A OFERTA DE PIETRO
UBALDI AO ESPIRITISMO, POR OCASIÃO DO VI CONGRESSO ESPÍRITA
PAN-AMERICANO DE 1963
(transcrito do site http://www.gilsonfreire.med.br/index.php/ubaldianos/carta-aberta-em-defesa-de-ubaldi)
(Uma Resposta à
Crítica de Herculano Pires)
Que seria da
humanidade sem a revelação dos homens de gênio, que aparecem de
tempos em tempos?
Allan Kardec (A
Gênese)
Não acredito,
sinceramente, que Pietro Ubaldi, sendo um espírito da envergadura
que é, necessite de que alguém levante a voz em sua defesa, em
qualquer circunstância que seja. Bem como estou perfeitamente ciente
de que minhas parcas possibilidades impedem de apresentar-me como um
seu defensor. Não tenho tamanha pretensão. No entanto, em
decorrência de trabalhos publicados, palestras e participações em
seminários e congressos brasileiros, muitos passaram a
caracterizar-me como um estudioso de Ubaldi, e com elevada frequência
questionam-me sobre os diversos temas desenvolvidos em sua extensa e
revolucionária obra. Não guardo cabedal de profundo conhecedor de
todo o portentoso trabalho do Missionário da Úmbria, mas
confesso-me um estudioso, aficionado e profundamente transformado
pelas suas estupendas revelações. Sendo ainda espírita de berço,
venho fazendo um enorme esforço para demonstrar, a quem se
interesse, que o Apóstolo da Nova Era apenas agrega valores à
Doutrina Espírita e nada destrói. E estou perfeitamente convencido
de que, muito pelo contrário, sua inspirada obra contribui
essencialmente para atualizar o Espiritismo e fundi-lo com perfeição
ao Evangelho de Jesus, tornando-o de fato o Cristianismo Redivivo.
Dentre todos os
pedidos de esclarecimentos que recebo, evidenciam-se os
questionamentos referidos à famosa Carta-resposta de Herculano
Pires, rebatendo a oferta que Ubaldi fizera aos espiritistas, por
ocasião do VI Congresso Espírita Pan-Americano, em 1963, em Buenos
Aires. Em decorrência disso, e devido ao enorme respeito que todos
guardamos por um dos mais ilustres e respeitados pensadores do
Espiritismo brasileiro, decidi publicar este pequeno e despretensioso
artigo sobre tão polêmico assunto, para que se preste ao
pesquisador espírita que se interesse pela delicada questão.
Eis na íntegra o
referido artigo[1]:
“A mensagem que
Pietro Ubaldi enviou ao VI Congresso Espírita Pan-Americano,
realizado neste mês em Buenos Aires [outubro de 1963], vem causando
estranheza nos meios doutrinários. Depois de discorrer sobre a
estagnação das religiões, o autor de A Grande Síntese chega às
seguintes conclusões:
1 - O Espiritismo
estacionou na teoria da reencarnação e na prática mediúnica;
2 - Não possuindo
‘um sistema conceptual completo’, não pode ele ser levado a
sério pela cultura atual;
3 - A filosofia
espírita é limitada, não oferece uma visão completa do Todo e
‘não abrange todos os momentos da lei de Deus’;
4 – O Espiritismo
não construiu uma ‘teologia espírito-científica, que explique o
que a católica não explica’;
5 - O Espiritismo
‘corre o perigo de ficar parado no nível Allan Kardec, como o
catolicismo ficou no nível São Tomás e o protestantismo no nível
Bíblia’.
Diante dessa
situação, propõe Ubaldi a adoção, pelo Espiritismo, dos livros
de sua autoria, abrangendo a ‘série italiana’ e a ‘série
brasileira’. E explica: ‘Trata-se de um produto realizado de uma
forma que permite que ele caiba dentro do Espiritismo, porque
atingido por inspiração’, que é por ele julgada a mais alta
forma de mediunidade, aquela consciente, controlada pela razão. E
logo mais afirma: ‘Só assim o Espiritismo poderá avançar
paralelo à ciência e exigir atenção de parte dos materialistas,
porque usa a forma mental e os métodos racionais dele. Só assim o
Espiritismo poderá sair do trilho dos costumeiros conceitos que se
repetem nas sessões mediúnicas e colocar-se no nível do mais
adiantado pensamento moderno, penetrando no terreno da filosofia e da
ciência e situando-se na sua altura’.
A redação e a
tradução dessa mensagem de Ubaldi, como se vê, por estes pequenos
trechos, estão muito abaixo do texto de suas obras mais inspiradas,
que pertencem à ‘série italiana’.
Por outro lado,
verifica-se que faltou a Ubaldi a percepção necessária para captar
o processo espírita em suas verdadeiras dimensões. O admirável
médium de A Grande Síntese revela absoluta falta de acuidade e de
compreensão da realidade espírita no mundo de hoje, onde o
Espiritismo vem cumprindo serenamente a sua finalidade. A sua crítica
ao Espiritismo, resumida nos cinco pontos acima, coincide com a dos
adeptos menos instruídos na doutrina, e pode ser respondida, ponto
por ponto, por qualquer adepto de inteligência e cultura medianas,
que conheça a Doutrina Espírita. Por outro lado, o oferecimento de
suas obras ao Espiritismo revela desconhecimento da natureza da nossa
doutrina e das exigências metodológicas para a aceitação da
proposta, que não cobre essas exigências. Ubaldi desenvolveu suas
faculdades mediúnicas à margem do Espiritismo. Seu primeiro livro,
A Grande Síntese, apresenta curioso paralelismo com o Espiritismo, o
que lhe valeu a simpatia e a amizade dos espíritas brasileiros. Na
Itália ou no Brasil, porém, Ubaldi recusou-se sempre a integrar-se
no movimento espírita, filiando-se na península à corrente da
Ultrafânia, do prof. Trespioli, que pretende haver superado a
concepção espírita. Em seu livro As Noures, Ubaldi nos oferece a
concepção ultrafânica da mediunidade, na qual enquadra o seu caso
pessoal. É uma pretensiosa concepção de mediunidade cósmica,
fugindo à naturalidade e simplicidade das comunicações espirituais
entre espíritos desencarnados e médiuns. As pretensões de Ubaldi o
transformaram, de simples médium em autor messiânico, agora
arvorado em reformador do Espiritismo.
Respondemos aos
itens da sua crítica da seguinte maneira:
1 - O Espiritismo é
uma doutrina evolucionista, como o provam as suas obras fundamentais
e o seu imenso desenvolvimento em apenas cem anos de existência;
2 - O sistema
conceptual espírita é completo e sua síntese está em O Livro dos
Espíritos;
3 - A filosofia
espírita não pode abranger o Todo e muito menos ‘todos os
momentos da lei de Deus’, porque isso não está ao alcance de
nenhuma elaboração mental, no plano relativo da vida terrena;
4 - A teologia
espírita é limitada às possibilidades atuais do conhecimento de
Deus, segundo ensina Allan Kardec, e essas possibilidades não
admitem ainda a criação na Terra de uma teologia científica, nem
dentro nem fora do Espiritismo;
5 - O ‘nível
Allan Kardec’ não é o do Espiritismo, mas sim o ‘nível
Espírito da Verdade’, de quem Kardec, segundo dizia, foi um
‘simples secretário’.
