domingo, 27 de janeiro de 2019

Origens do Psiquismo e sua evolução, Conceito de Criação



A partir de uma questão formulada em um grupo do Facebook, "Onde fica a consciência, no cérebro ou no Espírito ?  que venho trazer estes tres capítulos do livro "A Grande Síntese". 

A leitura nos dá uma idéia, um rumo, para maiores estudos. 



62. AS ORIGENS DO PSIQUISMO


Vimos o aspecto conceptual da fase , a evolução do princípio diretor da vida. Observemos, agora, o aspecto prevalentemente dinâmico do devenir, em que se manifesta esse princípio. Vimos transformar-se o princípio básico da luta. Vejamos, então como se exprime essa transformação nas formas de um psiquismo crescente. As três forças que sustentam as leis de conservação e evolução e se manifestam nos impulsos — fome, amor e insaciabilidade do desejo — transformam profundamente a natureza do ser, paralelamente à transformação dos princípios, porque é sua exata expressão.


Se a finalidade da vida é a evolução, logo o objetivo da evolução, com sua tendência constante à realização máxima na fase vida é o psiquismo. Observemos como ele surge e se desen­volve até às formas superiores humanas. Um germe do psiquismo já existe, como vimos, na complexa estrutura cinética dos movi­mentos vorticosos. Desde esses primeiros sintomas, até o espírito do homem, passa-se por gradações sucessivas de desenvolvimento, através das formas vegetais e animais, cujos órgãos e formas são meras manifestações de um psiquismo progressivo. Esse psiquismo crescente, que rege todas as formas de vida, é um dos espetáculos mais maravilhosos apresentados por vosso universo. Nele reside a substância da vida e a essa substância mantemo-nos aderentes. Para nós, vida=, ao passo que suas formas constituem apenas veste exterior de um íntimo psiquismo. Evolução biológica é, para nós, evolução psíquica. Para compreender a evolução dos efeitos, é mister com­preender a evolução das causas. Para nós, zoologia e botânica são ciências de vida, não um catálogo de cadáveres, e consideramos as formas apenas enquanto são a expressão do conceito que as plasmou. Não as ligamos por parentela orgânica senão onde e en­quanto esta é indicadora de uma parentela psíquica mais substan­cial. Botânica e zoologia vós as reduzisteis a necrópoles, ao passo que são reinos palpitantes de vida, de sensibilidade, de atividade, de beleza.


Assim consideramos, desde o princípio, o problema da vida e o desenvolveremos até o fim, porque só desse modo podem ser resolvidos racionalmente todos os problemas biológicos, psí­quicos, e éticos. É absurdo conceber que as formas da vida sejam objetivos em si mesmas e sua evolução não possua finalidade nem continuação, justamente onde um eterno transformismo as precede nas fases e . A continuação da evolução orgânica só pode ocor­rer a partir da evolução psíquica, como de fato se realiza no ho­mem. Este psiquismo é a meta mais alta da vida. Seu desenvolvi­mento é o resultado final da permuta, da seleção, da transformação da espécie, de tão grande sabedoria, de tamanha luta, de tão alta tensão. Esse psiquismo fixa-se nos órgãos, nas formas; plasma-as, anima-as em todos os níveis, delas faz um meio para evoluir ainda mais. Nas formas da vida, o psiquismo se revela e se exprime, a partir das formas, observando-as podeis subir até o princípio psí­quico, à centelha que se agita em seu âmago. Tudo isso constitui um esforço, uma ascensão dolorosa, do protozoário ao homem, sempre subindo, até os mais altos cimos do psiquismo, onde se realiza a gênese do espírito, obra maravilhosa e progressiva, em que a Di­vindade, princípio infinito, está sempre presente num ato constante de criação.


No estudo dos movimentos vorticosos, vimos como eles contêm, em germe, o desenvolvimento das leis biológicas e como a estrutura íntima cinética da vida lhes permite, desde suas unidades primordiais, admitir em sua órbita impulsos de fora e conservar seus traços em suas subsequentes alterações cinéticas íntimas. Um cálculo exato de forças existe, pois, como base dessa capacidade de conservação dinâmica, que se tornará recordação atávica, base sobre a qual se elevará a lei da hereditariedade. O ambiente ex­terno, em que continuava a existir a matéria e a energia, ainda não elevadas à vida, representava um campo de intensa atividade ciné­tica e se a onda dinâmica degradada tinha — ao investir a íntima estrutura atômica — gerado a vida, o ambiente externo, saturado de impulsos, continha e representava uma riqueza inexaurível de im­pulsos aptos a introduzir-se e a combinar-se no vórtice vital.


