segunda-feira, 23 de maio de 2022

CONFUNDIR OS ORGULHOSOS E VER A FACE DE DEUS



                                                      A BOA NOVA


          Vencida a etapa onde admitimos que  há uma principal e uma derivada razão  para que estejamos aqui neste planeta, onde tanta desigualdade é percebida, podemos passar ao passo imediato, que é a elucidação de uma constatação que se apresenta ao observador um pouco mais atento.

          Recordemos de Pietro Ubaldi, que nos informou que ao ouvir a palavra EVOLUÇÃO, teve um despertamento, era a palavra chave que daria início a um trabalho de conscientização para nós, humanos, encarnados e desorientados, apesar de acreditarmos que somos detentores dos segredos da vida.

A cada descoberta da ciência, percebemos o quanto somos pobres de conhecimento!  

JESUS 
FRANCISCO DE ASSIS
INQUISIÇÃO
KARDEC
Só para citar alguns poucos.

A Criação Divina 


Escrito por Castro Alves
(psicografia: por Jorge Rizzini)


I
E disse Deus no infinito:
- Que se faça o firmamento...”
E o Pai condensou aos poucos
O Seu próprio pensamento.
E a Santa Sabedoria
Deu início à sinfonia!
Fez o Espaço e a Energia,
A Matéria e o Movimento!

II
E disse Deus, satisfeito:
- Que nos espaços profundos
Surjam infinitos mundos!”
E os contínuos turbilhões,
A explodir no Espaço infindo,
Geraram astros fulgentes
De cores surpreendentes...
Galáxias! Constelações!

III
Estava feito o Universo
- Condensação da Vontade!
Infinito, eterno, puro,
Como é a Divindade!
E nele estava presente
O Princípio Inteligente,
- E a Vida, em fase latente,
Esperava atividade!

IV
E esse Princípio ativo,
Com o fluido universal,
Gera o simples vegetal!
- E a Vida acorda nos mundos!
E diz Deus onipresente
Ao princípio da matéria:
“ – Evoluir! És bactéria
No charco e mares profundos!”

V
E o ser unicelular,
Desenvolve seu psiquismo:
Multiplica suas células,
Fragmenta-se – transformismo!
E nos ambientes vários,
Já não são protozoários,
São ativos operários,
Com diferente organismo!

VI
E o Princípio Inteligente
Com a Lei da Reencarnação,
Vai sofrendo mutação
Nos vários corpos que agita!
Cresce nas águas, no solo;
Evolui nos campos, erra;
É animal feroz na guerra,
Sofre, geme, chora e grita!

VII
E chega o grande momento...
Vai espantar-se a Criação!
Deus proclama em muitos mundos:
- Agora a humanização!”
E a Santa Lei Paterna,
Que ao Universo governa,
Gera o Homem da Caverna,
- Ilumina-se a Razão!

VIII
Humanidades se espalham
Nos mundos já de granito,
Marcha o Homem pro Infinito,
Como quer o Criador!
Desenvolve o raciocínio,
Adquire conhecimento,
Vence a treva, o raio, o vento,
A neve, o mar, o calor!

IX
Mas, a criação não pára...
Vão nascer os novos mundos!
Rubros sóis geram planetas,
Pequenos, grandes, rotundos!
E a Terra – que é um estilhaço!
Surge e dança pelo Espaço,
Já trazendo no regaço,
Da Vida os germes fecundos!

X
E com a Lei da Evolução,
Ganha o Globo o Ser Humano!
Desde logo é soberano,
Na planície, rios, serra...
Vai passando o fio do Tempo...
E o Homem, já milenar,
Inda é bruto – e a guerrear,
Lava em sangue toda a Terra!

XI
Povo escravo não tem pausa
No trabalho à luz do archote;
E monumentos, impérios,
São erguidos com o chicote!
Cresce a cultura imortal,
Mas pouco avança a Moral,
- E da Lei, o pedestal
É a forca, a cruz, o garrote!