Encontrando-se,
pois, nesse plano de revelação constante e progressiva, que é o da
manifestação do Espírito da Verdade, segundo o próprio Kardec
adverte, o Espiritismo está livre dos perigos da estagnação
dogmática. Se, pelo contrário, adotasse as obras de Ubaldi para
completá-lo, o Espiritismo cairia imediatamente no dogmatismo. Para
cumprir sua missão, em todos os campos da atividade humana, o
Espiritismo tem de manter-se como Ciência do Espírito (que
investiga o elemento inteligente do Universo, paralelamente com a
Ciência da Matéria, que investiga o elemento material); como
Filosofia Livre, ‘sem os prejuízos do espírito de sistema’,
segundo a expressão feliz de Kardec; e como Religião em Espírito e
Verdade, de acordo com o anúncio do Cristo à Mulher Samaritana.
De nossa parte, não
obstante o respeito que votamos ao médium e sua obra, altamente
inspirada, não poderíamos dar-lhe outra resposta, além da que
apresentamos nestas linhas. Se Ubaldi tivesse lido ‘O Livro dos
Espíritos’ certamente jamais faria a proposta que fez. Mesmo
porque a sua obra, como a de Flamarion, a de Delanne, a de Denis, a
de Bozzano e tantas outras, longe de completar o Espiritismo, apenas
procuram desenvolver alguns dos grandes temas que o Espiritismo
levantou e sustenta no mundo moderno.”[2]
Essa missiva de
Herculano Pires tornou-se famosa, prestando-se como poderoso veículo
de defesa da grandeza da Doutrina Espírita, em detrimento da oferta
de Ubaldi. A comissão redatora dos anais do VI Congresso Espírita
Pan-americano respondeu às críticas e pretensões de Pietro Ubaldi
transcrevendo, integralmente, os cinco itens acima enumerados por
Herculano Pires. Acreditamos que todos os dirigentes espíritas, das
diversas nações e entidades kardecistas ali representadas, tenham
sido unânimes em aceitar as críticas ao oferecimento de Ubaldi,
inflamados que se achavam em defesa dos postulados kardequianos, os
quais não poderiam ser abalados, sobretudo em ocasião tão solene,
como um Congresso reunindo os principais representantes espíritas da
América Latina.
Infelizmente, esse
lamentável mal-entendido demarcou a ruptura entre Ubaldi e os
espíritas. Ubaldi, que não estava presente e não pôde argumentar
em sua defesa, coisa também que não faria, dado seu caráter
eminentemente evangélico e avesso a polêmicas, foi muito mal
compreendido, resultando no infeliz e posterior rechaço à sua
portentosa e visionária obra. Desde então, essa missiva exarada por
Herculano Pires tem sido utilizada pelos espíritas como imbatível
argumento para desestimular os estudiosos a se aproximarem de Ubaldi.
O Profeta da Nova Era não somente passou a ser rechaçado com
veemência nos grupos espíritas, como se tornou, logo depois, um
ilustre desconhecido, com graves prejuízos para nossa ascese
espiritual e a salutar e esperada evolução do Espiritismo. E assim,
em nossa nação sobretudo, seus escritos eminentemente cristãos e
sem dúvida a mais importante revelação espiritual dirigida ao
homem do século XXI, passaram a ser rejeitados por aqueles que
melhor detêm condições de compreendê-los: os espíritas,
introduzidos nos estudos do pentateuco Kardequiano e amadurecidos
pelas imprescindíveis obras de Chico Xavier.
Entrementes, a
conclusão a que chegamos, depois de muitos anos de estudos tanto da
Doutrina dos Espíritos quanto da obra de Ubaldi, é que se tratou de
infeliz e precipitada conclusão, partida do desconhecimento do real
significado do trabalho do Mensageiro da Úmbria e do entusiasmo
partidário e fideísta que movia os congressistas. Muitos que
assinaram aquela carta mal conheciam o seu livro fundamental, A
Grande Síntese, e não detinham elementos seguros para emitir
qualquer opinião abalizada sobre o restante de sua obra e seus mais
sinceros propósitos.
Humberto Mariotti,
então famoso presidente da CEA (Confederação Espírita Argentina)
e ocupando também, na ocasião, a presidência do VI Congresso
Pan-Americano, aceitou prontamente a crítica de Herculano Pires,
apoiando o manifesto de rejeição a Ubaldi. Logo depois,
entrementes, ao entrar em contato com a obra do Visionário da
Úmbria, revelou ter sido esse o maior erro de sua vida. Ubaldi
relata, após receber a visita do ilustre argentino, em 1965, que
“(...) o Sr. Mariotti voltou muito satisfeito, concordando que
houve um mal-entendido contra a minha oferta, porque jamais tive a
intenção de formar grupo ou escola doutrinária contra o
Espiritismo ou qualquer outra religião (...)”[3]
Analisemos
cuidadosamente a missiva de Herculano Pires, a fim de convencer-nos
de que se tratou de fato de um mal-entendido. Primeiramente é bom
sabermos que a carta de Ubaldi não partiu de sua espontânea
vontade. É bastante provável que o Apóstolo de Gúbio[4],
possuidor de um caráter reservado e averso à imposição de ideias,
não tomasse essa iniciativa por si mesmo. Se o fez, foi estimulado
por um grande amigo seu, o diplomata português Dr. Manuel Emygdio da
Silva, então cônsul de Portugal, residente em Montevidéu. É que
nos relata José Amaral[5], um dos biógrafos de Ubaldi, e que com
ele conviveu por muitos anos. Manuel Emygdio, grande entusiasta da
obra de Ubaldi, desejou divulgá-la entre os espíritas, na certeza
de que ela muito poderia enriquecer a Codificação Kardecista, e viu
no VI Congresso Pan-Americano uma ótima oportunidade para seu
intento. O melhor meio para isso, segundo deduzia, seria solicitar ao
próprio Ubaldi oferecê-la aos espíritas. E assim nasceu a carta
que o Missionário italiano dirigiu aos congressistas, reunidos em
Buenos Aires, em 1963. Armava-se desse modo o lastimável
acontecimento, fruto das melhores e mais nobres intenções tanto de
Manuel Emygdio quanto do Apóstolo da Úmbria.
Infelizmente, os
congressistas receberam a carta com desgosto e sentiram-se ofendidos
com a dadivosa oferta de Ubaldi. Em resposta, afirmou Herculano Pires
que “faltou a Ubaldi a percepção necessária para captar o
processo espírita em suas verdadeiras dimensões”, acusando-o de
“absoluta falta de acuidade e de compreensão da realidade espírita
no mundo de hoje, onde o Espiritismo vem cumprindo serenamente a sua
finalidade”.