Logo que surgiu, estabeleceu-se uma rede de ações e rea­ções entre a nova individuação e as forças do ambiente, desenvol­veu-se aquela cadeia de fenômenos, em que se apóia e progride a evolução, e são agrupados sob os nomes de assimilação, adaptação, hereditariedade, seleção. A vida, com seu mais intenso dinamismo, respondeu a todas as impressões dinâmicas provenientes do mundo exterior. Estabeleceu-se uma permuta de impulsos e respos­tas. A vida adaptava-se e assimilava, acima de tudo recor­dava, diferenciava-se, selecionava-se. O íntimo princípio cinético enriquecia-se e complicava-se, aumentava sua capacidade de as­similação. Não se trata do nascimento automático do mais com­plexo provindo do menos complexo; apenas os entrelaçamentos cinéticos mais complexos permitiam a manifestação do prin­cípio cinético, fechado em sua fase potencial. Direção, escolha, memória foram as primeiras manifestações daquele dinamismo que já agora assume os caracteres de psiquismo. Nasce a possibilidade de uma construção ideoplástica de órgãos. O princípio cinético, que emanou do vórtice íntimo, plasma para si os meios específicos para receber as impressões ambientais, isto é, os sentidos, infinitos, que progridem da planta ao homem, meio para alimentar a sensibi­lidade acrescida, devida à mais veloz mobilidade íntima do ser.



63. CONCEITO DE CRIAÇÃO


Compreendei bem meu pensamento, quando vos falo de desenvolvimento do psiquismo até a gênese do espírito, isto sem intervenção de uma força exterior, mas por um processo automá­tico. No meu sistema, a Substância, mesmo em suas formas inferio­res e , inclui, em estado potencial e latente, todas as infinitas possibilidades de um desenvolvimento ilimitado. Compreendei que uma criação exterior e antropomórfica é absurda. Não interpreteis mal meu pensamento, nem tenteis reconduzi-lo, à força, ao mate­rialismo, porque se lhe conserva a forma, dele se afasta enorme­mente na substância, chegando a coincidir nas conclusões, com o mais alto espiritualismo. Não digais: então a matéria pensa. Dizei que, na vida, a matéria, elevada a um grau mais alto de evolução, é veículo capaz, pela íntima elaboração sofrida, de produzir em maior medida o potencial nela incluído. É incomparavelmente mais científico, mais lógico e mais correspondente à realidade, este conceito da Divindade sempre presente e continuamente operando no âmago das coisas, precisamente na essência delas, do que o de uma Divindade que, num ato único, num momento determinado no tempo, à maneira de um ser humano, age fora de si, de forma imperfeita e, ao mesmo tempo, definitiva.
O Absoluto divino só existe no infinito. Sua manifestação (existir — manifestar-se) não pode ter tido um início. Em sua essência totalitária, ele não age no tempo, a não ser no sentido de um átimo de seu eterno devenir, no sentido de uma particular descida Sua no relativo, e neste sentido devem ser entendidas e são compreensíveis as Escrituras. Além disso, o fato de que verificais um transformismo incessante e uma progressiva suscetibilidade de aperfeiçoamento em todas as coisas, fala-vos claramente de uma criação progressiva, entendida como progressiva manifestação do conceito divino no mundo concreto e sensório dos efeitos. O conceito de prodígio, com o fito de correção e de retoque, é inerente apenas à fraqueza e à relatividade humanas, não pode aplicar-se ao Absoluto e à Divindade. 


Não pode alterar-se a perfeição da Lei para espetáculo humano. O milagre, compreendido como violação e refazimento de leis, não é prova de poder, mas um absurdo que não pode existir senão na ignorância humana. Não tomeis justamente essa concessão à vossa fraqueza, como base apologética das religiões, porque com esse contrasenso, diminuís, ao invés de reforçar a fé.


Vede que tudo o que existe provém de um princípio que age sempre, não de fora para dentro, mas de dentro para fora, princípio oculto no íntimo mistério do ser, que aparece como sua manifestação e expressão. Igualmente antropomórfica é a idéia do nada, inadmissível no Absoluto. Como poderão existir zonas externas ou zonas de vazio, senão no relativo? O fato que verificais, da indestrutibilidade e da eternidade da Substância, demonstra-vos o absurdo desse nada, que é apenas uma pseudo-idéia. Deus é o Absoluto e como tal não pode ter contrários nem pontos externos: nenhuma das características do relativo. Suas manifestações não podem ter princípio nem fim. No relativo podeis colocar uma fase de evolução, mas não o eterno devenir da Substância; no finito podeis colocar-vos a vós mesmos e os fenômenos de vosso concebível, mas não a Divindade e suas manifestações. Podereis chamar criação a um período do devenir e só então falar de princípio e de fim. Neste sentido falam as revelações.