XII
Mas diz Deus onisciente
A um de seus Assessores:
- Ouço da Terra os clamores!
Geme meu povo na cruz!
Desce, Cristo, ao escuro mundo,
E prega a Fraternidade,
A Verdade e a Caridade!
E inunda a Terra de luz!”

XIII
E a Luz espancou as trevas
Para que o Homem não peque;
Depois, reencarna Kardec!
- E o Globo vê nova luz!
E o gigante com a Ciência
Descobre e analisa o Espírito,
Interpreta o perispírito,
- E complementa Jesus!

XIV
Todas as Leis então ocultas
São dadas à Humanidade!
Disssolvem-se antigos dogmas
À luz da Mediunidade!
E o Homem, que vivia aflito,
Na matéria circunscrito,
Hoje fala com o Infinito,
Tem nas mãos toda a Verdade!


XV
O Universo é pensamento
Condensado – é vibração!
Mas o Espírito já puro,
Foge à humana concepção!
Vê o átomo e a energia!
De Deus – a Sabedoria!
O Amor que Ele irradia!
- E tem do Pai a visão!


XVI
Por isso, ó homens da Terra,
Piedade com os ateus,
Como teve Jesus Cristo
Com os antigos fariseus!
Sede bons, tende Humildade,
Praticai a Caridade,
E aqui, na Imortalidade,
Vereis a face de Deus!

sexta-feira, 20 de maio de 2022

SUICIDIO DE UM ATEU - EVOCAÇÃO


Trago este texto publicado na Revista Espírita de 1861.

Trata-se de um relato sobre a evocação feita a pedido de parentes.


Palestras familiares de além-túmulo - Suicídio de um ateu

O Sr. J. B. D..., evocado a pedido de um de seus parentes, era um homem instruído, mas até o último grau imbuído de ideias materialistas. Não acreditava na alma nem em Deus. Afogou-se voluntariamente há dois anos.

1. (Evocação). ─ Sofro! Sou um condenado.

2. ─ Pediram-nos que vos chamasse da parte de um dos vossos parentes, que deseja conhecer a vossa sorte. Podeis dizer se esta evocação é agradável ou penosa? ─ Penosa.

3. ─ Vossa morte foi voluntária? ─ Sim. Observação: O Espírito escreve com extrema dificuldade. A letra é grande, irregular, convulsa e quase ilegível. De início denota cólera, quebra o lápis e rasga o papel.

4. ─ Tende calma. Rogaremos por vós a Deus. ─ Sou forçado a crer em Deus.

5. ─ Que motivo vos levou a vos destruirdes? ─ Tédio da vida sem esperança. Observação: Compreende-se o suicídio quando a vida é sem esperança. Querse fugir à infelicidade a todo custo. Com o Espiritismo o futuro se desenrola e a esperança se legitima. O suicídio, então, não tem objetivo; ainda mais, reconhece-se que por tal meio não se escapa a um mal senão para cair num outro cem vezes pior. Eis por que o Espiritismo já subtraiu tantas vítimas à morte voluntária. Estão errados e são sonhadores aqueles que nele buscam, antes de mais nada, o fim moral e filosófico? Muito culpados são aqueles que, por sofismas científicos e no suposto nome da razão, se esforçam por prestigiar a ideia desesperada, fonte de tantos males e crimes, de que tudo acaba com a vida. Serão responsáveis não só por seus próprios erros, mas por todos os males de que tiverem sido causadores.

6. ─ Quisestes escapar às vicissitudes da vida. Conseguistes alguma coisa? Sois mais feliz agora? ─ Por que o nada não existe?!

7. ─ Teríeis a bondade de descrever-nos o melhor possível a vossa situação? ─ Sofro por ser obrigado a crer em tudo aquilo que negava. Minha alma está como que num braseiro, horrivelmente atormentada.