Para quem leu e
estudou as 24 obras de Ubaldi, isso não pode ser verdadeiro. Ubaldi
conhecia sim, e profundamente, a obra espírita e a defendeu em
diversas ocasiões.
Vejamos, por exemplo, o que ele declarou em sua
visita à Federação Espírita do Estado de São Paulo, em 1951:
“(...) Eu tinha, aproximadamente, 26 anos e vivia em dúvida
completa, pois, já golpeado profundamente pela dor, não
conseguia atinar com as suas causas. Eu a atribuía aos erros
cometidos por mim, ou por outros, mas isso não contribuía para
eliminá-la. Investigava a filosofia, os vários sistemas
filosóficos, porém, da mesma forma, não conseguia alívio algum.
Estudava o espírito das religiões e, todavia, também isso não
proporcionava consolação. Então, por acaso — digo acaso, mas por
certo era obra da Providência — caiu em minhas mãos O Livro dos
Espíritos de Allan Kardec. Eu era jovem, desorientado, não tinha,
ainda, passado pela experiência dos grandes problemas da vida.
Li com grande interesse e vos confesso que, em certo ponto,
exclamei: Achei! ... Eureca! poderia ter eu repetido, encontrei,
encontrei finalmente a solução que eu procurava e que me
esclareceu! Ela foi a primeira semente que deu origem ao meu
adiantamento espiritual e daquele dia em diante foi-se tecendo a
trama luminosa do esclarecimento de tal forma que, ampliando-se, ele
penetrou a ciência, a filosofia, a religião, os problemas
sociais e os problemas de todo o gênero. Devo, entretanto,
confessar-vos precisamente aqui, nesta noite e neste local, que a
Allan Kardec devo a primeira orientação e a solução positiva do
problema mais complexo que, mais de perto, me interessava,
considerando minha condição de ser humano. Com grande prazer recebi
esta primeira orientação. (...) Esse primeiro jato de luz me veio
há quarenta anos precisamente e hoje essa luz se completa no
que eu ofereço, como eu disse antes, não criado por mim, mas
recebido em consequência do esforço desenvolvido para ampliar o
campo de aplicação daquela grande ideia, alcançando o seu objetivo
final concretizado nos setores social, religioso, filosófico etc. E
é interessante observar que, em consequência disso, eu, sem o
saber, era espírita há quarenta anos. (...) Encontrei em toda a
parte uma grande fé, uma grande assistência social. Bela
realização! Isso me entusiasma! Encontrei nos lugares de cura não
só a ciência, mas sobretudo, a fé. Agora, curar os doentes
não só com os processos materiais, como se faz na Europa, mas
aquecendo a alma deles com o Evangelho, explicando-lhes a causa das
suas dores e ensinando-lhes o verdadeiro caminho para superá-las,
partindo, em primeiro lugar da alma e não considerando, como o
faz a ciência materialista moderna, o nosso corpo como um agregado
de células — ou como o corpo de qualquer animal — isto é
grandioso! Admirei esse fato! E falarei na Itália e na Europa
contra o interesse materialista que lá se imprime a todas ou a quase
todas as instituições de cura dos doentes de todas as espécies.”[6]
Em outubro de
1955, em uma entrevista concedia ao Jornal Pernambuco Espírita,
Ubaldi responde as seguintes perguntas:
“O Sr. aceita o
Espiritismo como doutrina cristã?
R. Aceito o
Espiritismo como doutrina eminentemente cristã e como tal, será
aceito por todos, logo que se espalhe pelo mundo. Será a religião
do terceiro milênio.
Como encara a
Codificação Kardequiana?
R. É um trabalho
que veio revolucionar o pensamento humano. Ela deu um sentimento
completamente novo ao estudo da metafísica. Imprimiu um novo sentido
no campo da bondade, da paciência e da caridade. Estabeleceu para o
mundo um conteúdo moral muito elevado da justiça de Deus e seus
atributos. Como sistema filosófico espiritualista, tem os principais
elementos para constituir uma verdadeira filosofia.”[7]
Herculano Pires
afirma também que “Ubaldi recusou-se sempre a integrar-se no
movimento espírita, filiando-se na península à corrente da
Ultrafânia, do prof. Trespioli, que pretende haver superado a
concepção espírita”. Afirmativa que igualmente não é factível.
Ubaldi, embora tenha sido criado sob os auspícios do catolicismo
italiano, e embalado pelos encantos do franciscanismo que tanto amou,
admitiu a doutrina espírita como o mais evoluído pensamento
religioso, dentre todos que até então alimentaram a caminhada
humana. Certamente, por isso ele veio para o Brasil, onde a Religião
dos Espíritos encontrou o seu mais fértil campo de desenvolvimento.
E não há relatos de que ele tenha se filiado à Ultrafânia, do
prof. Trespioli.
Até a publicação
de Deus e Universo, o 10º livro de Ubaldi e o último escrito na
Itália, obra divisora entre a revelação de Ubaldi e o Espiritismo,
os espíritas aceitavam muito bem o trabalho do Apóstolo de Gúbio,
o qual entendiam não representar ameaça alguma aos fundamentos da
Codificação kardequiana. Tanto que foram os espíritas que o
convidaram a proferir uma série de palestras em nossa nação em
1951 e o convenceram a transferir-se definitivamente para o nosso
país, o que se deu a partir do ano posterior, e aqui ele permaneceu
até o seu desenlace em 1972. No entanto, depois que os espíritas
conheceram esse estupendo livro, rompe-se o encanto dos seguidores de
Kardec com o Profeta do Espírito e suas revelações. Nessa
magistral obra, seguramente o mais importante tratado teológico
escrito no século XX, Ubaldi discorre sobre o processo de
gênese e Queda do Espírito, imputando a formação da matéria, do
espaço e do tempo a um processo de separação voluntária do
Espírito do primal seio divino, dando origem ao nosso universo. Tal
fundamental conceito não cabia nos alicerces estabelecidos pela
interpretação kardecista, advindo daí a rejeição dos espíritas
de todo o restante trabalho de Ubaldi, a despeito do apoio que Chico
Xavier inicialmente lhe proporcionara[8]. Ou seja, não foi Ubaldi
que se desligou do Espiritismo brasileiro, mas os espíritas é que o
rechaçaram e negaram a sua colaboração.
Reconhecemos,
contudo, que o rechaço de Ubaldi pelos espíritas foi providencial,
pois o Profeta de Gúbio não poderia ter-se filiado estritamente ao
Espiritismo. Sua obra teria se fechado no partidarismo religioso,
deixando o caráter eminentemente universalista de que se revestiu.
Compreendemos que assim haveria de ser, pois a verdade não deve ser
partidária, não se limitando a nenhuma facção. Ubaldi, como um
espírito superior, amava todas as religiões da Terra e se
perfilhou, de fato, à universalidade e à imparcialidade, combatendo
a nossa tendência inata de nos estabelecermos em grupos rivais e
antagônicos, prontos a se digladiarem na arena do intelecto e da fé.