Compreendei-me, pois, e não vos escandalizeis deste conceito religiosíssimo da gênese do espírito. Este não é princípio infuso de fora (esta foi a fórmula necessária à tradição mosaica, para que os povos primitivos pudessem compreender), mas é princípio que se desenvolve de dentro, exteriorizando-se daquele centro profundo, no qual deveis comprovar que está a essência das coisas e o porquê dos fenômenos. Deus é a grande força, conceito que age no íntimo das coisas. Desse íntimo expande-se nos períodos do relativo, num aperfeiçoamento progressivo, progressivamente manifestando sua perfeição. O universo permanece sempre Sua obra maravilhosa; todas as criaturas são sempre filhas Suas; tudo continua sempre efeito da Causa Suprema. Não pode haver blasfêmia nesta concepção; se não corresponde à letra das Escrituras, agiganta-lhes o conceito, eleva-as e lhes vivifica o espírito, até uma racionalidade de que o homem tem hoje absoluta necessidade, para que sua fé não se destrua.



Dizer que o universo contém sua própria criação, como momento de seu eterno devenir, é apenas demonstrar e tornar compreensível a onipresença divina. Tudo tem de reentrar na Divindade, caso contrário, esta constituiria uma “parte” e, portanto, seria incompleta. Se existem forças antagônicas, isto só pode ocorrer em Seu seio, no âmbito de Sua vontade, como parte do mecanismo do Seu querer, do esquema do Todo. Em verdade, a obra humana também é manifestação e expressão em que se realiza e se exterioriza, como na criação, um pensamento interior. Isto justifica a concepção antropomórfica, mas não leveis o paralelismo até conceber uma cisão, uma duplicidade absoluta entre Divindade e criação. Isto não pode ocorrer neste meu Monismo.


Não limiteis o conceito de Divindade a um ou a outro aspecto, pois esse conceito tem de ter a máxima extensão do concebível e muito mais. Não tenhais medo de diminuir-lhe a grandeza, dizendo que Deus é também o universo físico, porque este é apenas um átimo de seu eterno devenir em que Ele se manifesta. Onde vossa concepção é mais particular e relativa, a minha tende a manter compacto o todo, numa visão unitária, e fazer ressaltar os vínculos profundos que ligam princípio e forma. No caminhar das verdades progressivas, esta concepção continua, aperfeiçoa e eleva a vossa.
Deus é um infinito, e a essência de Sua manifestação vós a percebereis cada vez mais real, à medida que vossa capacidade perceptiva e conceptual souber penetrar o âmago das coisas. Deus é o princípio e Sua manifestação, ambos fundidos numa unidade indissolúvel; é o absoluto, o infinito, o eterno, que vedes apenas pulverizado no relativo, no finito, no progressivo. Deus é conceito e matéria, princípio e forma, causa e efeito, ligados, indivisíveis, como a realidade fenomênica vo-los apresenta, como a lógica vo-los demonstra, como dois momentos e dois extremos entre os quais se agita o universo.
Que maior profundidade ética e, ao mesmo tempo, verdade biológica (extremos que jamais soubesteis unir) existem nesta concepção: o corpo é o órgão da alma; não é o cérebro que pensa, mas o espírito por meio do cérebro; o corpo é veste caduca que a alma eterna constrói para si, para as necessidade de sua ascensão? Que maior altitude espiritual do que esta: cada forma existente, em perfeita fusão de pensamento e de ação, é manifestação divina, expressão daquele supremo princípio de uma centelha animadora, sem a qual qualquer organismo cairia repentinamente?


A matéria subsiste, como poderia ser destruída? Mas está fundida com o espírito num complexo poderoso; como serva fiel, ajudou-lhe o desenvolvimento, recebeu-lhe a gênese em seu seio materno. Depois, completada a criação, inclina-se diante do fruto de sua elaboração e continua sendo serva, porque se, no todo, o baixo está ligado com o alto em fraternidade de origem e de trabalho, cada individuação não pode ultrapassar seu nível. Assim, a matéria, na vida, permanece no grau intermediário, e jamais o ultrapassa. 