8. ─ De onde vinham as ideias materialistas que tínheis em vida? ─ Em outra existência eu tinha sido mau, e meu Espírito estava condenado a sofrer os tormentos da dúvida durante minha vida. Assim, matei-me. Observação: Existe aqui toda uma ordem de ideias. Frequentemente nos perguntamos como pode haver materialistas, de vez que, já tendo passado pelo mundo espírita, deveríamos ter-lhe a intuição. Ora, é precisamente essa intuição que é recusada, como castigo, a certos Espíritos que conservaram o orgulho e não se arrependeram de suas faltas. Não devemos esquecer que a Terra é um lugar de expiação. Eis por que ela encerra tantos Espíritos maus encarnados.

9. ─ Quando vos afogastes, que pensáveis que vos iria acontecer? Que reflexões fizestes naquele momento? ─ Nenhuma. Para mim era o nada. Vi depois que não tendo esgotado a minha pena, ainda iria sofrer muito.

10. ─ Agora estais bem convencido da existência de Deus, da alma e da vida futura? ─ Oh! Sou terrivelmente atormentado por isto!

11. ─ Revistes vossa mulher e vosso irmão? ─ Oh! não!

12. ─ Por quê? ─ Por que reunir nossos tormentos? A gente se exila na desgraça e só se reúne na felicidade. Ai de mim!

13. ─ Gostaríeis de rever o vosso irmão, que poderíamos chamar para o vosso lado? ─ Não, não! Eu estou muito mal.

14. ─ Por que não quereis que o chamemos? ─ É que também ele não é feliz.

15. ─ Temeis a sua presença. Entretanto, ela não vos poderia fazer bem? ─ Não. Mais tarde.

16. ─ Vosso parente pergunta se assististes ao vosso enterro e se ficastes satisfeito com o que ele fez na ocasião. ─ Sim.

17. ─ Desejais que ele diga alguma coisa? ─ Que orem um pouco por mim.

18. ─ Parece que na sociedade que frequentáveis algumas pessoas partilham das opiniões que tínheis em vida. Quereríeis dizer-lhes algo a respeito? ─ Ah! Que infelizes! Possam eles acreditar numa outra vida! É o que lhes posso desejar para maior felicidade. Se pudessem compreender minha triste posição, iriam refletir bastante. Evocação do irmão do precedente, que professava as mesmas ideias mas que não se suicidou. Conquanto infeliz, está mais calmo. Sua caligrafia é clara e legível.

19. (Evocação). ─ Possa o quadro de nossos sofrimentos vos ser uma lição útil, e vos persuadir de que há uma outra vida, na qual expiamos nossas faltas e nossa incredulidade!

20. ─ Vós e o vosso irmão que acabamos de evocar vos vedes reciprocamente? ─ Não. Ele foge de mim.

21. ─ Estais mais calmo que ele. Poderíeis dar-nos uma descrição mais exata dos vossos sofrimentos? ─ Na Terra não sofrem o vosso amor próprio, o vosso orgulho, quando sois obrigados a confessar o vosso erro? Vosso Espírito não se revolta ao pensamento de vos humilhardes ante aquele que vos demonstra que estais errados? Então! Que pensais que sofra o Espírito que em toda a sua existência ficou persuadido de que nada existe além de si mesmo e que tem razão contra todos? Quando, de repente, ele se acha ante a deslumbrante verdade, sente-se aniquilado e humilhado. A isto vem juntar-se o remorso de, por tanto tempo, ter esquecido a existência de um Deus tão bom, tão indulgente. Seu estado é insuportável; não encontra calma nem repouso; não achará um pouco de tranquilidade senão no momento em que a graça santa, isto é, o amor de Deus o tocar, porque de tal modo o orgulho se apodera do nosso pobre Espírito, que o envolve inteiramente, e ainda lhe é necessário muito tempo para se desfazer dessa túnica fatal. Só a prece dos nossos irmãos nos ajuda a nos desembaraçarmos dela.

22. ─ Quereis falar de vossos irmãos vivos ou em Espírito? ─ De uns e de outros.