Por isso, tendo por lema esse essencial propósito, ele não poderia,
jamais, ter defendido a criação de um “ubaldismo”, como muitos
espíritas passaram a condená-lo, vendo-o como uma ameaça ao
Espiritismo. Vejamos uma de suas declarações a esse respeito:
“Tenho estado
entre católicos, espiritistas, protestantes; maometanos e budistas,
entre seguidores de muitas religiões e filosofias e também entre
ateus. E vi que essas distinções são mais de forma que de
substância.
Vi que na realidade só existem dois tipos de homens, qualquer que seja a religião a que pertençam;
Vi que na realidade só existem dois tipos de homens, qualquer que seja a religião a que pertençam;
existem como que
duas religiões fundamentais, — a do amor e a do orgulho.
À primeira pertencem os bons, os humildes que perdoam, os que se aproximam do semelhante para compreender e para auxiliar; esses estão perto do bem e de Deus.
À segunda religião pertencem os orgulhosos, que discutem para dominar, que desejam destruir para vencer, que se avizinham do semelhante com espírito de contenda, para fazer erguer-se o próprio eu; esses estão distantes do bem e de Deus.
Trata-se de dois métodos opostos, que sob qualquer forma, religião ou filosofia, revelam sempre o homem e sua verdadeira religião, a do bem ou a do mal. Tenho ensinado sempre, com absoluta imparcialidade, essa religião mais substancial, que ensina sobretudo a amar.
Quem agride, quem polemiza, se distancia do amor, que compreende sem discutir e resolve todas as questões perdoando. Sem essa base, que é o fundamento do Evangelho e da natureza de Deus, qualquer religião se torna uma mentira, pois a verdade foi controvertida.
Amar é a lei de Deus. Quem não ama, embora seja sábio e poderoso, não vive conforme a lei de Deus”[9].
À primeira pertencem os bons, os humildes que perdoam, os que se aproximam do semelhante para compreender e para auxiliar; esses estão perto do bem e de Deus.
À segunda religião pertencem os orgulhosos, que discutem para dominar, que desejam destruir para vencer, que se avizinham do semelhante com espírito de contenda, para fazer erguer-se o próprio eu; esses estão distantes do bem e de Deus.
Trata-se de dois métodos opostos, que sob qualquer forma, religião ou filosofia, revelam sempre o homem e sua verdadeira religião, a do bem ou a do mal. Tenho ensinado sempre, com absoluta imparcialidade, essa religião mais substancial, que ensina sobretudo a amar.
Quem agride, quem polemiza, se distancia do amor, que compreende sem discutir e resolve todas as questões perdoando. Sem essa base, que é o fundamento do Evangelho e da natureza de Deus, qualquer religião se torna uma mentira, pois a verdade foi controvertida.
Amar é a lei de Deus. Quem não ama, embora seja sábio e poderoso, não vive conforme a lei de Deus”[9].
Podemos afirmar,
portanto, que Ubaldi não combateu o Espiritismo, sequer qualquer
outra religião da Terra. Ele apenas veio ajudar-nos a compreender
que a verdade não pertence a religião alguma, que todas, até mesmo
o Espiritismo, contêm parte da verdade absoluta e devem se
complementar.
De forma escorreita, em sua magistral síntese monista, ele ensinou-nos a amar tanto as verdades espíritas quanto as católicas e reformistas, ensinando-nos, de forma surpreendente, a uni-las em uma grande verdade, superior a todas elas.
Essencialmente aderidas ao Evangelho, suas lições são imprescindíveis para nos fazer ver que a revelação espírita não se antepõe ao Cristianismo primitivo, como pode julgar um observador parcial, mas, muito pelo contrário, as duas teologias se completam.
Não conhecemos, portanto, pensamento mais adequado para unir com perfeição a Doutrina dos Espíritos aos alicerces teológicos cristãos estabelecidos no Novo Testamento. Conceitos como Reino de Deus, Ressurreição e Salvação, Céu e Inferno são, com Ubaldi, devidamente fundidos aos preceitos espíritas de evolução, reencarnação e vida após a morte.
Somente depois de um aprofundado estudo sem preconceitos da obra de Ubaldi é que se pode chegar a essa constatação. Por tudo isso, pedimos aos espíritas sinceros que se eximam de negar e demolir o trabalho de Ubaldi de forma precipitada, pois correm o risco de estar combatendo, sem o perceberem, um enviado do Cristo e o próprio Evangelho.
De forma escorreita, em sua magistral síntese monista, ele ensinou-nos a amar tanto as verdades espíritas quanto as católicas e reformistas, ensinando-nos, de forma surpreendente, a uni-las em uma grande verdade, superior a todas elas.
Essencialmente aderidas ao Evangelho, suas lições são imprescindíveis para nos fazer ver que a revelação espírita não se antepõe ao Cristianismo primitivo, como pode julgar um observador parcial, mas, muito pelo contrário, as duas teologias se completam.
Não conhecemos, portanto, pensamento mais adequado para unir com perfeição a Doutrina dos Espíritos aos alicerces teológicos cristãos estabelecidos no Novo Testamento. Conceitos como Reino de Deus, Ressurreição e Salvação, Céu e Inferno são, com Ubaldi, devidamente fundidos aos preceitos espíritas de evolução, reencarnação e vida após a morte.
Somente depois de um aprofundado estudo sem preconceitos da obra de Ubaldi é que se pode chegar a essa constatação. Por tudo isso, pedimos aos espíritas sinceros que se eximam de negar e demolir o trabalho de Ubaldi de forma precipitada, pois correm o risco de estar combatendo, sem o perceberem, um enviado do Cristo e o próprio Evangelho.
Refere ainda
Herculano Pires que o trabalho de recepção de correntes de
pensamentos de Ubaldi seria “uma pretensiosa concepção de
mediunidade cósmica, fugindo à naturalidade e simplicidade das
comunicações espirituais entre espíritos desencarnados e médiuns”.
E que, “as pretensões de Ubaldi o transformaram, de simples médium
em autor messiânico, agora arvorado em reformador do Espiritismo”.
Ubaldi, em sua simplicidade evangélica, jamais demonstrou tal
pretensão de orgulho e pressentimos o quanto essas afirmações
devem ter-lhe ferido a alma sensível.
Emmanuel,
através de Chico Xavier, afirmou que “Pietro Ubaldi interpreta o
pensamento das altas esferas espirituais, de onde ele provém"[10],
portanto, o Apóstolo da Nova Era devia sentir seu real e permanente
contato com planos elevados, o que o autorizava a apresentar-se como
um missionário entre nós. Todavia, Ubaldi não se dignou elevar a
voz em sua defesa, deixando que os fatos futuros e sua obra viessem a
falar por si sós.