Depois deveis compreender que matéria, energia, vida e consciência, toda essa florescência incessante que do âmago se projeta para fora, não se deve a uma absurda gênese pela qual o mais se desenvolve do menos, o ser se cria do nada, embora automaticamente. Tudo isso é forma, aparência externa, é a manifestação sensível daquele devenir contínuo em que o Absoluto divino se realiza, projetando-se no relativo. Não penseis que os movimentos vorticosos, em que o complexo atômico transforma-se na vida, contenham e desenvolvam o espírito e o vosso pensamento, mas pensai que eles formam a mais complexa disciplina a que a matéria se submete, para poder produzir o princípio que a anima e corresponder ao impulso interior que a solicita sempre a evoluir.



TÉCNICA EVOLUTIVA DO PSIQUISMO E GÊNESE DO ESPÍRITO


Após termos enfrentado o problema da gênese da vida, encontramo-nos, agora, diante de um ainda mais formidável, o da gênese do espírito. É um fato que, a partir das primeiras unidades protoplasmáticas, filhas do raio globular para cima, protoplasma e célula possuem uma sensibilidade e uma capacidade de registrar impressões, devido à íntima estrutura da permuta química, pois, desde suas primeiras manifestações, a vida devia produzir fenômenos de psiquismo, embora muito rudimentar. A mobilidade, ainda que estável e elástica do sistema atômico da vida, era o meio mais adequado ao desenvolvimento e a progressiva expressão desse psiquismo.

Indagais, sem certeza, se a função cria o órgão ou se o órgão cria a função, porque ignorais o princípio da vida e não sabeis como interpretar-lhe os fenômenos. Nem um caso, nem o outro. Pois, o organismo é uma construção ideoplástica; ocorre logo que a maturação evolutiva do meio, matéria, permita a manifestação do princípio latente e este se manifeste diversamente, de acordo com as circuntâncias do ambiente, onde e como permitir-lhe o desenvolvimento do meio, de manifestação. Órgão e função, pois, surgem juntos, e seu progresso é recíproco, devido a um apoio mútuo do órgão sobre a função que o desenvolve e da função sobre o órgão que a aperfeiçoa. Assim, a consciência não cria a vida, nem a vida cria a consciência, mas ambas trabalham e ajudam-se mutuamente a vir à luz: o princípio plasmando e desenvolvendo para si uma forma cada vez mais adequada à sua manifestação e a vida fixando esse impulso e organizando-se para maior perfeição. O princípio move a matéria, torna-a cada vez mais aderente à sua expressão; nesse trabalho se reforça, expande-se e se manifesta mais poderosa. Enquanto a vida é o efeito de um dinamismo íntimo organizador, constitui ao mesmo tempo o campo em que esse dinamismo se exercita e se desenvolve. Se a modelação das formas não proviesse de um princípio interno, não veríeis esse crescimento provir sempre de dentro, indo da reprodução dos tecidos, por vezes de órgãos inteiros, até a formação dos organismos adultos.
Em sua íntima estrutura cinética, a vida conserva a memória das ações e reações dinâmicas anteriores, concentra em si os traços marcantes e pode realizá-los todos. Assim é possível a concentração de toda a arquitetura de um organismo em um germe, sua reconstrução completa a partir da semente até a forma adulta. Toda a evolução vos apresenta o espetáculo desse processo de centralização e descentralização cinética que, no caso da semente, é como se o tocásseis com a mão. Nela, o movimento conserva todas as características de seu tipo; o germe conserva em seu âmago uma estrutura indelével e a lembrança do passado vivido, que terá de reproduzir intacto; já o organismo maduro terá a capacidade de modificá-lo mas somente em escala mínima; então, ele assimilará essa modificação e a transmitirá ao novo germe.