23. ─ Enquanto conversávamos com o vosso irmão, um dos presentes orou por ele. A prece ter-lhe-á sido útil? ─ Não será perdida. Se agora recusa a graça, ela lhe voltará quando estiver em estado de recorrer a essa divina panaceia.

O resultado dessas duas evocações foi transmitido à pessoa que no-las tinha pedido. Então recebemos a seguinte resposta:

“Não podeis imaginar, senhor, quão grande foi o bem produzido pela evocação de meu sogro e de meu tio. Nós os reconhecemos perfeitamente. Sobretudo a letra do primeiro tem uma notável analogia com a que tinha em vida, tanto mais quanto, nos últimos meses que passou conosco, ela era arrebatada e indecifrável. Aí encontramos a mesma forma das pernas, da assinatura, e de certas letras, principalmente os d, f, o, p, q, t. Quanto às palavras, às expressões e ao estilo, são ainda mais notáveis. Para nós, a analogia é perfeita, a não ser o seu maior esclarecimento sobre Deus, a alma e a eternidade, que outrora ele negava tão formalmente. Estamos, pois, perfeitamente convencidos quanto à identidade. Deus será por isso mais glorificado por nossa crença mais firme no Espiritismo, e nossos irmãos, Espíritos e vivos, assim se tornarão melhores. A identidade de seu irmão não é menos evidente. A imensa diferença entre o ateu e o crente foi reconhecida no seu caráter, no seu estilo, nas suas expressões. Uma palavra, sobretudo, nos chocou: panaceia. Era sua expressão habitual, que dizia a todos e a todo momento.

“Mostrei as duas comunicações a várias pessoas, que ficaram tocadas por sua veracidade. Mas os incrédulos, os que participam das opiniões de meus dois parentes, desejavam respostas mais categóricas: que, por exemplo, o Sr. D... precisasse o lugar onde foi enterrado, onde se afogou, de que maneira procedeu, etc. Para satisfazê-los e os convencer, bem poderíeis fazer-lhe as seguintes perguntas: Onde e como cometeu o suicídio? Quanto tempo ficou mergulhado? Onde seu corpo foi encontrado? Em que lugar foi enterrado? De que maneira, civil ou religiosa se procedeu à inumação, etc.?

“Peço-vos, senhor, a bondade de exigir respostas categóricas a estas perguntas essenciais para os que ainda duvidam. Estou persuadido do imenso bem que isto produzirá. Procedo de modo que esta carta vos chegue amanhã, sexta-feira, a fim de poderdes evocá-lo na sessão da Sociedade a realizar-se nesse dia... etc.”

Reproduzimos esta carta devido à identidade que ela estabelece. Juntamos a nossa resposta, para instrução das pessoas não familiarizadas com as comunicações de além-túmulo.

“... As perguntas que desejais sejam dirigidas novamente ao Espírito de vosso sogro certamente são ditadas por louvável intenção, a de convencer os incrédulos, porque em vós não há mistura de sentimentos de dúvida e de curiosidade. Entretanto, um mais perfeito conhecimento do Espiritismo vos teria feito compreender que são supérfluas.

“Para começar, pedindo faça o vosso sogro dar respostas categóricas, certamente ignorais que não governamos os Espíritos à vontade. Eles respondem quando querem e como querem, e muitas vezes como podem. Sua liberdade de ação é ainda maior do que quando vivos e têm mais meios de subtrair-se à pressão moral que tentássemos exercer sobre eles. As melhores provas de identidade são dadas espontaneamente, de acordo com sua própria vontade ou que brotam das circunstâncias e, na maioria dos casos, é perder tempo querer provocá-las. Vosso parente provou sua identidade de modo irrecusável, segundo vossa opinião. É, pois, mais que provável que recuse responder a perguntas que de pleno direito ele considera supérfluas e feitas com o objetivo de satisfazer a curiosidade de pessoas que lhe são indiferentes. Poderia ele responder, como frequentemente fizeram outros Espíritos em casos semelhantes, perguntando:

“Qual o interesse em perguntar-me coisas que sabeis?” Acrescentarei, ainda, que o estado de perturbação e de sofrimento em que se encontra deve tornar-lhe mais penosas as pesquisas desse gênero, exatamente como se se quisesse obrigar um doente que apenas pode pensar e falar, a contar-nos detalhes de sua vida. Seria certamente faltar à consideração devida à sua posição.