Hoje estamos
plenamente convencidos de que Ubaldi é um real enviado do Cristo
para ajudar-nos na recomposição das verdades necessárias à nossa
caminhada evolutiva. Renegando-o com veemência e combatendo sua
obra, sem dar-nos a oportunidade de examiná-la e constatar sua justa
aferição ao Evangelho, incorremos no grave risco de estar
“apedrejando” novamente um profeta entre nós. Basta lançar os
olhos para a retaguarda da História para constatarmos que, em todos
os tempos, rechaçamos em um primeiro momento todos os mensageiros
que comparecem com verdades aparentemente diferentes das nossas
convicções, parecendo ameaçar as certezas que tomamos por
imutáveis. Somente mais tarde é que chegamos a alcançar e
compreender suas revelações, colocando-os então nos pedestais de
nossas venerações.
Ubaldi teve mesmo a
pretensão de completar a Doutrina Espírita, como entendem os
espíritas?
O Espiritismo
constitui de fato um “sistema conceptual espírita completo cuja
síntese está em O Livro dos Espíritos”, não necessitando de
complementos, como exara Herculano Pires?
Ora, sendo a
codificação kardequiana “uma doutrina evolucionista”, como
muito bem a caracterizou o seu fundador e todos corroboram, ela não
pode estar completa. Achando-se aberta, ela faz-se de fato um corpo
filosófico, religioso e científico que necessita avançar sempre
através de novos conhecimentos e renovação de suas verdades, a fim
de acompanhar nosso progresso e nosso permanente amadurecimento
evolutivo. Torna-se claro que não possuímos verdades absolutas e
inamovíveis e deveremos estar preparados, em toda ocasião, para
rever nossas mais bem estabelecidas convicções. Nossa natural
tendência sempre foi fixarmos verdades como absolutas e lutarmos
contra qualquer modificação de nossos pilares de certezas, em todos
os campos de nossa atuação. Não é diferente com o Espiritismo,
pois tal é a natureza de todos que o seguimos. E o Espiritismo não
se eximiu de subordinar-se à nossa parcial capacidade de interpretar
as revelações que o Mundo Espiritual periodicamente nos envia,
prendendo-se à restrita visão de mundo de uma era.
É inegável o
quanto progrediu o pensamento humano desde o advento da Codificação
espírita. Na época em que Kardec inquiria as mesas girantes, a
mentalidade do século XIX sequer sonhava com a Física Relativista
de Einstein, as estonteantes afirmativas da Mecânica Quântica ou
mesmo as descobertas da Nova Cosmologia do século XXI. O homem ainda
admitia viver em um universo ilimitado, subordinado ao tempo absoluto
das leis newtonianas e embalsamado pelas concepções dualistas e
dicotômicas do cartesianismo. Inevitavelmente, os conceitos semeados
nas obras básicas permaneceram atrelados às concepções próprias
da cosmovisão do século XIX e precisam ser urgentemente revistas.
Embora Kardec tenha
estabelecido as bases de um pensamento eminentemente progressivo,
nós, seus seguidores, no entanto, negamo-nos a fazer essa revisão.
Transformamos os conceitos básicos de nossa doutrina em sólidos
cânones, evidenciando-se que, em absoluto, não estamos “livres da
estagnação dogmática”, como afirma Herculano Pires. Somos velhos
e renitentes pensadores, habituados a fixar como colunas inamovíveis
todas as verdades veiculadas pelas religiões a que nos afeiçoamos.
Basta um pouco de sinceridade para admitir que nós, os espíritas
(e não o Espiritismo em si), permanecemos hoje perfeitamente presos
às revelações estabelecidas e interpretadas pelas limitadas mentes
mediúnicas do século XIX.
Este pequeno texto
não traz o escopo de ressaltar todos os pontos em que o Espiritismo
requer evoluir. No entanto, basta olhar de fora a nossa Doutrina para
constatar os tópicos nos quais ela precisa progredir e modificar
conceitos fundamentais. Podemos citar como rápidos exemplos: a
veemente refutação do importante fenômeno da Queda do Espírito,
ainda que tal capital revelação integre a essência do Evangelho de
Jesus, do qual não pode separar-se sem ferir-lhe os fundamentos[11].
A teimosa negação da inexistência de retrocessos na evolução do
espírito, sendo que os fatos nos falam exatamente o contrário. A
renitente fixação na interpretação de que ressurreição é
exatamente reencarnação, sendo que o Evangelho e as próprias obras
espíritas, sobretudo da autoria de Emmanuel, não corrobora essa
definição. O inapelável conceito de que Reino de Deus é mero
estado de alma, contrariando a ênfase que Jesus deu ao tema,
tornando-o o objetivo maior de nossas vidas e do próprio universo em
que vivemos. A criação do espírito em condição de
simplicidade e ignorância não pode ser questionada nos meios
espíritas sem que se levante não só obstinadas objeções, mas
cega negação de se admitir qualquer outra possibilidade para a
gênese do ser. A adoção do dualismo cartesiano como retrato da
realidade, em uma época em que a própria ciência evolui a passos
largos para afirmar o monismo universal. A visão de um Deus que cria
permanentemente no Relativo, a partir do caos, enquanto assistimos a
Cosmologia moderna remeter a gênese do cosmo às dimensões do
Absoluto, fora do tempo e do espaço. E as arcaicas teorias embasada
nos fluidos cartesianos que se mantêm mesmo ante o advento do
eletromagnetismo de James Maxwell e das teorias de campo de Einstein.
Enfim, vemos que trouxemos para os templos espíritas nosso velho
hábito de compor cânones religiosos, tornando imutável uma
doutrina estabelecida na superada cosmovisão do século XIX e suas
inquestionáveis limitações epistemológicas. Basta folhearmos a A
Gênese, de Kardec, antepondo-a, em uma análise despojada de paixão,
ao panorama que hoje a Nova Cosmologia nos acena ao entendimento,
para percebermos com clareza que a maioria de seus preceitos e
deduções estão hoje ultrapassados.
Desse modo, os
defensores da chamada “pureza doutrinária” prestam um desserviço
ao Espiritismo, pois, impondo-lhe franco misoneísmo, terminam por
derruir um de seus mais belos alicerces: a capacidade de se
modificar, acompanhando a evolução do pensamento humano. O
resultado será o seu isolamento nas arcaicas concepções do século
XIX, distanciando-se da efervescente ciência do século XXI.
E pretender caminhar
sempre não pode ser um erro, pois é o próprio Espiritismo,
doutrina progressista por excelência, que nos concita a seguir
adiante, sem jamais nos deter, através das sábias palavras do
Codificador, exaradas em A Gênese:
“Caminhando de
par com o progresso, o Espiritismo jamais será ultrapassado, porque,
se novas descobertas lhe demonstrassem estar em erro acerca de um
ponto qualquer, ele se modificará nesse ponto. Se uma verdade nova
se revelar, ele a aceitará”[12].
Julgamos,
portanto, um erro acatar a afirmação de Herculano Pires de que “o
sistema conceptual espírita é completo”. Ora, nenhuma doutrina
existente na Terra é capaz de gabar-se de possuir um sistema
conceptual completo, pois estamos em evolução e não atingimos o
ápice do conhecimento. Pelo contrário, estamos muito longe disso e,
se aprofundarmos nossos questionamentos, compreenderemos que apenas
nos introduzimos no ilimitado conhecimento de Deus e de Sua Criação.
