma pequena herdade, o Mestre e o apóstolo encontraram um rude
lavrador, cavando grande poço à beira do caminho. Bagas de suor lhe desciam da fronte; mas, seus braços fortes iam e vinham à terra, na ânsia de procurar o líquido precioso.
 

Ante aquele quadro, Jesus estacionou com o discípulo, a pretexto de breve descanso,
e, revelando o interesse que aquele esforço lhe despertava, perguntou ao trabalhador:
 

- Amigo, que fazes?
 

- Busco a água que nos falta - redargüiu com um sorriso o interpelado.
- A chuva é assim tão escassa nestas paragens? - tornou Jesus, evidenciando afetuoso
cuidado.
- Sim, nas proximidades de Jericó, ultimamente, a chuva se vem tornando uma
verdadeira graça de Deus.
 

O homem do campo prosseguiu no seu trabalho exaustivo; mas, apontando para ele,
o Messias disse a João, em tom amigo:
Este quadro da Natureza é bastante singelo; porém, é na simplicidade que
encontramos os símbolos mais puros. Observa, João, que este homem compreende que sem a chuva não haveria mananciais na Terra; mas, não pára em seu esforço, procurando o
reservatório que a Providência Divina armazenou no subsolo. A imagem é pálida; todavia,
chega para compreenderes como Deus reside também em nós. Dentro do símbolo, temos de entender a chuva como o favor de sua misericórdia, sem o qual nada possuiríamos. Esta
paisagem deserta de Jericó pode representar a alma humana, vazia de sentimentos
santificadores. Este trabalhador simboliza o cristão ativo, cavando junto dos caminhos áridos, muitas vezes com sacrifício, suor e lágrimas, para encontrar a luz divina em seu coração. E a água é o símbolo mais perfeito da essência de Deus, que tanto está nos céus como na Terra.
 

O discípulo guardou aquelas palavras, sabendo que realizara uma aquisição de
claridades imorredouras. Contemplou o grande poço, onde a água clara começava a surgir,
depois de imenso esforço do humilde trabalhador que a procurava desde muitos dias, e teve nítida compreensão do que constituía a necessária comunhão com Deus. 

Experimentando indefinível júbilo no coração, tomou das mãos do Messias e as osculou, com a alegria do seu espírito alvoroçado. Confortado, como alguém que vencera grande combate íntimo, João sentiu que finalmente compreendera."
 

CAPÍTULO 19  Do livro Boa Nova. Psicografia de Francisco Cândido Xavier.