“Quanto ao resultado que esperais, seria nulo, tende certeza. As provas de identidade fornecidas têm um valor ainda maior, pelo próprio fato de terem sido espontâneas e de que nada podia indicar aquele caminho. Se os incrédulos não estão satisfeitos com isso, também não o ficariam por meio de perguntas que poderiam inquinar de conivência. Há criaturas a quem nada pode convencer. Elas veriam o vosso sogro com os seus próprios olhos e diriam que estavam sendo vítimas de uma alucinação. O que de melhor se lhes pode fazer é deixá-las tranquilas e não perder tempo com palavras supérfluas. Só podemos lamentá-las, porque, mais cedo ou mais tarde aprenderão por si mesmas quanto custa terem repelido a luz que Deus lhes envia. É sobretudo contra esses que Deus manifesta a sua severidade.

“Duas palavras ainda, senhor, sobre o vosso pedido de evocação no mesmo dia em que devia receber a carta. As evocações não são feitas assim, às pressas. Nem sempre os Espíritos respondem ao nosso apelo. Para tanto, é necessário que o possam ou o queiram. Além disso, é preciso um médium que lhes convenha e que tenha a aptidão especial necessária; que esse médium esteja à disposição em dado momento; que o meio seja simpático ao Espírito, etc. Todas estas são circunstâncias pelas quais não podemos responder jamais, e que importa conhecer quando se quer fazer a coisa com seriedade.” 






 https://kardecpedia.com/roteiro-de-estudos/895/revista-espirita-jornal-de-estudos-psicologicos-1861/4943/fevereiro/palestras-familiares-de-alem-tumulo-suicidio-de-um-ateu

domingo, 8 de maio de 2022

UM RECADO DE JESUS ENTREGUE EM MÃOS PRÓPRIAS

 Um outro lado do pensador Pietro Ubaldi:

Por Aloísio Wagner

Gostaria de compartilhar com vocês o testemunho de uma jornalista, publicado no jornal Vanguarda em Julho / Agosto de 2001, e que por sua vez, acho muito bonito e emocionante:

"Testemunho de Gratidão


Há 34 anos atrás, jovem e atravessando um período de imbecilidade e pretensão, julgava-me o centro do mundo. Criada em colégio de freiras e numa família católica, perdera a fé e julgava essa perda definitiva, o que me angustiava um pouco. Não. Eu não acreditava nem mesmo em Deus. Pouco antes numa coluna que mantinha na revista “O Cruzeiro”, escrevera uma crônica: “À procura de Deus”, e recebera cartas do Brasil inteiro, de quase todas as religiões existentes, tentando ajudar-me. Procurei quase todas. Nenhuma me convenceu. Por simples curiosidade fui visitar Chico Xavier, e, sem me identificar e nem dizer-lhe uma só palavra, ao atravessar a multidão e aproximar-me dele, vi-o estender-me a mão e sorrir-me com as seguintes palavras: “Não se torture procurando Deus nos templos, nas igrejas ou nos centros espíritas, minha filha. Procure-O dentro de você.” O ato pareceu-me estranho, mas não lhe dei maior importância. Não compreendera.

Nesse ano de 1955, vi num jornal notícia sobre a chegada ao Rio de um famoso escritor italiano – Pietro Ubaldi. Como jornalista, resolvi entrevistá-lo. Não lera seus livros, nem sequer conhecia suas idéias. Era apenas um escritor famoso e, portanto, notícia.