O próprio O Livro dos Espíritos não é uma obra acabada, como
muito bem a caracterizou os Espíritos que a ditaram – na questão
18 desse livro, por exemplo, eles sustentam: “O véu se levanta a
seus olhos à medida que o homem se depura; mas, para compreender
certas coisas, são-lhe precisas faculdades que ele ainda não
possui”. Na questão 182, completam: “Nós, os Espíritos, só
podemos responder de acordo com o grau de adiantamento em que vos
achais”[13]. Além disso, compreendemos que os próprios Espíritos
que acompanham de perto nossa caminhada estão também em evolução
e não atingiram o ápice do saber absoluto. Por isso, afirmam-nos,
com sinceridade, em A Gênese de Kardec: “Há questões que nós
mesmos, espíritos amantes da ciência, não podemos aprofundar e
sobre as quais não poderemos emitir senão opiniões pessoais, mais
ou menos hipotéticas”.[14]
Por tudo isso, está
certo o Apóstolo de Kardec, que se contradiz ao admitir que “a
filosofia espírita é limitada, não oferece uma visão completa do
Todo e não abrange todos os momentos da lei de Deus”.
E é certo que “isso não está ao alcance de nenhuma elaboração mental, no plano relativo da vida terrena”, como acertadamente conclui Herculano Pires. Ubaldi também não teve a pretensão de abranger com sua revelação “todos os momentos da Lei de Deus”, mas caracteriza-se perfeitamente como um enviado dos Planos Superiores para nos fazer progredir nesse intento que atingiremos somente nos altiplanos da evolução.
E é certo que “isso não está ao alcance de nenhuma elaboração mental, no plano relativo da vida terrena”, como acertadamente conclui Herculano Pires. Ubaldi também não teve a pretensão de abranger com sua revelação “todos os momentos da Lei de Deus”, mas caracteriza-se perfeitamente como um enviado dos Planos Superiores para nos fazer progredir nesse intento que atingiremos somente nos altiplanos da evolução.
O grande filósofo
italiano, espírito de alta estirpe e permanentemente conectado a
Esferas Superiores, percebeu claramente que nossa Doutrina não é um
corpo completo de ensinamentos e necessitava continuar sua vitoriosa
carreira de servir-se como um farol para a caminhada humana. A visão
monista de Deus e da Criação que se desdobrou ante seu elevado
espírito evidenciou-lhe com clareza que as religiões da Terra,
inclusive o Espiritismo, estão estacionadas em compreensões
parciais e monoteístas, o que lhes impede de avançar um passo mais
rumo a uma compreensão mais abrangente da realidade. Assentado nessa
evoluída compreensão, Ubaldi pôde vislumbrar os pontos em que o
entendimento espírita, embora um dos mais evoluídos que nossa
humanidade já alcançou, ainda precisa progredir. O espírita, no
entanto, encerado em cânones religiosos, julga, de modo geral, que
se trata de grave despropósito afirmar que uma religião veiculada
por Espíritos superiores possa conter verdades incompletas ou
equívocos interpretativos, por isso nega veemente que nossa Doutrina
necessite de complementos. Infelizmente, trata-se de postura
equivocada que somente aquele que analisou cuidadosa e
desapaixonadamente a revelação do Apóstolo da Úmbria pode
constatar. Portanto, a oferta de Ubaldi não foi uma pretensão ou
uma orgulhosa ofensiva de alguém que almeja corrigir verdades
alheias, mas a doação amorosa de um pensador que foi capaz de
divisar muito além de nossa parca percepção.
Entendemos que é
perfeitamente compreensível que o espírita não identifique por si
só as barreiras que cerceiam a Codificação Kardequiana. Precisamos
de alguém que olhe de fora nossas verdades para indicar-lhes os
limites e os pontos falhos. Comumente, no entanto, em decorrência de
nosso natural misoneísmo, não recebemos de bom grado aqueles que
nos apontam as falhas de compreensão, sobretudo no terreno
religioso, e vemos até mesmo como uma grave ofensa quem se arvore a
enumerá-las. Por isso, é perdoável o fato de a referida carta de
Ubaldi ter provocado um mal-estar entre todos os congressistas
latino-americanos. Não é fácil aceitar que “a filosofia espírita
é limitada, não oferece uma visão completa do Todo” e “não
abrange todos os momentos da lei de Deus”, como diz Ubaldi. Somente
quem pôde penetrar nas revelações trazidas pelo Profeta de Gúbio
habilita-se a vislumbrar a incompletude da Doutrina Espírita. E tal
afirmação não é um desacato ou ultraje. Muito pelo contrário, é
fruto da nobre intenção de quem somente quer ajudar.
Basta
desvestirmo-nos de nossos brios para constatar com facilidade os
pontos em que nossa Doutrina encontra-se incompleta.
Como exemplo, consideremos as revelações sobre as primeiras origens de tudo que existe, contidas no pentateuco kardequiano. Hoje, com os conhecimentos que temos, torna-se evidente que esses primeiros ensaios da Doutrina Espírita não poderiam esclarecer-nos em definitivo os mistérios da gênese original do espírito.
Os naturais óbices do homem do século XIX impediam que importantes conceitos sobre esse tema fossem-nos então revelados.
Encontramos prova disso na obra fundamental, O Livro dos Espíritos: na questão 49, por exemplo, as próprias entidades orientadoras de Kardec informam-nos que “O princípio das coisas está nos segredos de Deus”.
Na questão 78, em resposta à pergunta se os Espíritos tiveram princípio, a entidade reitera: “(...) quando e como cada um de nós foi feito, repito-te, ninguém o sabe: aí é que está o mistério”.
Na questão 81, novamente, respondendo a Kardec sobre a formação dos espíritos, eles acentuam:
“Deus os cria, como a todas as outras criaturas, pela Sua vontade. Mas, repito ainda uma vez, a origem deles é mistério.”
Como exemplo, consideremos as revelações sobre as primeiras origens de tudo que existe, contidas no pentateuco kardequiano. Hoje, com os conhecimentos que temos, torna-se evidente que esses primeiros ensaios da Doutrina Espírita não poderiam esclarecer-nos em definitivo os mistérios da gênese original do espírito.
Os naturais óbices do homem do século XIX impediam que importantes conceitos sobre esse tema fossem-nos então revelados.
Encontramos prova disso na obra fundamental, O Livro dos Espíritos: na questão 49, por exemplo, as próprias entidades orientadoras de Kardec informam-nos que “O princípio das coisas está nos segredos de Deus”.
Na questão 78, em resposta à pergunta se os Espíritos tiveram princípio, a entidade reitera: “(...) quando e como cada um de nós foi feito, repito-te, ninguém o sabe: aí é que está o mistério”.
Na questão 81, novamente, respondendo a Kardec sobre a formação dos espíritos, eles acentuam:
“Deus os cria, como a todas as outras criaturas, pela Sua vontade. Mas, repito ainda uma vez, a origem deles é mistério.”
Pelo que nos consta,
caberia a Ubaldi fazer-nos evoluir um pouco quanto ao conhecimento da
gênese primeira do Espírito. Nas referidas obras Deus e Universo e
O Sistema, o Apóstolo da Úmbria pôde vislumbrar com suas apuradas
antenas psíquicas como se deu a formação dos Filhos de Deus, no
seio imaculado do Criador, fora do tempo e do espaço. Em decorrência
disso é que se achava devidamente autorizado a escrever aos
congressistas reunidos em Buenos Aires em 1963:
“O Espiritismo não possui uma teologia que nos esclareça a respeito das primeiras origens do universo e do plano geral da criação, nem os Espíritos revelaram coisa importante nesse assunto. E esses não são problemas longínquos, porque, sem conhecer a primeira fonte de tudo, não se pode conhecer a razão pela qual o nosso mundo está feito dessa maneira e não de outra; e temos de nos conduzir conforme determinados princípios éticos. A atual filosofia espírita é limitada e não nos dá uma visão completa do todo, não explica, pelo menos numa visão de conjunto, todos os aspectos e não abrange todos os momentos da Lei de Deus. Quem entrou nesse terreno viu que há horizontes sem fim, que as religiões ainda não suspeitaram (...)”[15]
“O Espiritismo não possui uma teologia que nos esclareça a respeito das primeiras origens do universo e do plano geral da criação, nem os Espíritos revelaram coisa importante nesse assunto. E esses não são problemas longínquos, porque, sem conhecer a primeira fonte de tudo, não se pode conhecer a razão pela qual o nosso mundo está feito dessa maneira e não de outra; e temos de nos conduzir conforme determinados princípios éticos. A atual filosofia espírita é limitada e não nos dá uma visão completa do todo, não explica, pelo menos numa visão de conjunto, todos os aspectos e não abrange todos os momentos da Lei de Deus. Quem entrou nesse terreno viu que há horizontes sem fim, que as religiões ainda não suspeitaram (...)”[15]
É ainda pelo mesmo
motivo que Ubaldi pôde afirmar, encerrando suas palavras na
entrevista do Jornal Pernambuco Espírita:
“[O Espiritismo] necessita de um estudo mais desenvolvido. A codificação kardequiana tem todos os princípios científicos em estado de embrião. A ciência oficial de hoje não os encara como coisa séria. É preciso, pois, que alguém de responsabilidade, apareça para incentivar o estudo das doutrinas dos espíritos nos meios científicos, norteando-lhes o verdadeiro estudo, fazendo com que a ciência oficial siga-lhes as pegadas. E no campo experimental, dentro das instituições espíritas, dar uma nova feição ao estudo da mediunidade hoje tão malbaratada nesses centros de estudos”.[16]
“[O Espiritismo] necessita de um estudo mais desenvolvido. A codificação kardequiana tem todos os princípios científicos em estado de embrião. A ciência oficial de hoje não os encara como coisa séria. É preciso, pois, que alguém de responsabilidade, apareça para incentivar o estudo das doutrinas dos espíritos nos meios científicos, norteando-lhes o verdadeiro estudo, fazendo com que a ciência oficial siga-lhes as pegadas. E no campo experimental, dentro das instituições espíritas, dar uma nova feição ao estudo da mediunidade hoje tão malbaratada nesses centros de estudos”.[16]
Essa postura não
invalida o reconhecimento, como nos afirma Herculano Pires, de que
houve de fato “imenso desenvolvimento em apenas cem anos de
existência” do pensamento espírita. No entanto, é forçoso
reconhecer que esse progresso atingiu apenas as áreas de atuação
social do Espiritismo e de detalhamento da vida após-túmulo,
através da brilhante mediunidade de Chico Xavier. Os pilares
fundamentais do pentateuco kardequiano não se moveram e permanecem
absolutamente intocáveis, sendo hoje uma verdadeira heresia
pretender modificá-los. Tal postura seguramente exerce sobre
qualquer médium um forte obstáculo à recepção de mensagens que
venham a contrariá-los.
Evidencia-se ainda
que não podemos concordar com nosso ilustre escritor e respeitado
pensador espírita ao assegurar a “impossibilidade de
estabelecer-se na Terra uma teologia científica, nem dentro nem fora
do Espiritismo”. A verdade é uma só e tanto a ciência quanto as
religiões que a buscam afanosamente encontrar-se-ão no avanço da
caminhada humana. Nosso progresso inevitavelmente conduzir-nos-á à
completa fusão do pensamento científico com o religioso,
permitindo-nos realizar com perfeição a tão sonhada síntese do
conhecimento humano. Negará essa possibilidade somente quem ainda
não observou o amadurecimento da ciência moderna e sua inevitável
intromissão nos mais recônditos segredos do Universo. De modo que o
estabelecimento de uma Teologia perfeitamente aderida à Ciência
torna-se a cada dia mais viável, levando-nos facilmente a vislumbrar
no horizonte próximo o dia em que a Religião se tornará Ciência e
a Ciência se converterá em Religião.
Sabemos que uma
árvore somente se conhece pelo seu fruto, portanto, temos que
degustá-lo, nós mesmos, a fim de formularmos uma opinião segura e
abalizada sobre o seu valor, antes de qualquer crítica. Sugerimos
assim que todo aquele se sinta atraído pela obra de Ubaldi que se
atire ao exame de seu trabalho, sem considerar as opiniões parciais
emitidas por importantes espíritas de nossa nação, ainda que
relevantes. Que comece por Grandes Mensagens, detendo-se apenas no
seu último livro, Cristo. Somente depois dessa análise cuidadosa é
que ele poderá formular a sua particular opinião sobre Ubaldi. E
unicamente depois disso é que aceitaremos como valioso o seu
julgamento, ainda que desfavorável.
Portanto, não
podemos considerar válido apoiar-se na carta do Apóstolo de Kardec,
exarada no Congresso Espírita de 1963, para julgar e negar o
trabalho de Ubaldi. Trata-se de atitude precipitada ante a qual o
estudioso sincero poderá, assim como Humberto Mariotti,
arrepender-se mais tarde, deixando passar a mais valiosa contribuição
à nossa mais rápida emersão nos planos superiores da evolução. E
podemos adiantar que ainda não conhecemos alguém que se aprofundou
na obra de Ubaldi para posteriormente negar o seu imenso valor como
genuína ferramenta, indispensável à nossa jornada evolutiva.
Se faltar-nos
referenciais para validar as revelações de Ubaldi, sugerimos fazer
do Evangelho de Jesus nosso mais fiel guia da verdade. Após
cuidadosa análise de sua obra será muito difícil a qualquer leitor
e estudioso negar que as lições do Missionário da Úmbria estão,
mais do que qualquer outro, essencialmente aderidas aos ensinos do
Cristo. Afirmação que aquele que desconhece Ubaldi rejeita e
somente poderá compreender e aceitar depois de analisar todo o seu
trabalho.