Encontrei no hotel um homem tranquilo e simples, do qual gostei gratuitamente. Magro, ar ascético, olhos de criança boa. Fiz a entrevista, algo chocada com o que ele falou da “Sua Voz” e de seus livros. Classifiquei-o como um sonhador visionário de grande cultura e inteligência, lamentando-o. A entrevista foi publicada na revista “A Cigarra”, de fevereiro de 1956. Despedi-me e ia sair, quando ele me chamou.

- Espere, por favor. Tenho aqui uma mensagem para a senhora.

Senti que devia ser honesta com ele e confessei: “Não se ofenda, por favor, mas não acredito em mensagens do Além, nem mesmo acredito em Deus.”


Pietro Ubaldi sorriu mansamente.Não faz mal. Não precisa ler agora. Um dia a senhora vai ler. Guarde-a. Ela será muito importante para a senhora.

Estendeu-me um papel sobre o qual escrevera algumas linhas. Sem olhar, tomei o papel, colocando-o dentro de um livro, que trazia comigo e despedi-me. Esse papel, utilizei-o como marcador de leitura desse livro. E, esqueci-o. Nem por um instante, senti vontade de ler o que ali estava.

A vida me poupou nos anos seguintes. Um casamento desfeito de forma mesquinha e revoltante, uma mudança de cidade e de caminhos; tive de trabalhar para sobreviver. Recebi convite para um emprego em São Paulo, como redatora numa agência de publicidade. Ambiente frio, hostil e entre tantos desconhecidos.

Na noite de 31 de Dezembro de 1962, encontrava-me sozinha em meu apartamento. Recusara todos os convites para “reveillons”, e preferia fazer um retrospecto de minha vida, à sós. Chovia muito. Eu ouvia as gargalhadas, o estourar das champanhes, a música, os cantos que vinham de outros apartamentos. E senti a solidão em sua plenitude. Que era eu? Uma escritora insatisfeita consigo mesma e com seus livros. Nenhum filho vivo. Que valor possuía a vida? Porque persistir na farsa de sorrir, viver levianamente, fingindo encontrar prazer em coisas fúteis como ganhar dinheiro, vestir-me bem, namorar, dançar, suportar os olhares sempre iguais da cobiça masculina? Estava farta.

Decidi que não enfrentaria 1963. Andei pelo apartamento povoado apenas de meus fracassos idealistas e ingênuos. Era hora de parar. Cheguei à janela. Morava no 13° andar, na avenida Paulista. Lá fora, o vazio de sempre. Homens e mulheres se embriagando para afogar suas próprias decepções. E, lá embaixo, o pátio de cimento a atrair-me. Tão fácil! Um passo para subir no sofá, o segundo no peitoril e o terceiro...a paz. O esquecimento. O Nada como solução salvadora.

Algo, porém, me retinha. O instinto de conservação. Lembrei-me de uma garrafa de conhaque, que comprara para fazer remédio para tosse, e que nem utilizara. Sempre tive a verdadeira ojerisa por bebidas alcoólicas. Fui até à cozinha, abri a garrafa e enchi um copo. Tomei-o de uma só vez, a garganta queimando, engasgando com aquele gosto horrível. Voltei à janela. Dei o primeiro passo planejado, subindo ao sofá encostado à janela. Recuei. Ainda era insuficiente a coragem. Voltei à cozinha, enchi o segundo copo até a borda e virei-o de um trago. Já bêbada, o copo escorregou-me das mãos e espatifou-se no chão. Cambaleando, mas com a mente lúcida, repeti o primeiro passo e, ao dar o segundo, escorreguei no peitoril molhado pela chuva e caí. Não para o pátio, mas sobre o sofá. Perdi os sentidos.


Acordei de madrugada. O mundo inteiro era um silêncio só. A chuva molhara todo o meu corpo. Cambaleando, a cabeça parecendo estourar, levantei-me. Que fracasso! Nem a morte me aceitava! Mas eu estava decidida. Troquei a roupa. Àquela hora, os ônibus e carros trafegavam por ali em alta velocidade. Na madrugada chuvosa, os motoristas não veriam o vulto vestido de negro, que se colocaria à sua frente.