Nossa voz, nesta
despretensiosa missiva, nada significa, é nada mais que um pequeno
sussurro, no entanto, ela se apõe a contundentes vozes como a de
Chico Xavier, de Carlos Torres Pastorino, a do professor Henrique
Rodrigues, de Clovis Tavares, Rubens Romanelli, a do próprio
Humberto Mariotti, que terminou por defender Ubaldi, e de tantos
outros nomes que a cada dia vêm se juntando a um grande movimento
que visa restabelecer as lições de Ubaldi, sobretudo no meio
espírita, a fim de impulsionar a nossa tão amada doutrina rumo à
sua real destinação: a construção de um novo homem e um novo
mundo nas sombrias plagas terrenas, embasado no Evangelho do Cristo.
Respeitamos, e
muito, as abalizadas conclusões de Herculano Pires, em vários
campos do conhecimento espírita. Reconhecemos o inestimável valor
de suas obras. Todavia, concluímos que o eminente pensador
equivocou-se na avaliação do trabalho de Ubaldi. Nesse caso,
ficamos com Ubaldi e concluímos que o episódio do Congresso
Pan-americano de 1963 deve ser esquecido como o mais infeliz marco da
história do Espiritismo brasileiro e latino.
Encerramos com a
declaração de Carlos Torres Pastorino, outro conceituado pensador
espírita, profundo conhecedor do Evangelho e autor de importantes
obras:
“Para quem lê Kardec superficialmente, detendo-se nas palavras impressas, a teoria de Pietro Ubaldi pode parecer ‘herética’, mas aos que leem o mestre penetrando as entrelinhas das respostas dos Espíritos, tão sábias e profundas, nada lhes parece de contraditório”[17].
O autor de A Sabedoria do Evangelho, que também traduziu importantes obras de Ubaldi, concita-nos assim a completar os estudos espíritas com os livros do Apóstolo de Gúbio, para imenso proveito de nosso progresso espiritual e o inegável avanço da Codificação Kardequiana.
“Para quem lê Kardec superficialmente, detendo-se nas palavras impressas, a teoria de Pietro Ubaldi pode parecer ‘herética’, mas aos que leem o mestre penetrando as entrelinhas das respostas dos Espíritos, tão sábias e profundas, nada lhes parece de contraditório”[17].
O autor de A Sabedoria do Evangelho, que também traduziu importantes obras de Ubaldi, concita-nos assim a completar os estudos espíritas com os livros do Apóstolo de Gúbio, para imenso proveito de nosso progresso espiritual e o inegável avanço da Codificação Kardequiana.
Que as luzes do Alto
não nos faltem a fim de não nos perdermos nas ainda sombrias
veredas da vida por onde, indecisos, ainda perambulamos.
Nova Lima, verão de
2014
Gilson Freire
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
1) KARDEC, Allan. A
Gênese. 17a ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira,
1975.
2) KARDEC, Allan. O
Livro dos Espíritos. 79ª ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita
Brasileira, 1997.
3) RIZZINI, Jorge.
J. Herculano Pires, o Apóstolo de Kardec. Editora PAIDÉIA, São
Paulo/SP, 2001.
4) UBALDI, Pietro.
Grandes Mensagens. 6ª Ed. do INSTITUTO PIETRO UBALDI, Campos dos
Goytacazes, RJ, 2012.
5) UBALDI, Pietro. O
Sistema. Ed. do INSTITUTO PIETRO UBALDI, Campos dos Goytacazes, RJ,
2012.
SITES CONSULTADOS:
1)
http://www.herculanopires.org.br/apostolo-abertura/341-pietroubaldi
2)
http://www.ofrancopaladino.pro.br/mat341.htm.
3)
http://www.ubaldibh.org/index.php/publicacoes-e-mensagens/entrevista-com-pietro-ubaldi.
4)
http://www.ubaldi.org/
[1] RIZZINI, Jorge.
J. Herculano Pires, o Apóstolo de Kardec. Editora PAIDÉIA, São
Paulo/SP, 2001 - pág. 247 a 251.
[2] Está carta
encontra-se ainda publicada nos sites:
http://www.herculanopires.org.br/apostolo-abertura/341-pietroubaldi e
http://www.ofrancopaladino.pro.br/mat341.htm.
[3] UBALDI, Pietro.
Grandes Mensagens. Ed. do INSTITUTO PIETRO UBALDI, Campos dos
Goytacazes, RJ – Segunda Parte, cap. 17, pág. 64.
[4] Ubaldi nasceu na
cidade de Gúbio, na região da Úmbria, no centro da Itália, e por
isso Chico Xavier assim o denominou em uma de suas cartas dirigidas a
Clóvis Tavares.
[5] Informação que
consta apenas nas quatro primeiras edições da obra Grandes
Mensagens, no cap. XII, terceira parte, pág. 228, da 4ª edição.
[6] UBALDI, Pietro.
Grandes Mensagens. Ed. do INSTITUTO PIETRO UBALDI, Campos dos
Goytacazes, RJ – Terceira Parte, cap. 3, pág. 197.
[7] Entrevista
publicada no site
http://www.ubaldibh.org/index.php/publicacoes-e-mensagens/entrevista-com-pietro-ubaldi.
[8] Para quem ainda
não se deu conta de que o conceito de Queda do Espírito está
inserido na Doutrina Espírita, recomendamos a leitura do artigo
“Referências da Queda na Codificação Espírita e na Obra de
Chico Xavier” disponível em
http://www.gilsonfreire.med.br/index.php/ubaldianos/a-queda-na-doutrina-espirita
[9] UBALDI, Pietro.
Grandes Mensagens. Ed. do INSTITUTO PIETRO UBALDI, Campos dos
Goytacazes, RJ – segunda parte, cap. 6, pag. 212.
[10] UBALDI, Pietro.
Grandes Mensagens. Ed. do INSTITUTO PIETRO UBALDI, Campos dos
Goytacazes, RJ – Segunda Parte, cap. 4, pág. 61.
[11] Para quem
ainda não se deu conta de que o conceito de Queda do Espírito está
inserido na Doutrina Espírita, recomendamos a leitura do artigo
“Referências da Queda na Codificação Espírita e na Obra de
Chico Xavier” disponível em
http://www.gilsonfreire.med.br/index.php/ubaldianos/a-queda-na-doutrina-espirita
[12] KARDEC, Allan.
A Gênese. 17a ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira,
1975 – cap. I, item 55.
[13] KARDEC, Allan.
O Livro dos Espíritos. 79ª ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita
Brasileira, 1997.
[14] KARDEC, Allan.
A Gênese. 17a ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira,
1975– cap. 6, tópico 6.
[15] Ubaldi, Pietro.
Grandes Mensagens, 4ª ed., cap. XII, terceira parte, pág. 230.
[16] A entrevista
completa acha-se publicada na íntegra no site
http://www.ubaldibh.org/index.php/publicacoes-e-mensagens/entrevista-com-pietro-ubaldi.
[17] UBALDI, Pietro.
O Sistema. Ed. do INSTITUTO PIETRO UBALDI, Campos dos Goytacazes, RJ,
2012 – pág.9.