Ao tocar na chave para abrir a porta do apartamento e sair, algo estranho como que me puxou para a estante de livros que cobria toda a parede da saleta de entrada. Estendi a mão maquinalmente e peguei um livro qualquer. De dentro dele caiu um papel aos meus pés. Peguei-o. E lí, sem compreender da primeira vez:

“NESTE MOMENTO EM QUE VOCÊ SE JULGA TÃO DESESPERADA, FILHA MINHA, SINTA O AMIGO QUE ESTÁ AO SEU LADO, COM AS MÃOS SOBRE SEUS CABELOS, OFERECENDO-LHE SEU AMOR, QUE É O MAIOR DE TODOS. DEIXA QUE ESTE AMIGO LHE FALE E CONSOLE. VOCÊ PRECISA VIVER PORQUE ELE O QUER. ACALME-SE E ENTREGUE-SE A ESSE AMOR, FILHA QUERIDA. O NOME DESSE AMIGO É JESUS.”


Reli o papel duas, três, muitas vezes. E então veio-me um pranto convulso. Realmente, eu “sentia”. Sentia mãos suaves que me acariciavam a cabeça. Sentia o calor de um amor imenso aquecendo-me. Sentia o Amigo, no qual “sabia” poder confiar e socorrer-me. Todo o desespero, a angústia, a solidão, o horror pela vida e por meus semelhantes, como que se desfazia naquele pranto.

O papel molhado com minhas lágrimas continuava apertado em minhas mãos. E lembrei-me. A visita àquele homem no Rio. Aquele homem de olhos doces e voz tranquila, estendendo-me a mensagem, que eu desprezara. Fui apanhar o livro, de onde ele caíra. Lá estava: novembro de 1955. Aquele homem sabia. E me dissera: “um dia a senhora vai ler”. Por que? Como? Minha cabeça confusa e fervendo de indagações era um contraste com a paz que descera sobre mim. Somente adormeci quando o dia 1° de Janeiro de 1963, já ia em meio.

Daí para frente, já não mais à procura de Deus, pois Jesus, através de Pietro Ubaldi, O trouxera do mais profundo do meu íntimo, comecei a estudar para compreender melhor o que ocorrera. Comprei “A Grande Síntese”, lendo-o muitas vezes até penetrar nas verdades ali contidas. Li Kardec. Passava horas pensando, analisando, compreendendo os contrastes que dantes me revoltavam.

Nunca mais vi Pietro Ubaldi. Sentia um certo pudor de procurá-lo para lhe contar a verdade. Ao ler a notícia da sua morte nos jornais achei que o fato nunca mais seria narrado, até há quase um ano atrás quando fiquei sabendo da existência da Fundação Pietro Ubaldi, em Campos. Então, cheguei à conclusão de que deveria entregar-lhes este testemunho de gratidão.

Hoje, aposentada e sabendo que aquele pudor era ainda um resto de orgulho humano, escrevo-lhes. No limiar da velhice, sinto-me gratificada por estar viva. Escrevo livros para adolescentes, com meu verdadeiro nome: Lourdes Gonçalves – e mantenho contatos maravilhosos com essa gente miúda que me alimenta a fé e o amor a tudo que é vida vinda de Deus. O dia em que partir, não será mais para fugir e refugiar-me no nada, para abandonar um plano inferior por outro maior. Encontrei Deus em mim mesmo como em tudo à minha volta, tal como predisse Chico Xavier. E com Deus não há solidão. Não há desespero. Não há fracassos. Há apenas a certeza de que a passagem por este planeta Terra é apenas um momento rápido de aprendizado para aperfeiçoamento e volta ao UNO.

E isto devo a Pietro Ubaldi, que me entregou em mãos o recado de Jesus.

Nova Friburgo, Dezembro de 1989.


FLORENCE BERNARD (Pseudônimo da Sra. Lourdes Gonçalves, publicado no ano de 1995, com sua autorização)."