Os resultados da experiência da vida, em qualquer nível, gravitam para dentro; lá são destilados os valores, resumidos os totais e processada a síntese da ação. Para lá descem, em camadas sucessivas, os produtos da vida. O psiquismo fica em crescimento constante porque em redor do primeiro núcleo depositam-se, por superposição progressiva, os valores, os totais e as sínteses da vida. Assim, a consciência, embora em graus muito diferentes, é um fato universal em biologia; seu desenvolvimento, por adição dos resultados de experiências (variações cinéticas introduzidas na unidade vorticosa), é o resultado do fenômeno da vida. De um a outro extremo da vida (embora a consciência só apareça com intensidade nos organismos superiores onde, para divisão do trabalho, ela constrói para si órgãos particulares), a consciência, todavia, está sempre presente, desde a consciência elementar dos proto-organismos até o espírito humano, o sistema de seu desenvolvimento é idêntico e constante. O centro enriquece-se em qualidade e em potência. Com isso adquire a capacidade de construir para si órgãos cada vez mais adequados a exprimir sua mais complexa estrutura. Assim, princípio e forma, mutuamente ativos e passivos sob o aguilhão dos choques das forças ambientais, sob o estímulo do impulso íntimo que, por lei de evolução, forceja por exteriorizar-se, evoluem gradualmente; pela tensão desse contraste desponta do mistério do ser à luz, do pólo consciência ao pólo forma, a manifestação da vida. 

Desde a primeira forma protoplasmática, a vida tinha de possuir uma consciência orgânica própria, embora rudimentar. Sem isso não poderia subsistir aquela primitiva permuta. Se vida = permuta e permuta = psiquismo, então a vida = psiquismo. Essa primordial consciência orgânica, em que já estão presentes as leis fundamentais da vida, está em toda a parte, em qualquer organismo. Desenvolvida na complexa estrutura cinética dos movimentos vorticosos, já era integrante da vida em seu primeiro nascer, como substrato fundamental de todos os crescimentos futuros. Essa consciência orgânica tornar-se-á inteligência orgânica e instinto; finalmente, ascenderá à consciência psíquica e abstrata no homem.

Desde as primeiras formas, a matéria possui as propriedades psíquicas fundamentais, os elementos dessa consciência, inseparável da vida, porque é a essência e a condição dela. A ameba já possui todas as propriedades básicas biológicas: metabolismo, movimento, respiração, digestão, secreção, sensibilidade, reprodução e psiquismo. A técnica da vida já lançou suas bases e as grandes linhas arquitetônicas estão traçadas. O desenvolvimento se produz em todos os níveis, de acordo com a mesma técnica da transmissão ao centro psíquico já constituído, e do crescimento desse núcleo pela estratificação em torno dele das capacidades sucessivamente adquiridas. A repetição de uma reação, como resposta a uma ação exterior constante, tende a fixar-se na trajetória íntima como nova forma.
A vida, ansiosa por expandir-se e evoluir, mantém seus braços abertos às forças ambientais, que são introduzidas em grande quantidade; as reações multiplicam-se e a consciência, ávida de sensações, enriquece-se e aperfeiçoa-se. Complica-se sua estrutura; nada se perde, nem um ato, nem uma prova passam sem deixar sua marca. Transforma-se a consciência primordial, a forma que a reveste, o ambiente que a circunda, num processo lento de ajustamentos contínuos. O ser torna-se cada vez mais sábio por ter vivido, pelas experiências acumuladas; especializa sua capacidade. Nasce o instinto e uma consciência mais complexa que lembra, sabe e prevê.

Subamos, ainda, até o homem. Os substratos precedentes subsistem: a consciência orgânica, obscura, automática, mas presente, porque em funcionamento, embora abandonada na profundeza do ser; o instinto vivo, presente, como nos animais, sábio e memorioso. Mas acrescenta-se nova estratificação: a razão, a inteligência, aquele feixe de faculdades psíquicas que formam a consciência propriamente dita. Assim como o germe sintetiza todo o organismo que produzirá, também a vida sempre se refaz para recomeçar de novo, repetindo em cada forma o ciclo percorrido em toda a evolução precedente — como fenômeno orgânico e como fenômeno psíquico — assim, o homem resume em si todas as consciências inferiores; cada célula possui sua pequena consciência, que preside ao seu metabolismo, em cada tecido, em cada órgão; uma consciência coletiva mais alta que lhe dirige o funcionamento; todo o organismo é dirigido pelos instintos, que regem e conservam a vida animal.


65. INSTINTO E CONSCIÊNCIA  

TÉCNICA DOS AUTOMATISMOS

Não vos admireis disto, pois conheceis somente uma pequena parte de vós mesmos. O funcionamento orgânico não ocorre fora de vossa consciência, confiado a unidades de consciências inferiores, situada fora delas? A economia que a lei do menor esforço impõe, limita a consciência humana ao âmbito em que se realiza o trabalho útil das construções. O que foi vivido e definitivamente assimilado é abandonado aos substratos da consciência, zona que podeis chamar de subconsciente. Por isso, o processo de assimilação, base do desenvolvimento da consciência, realiza-se justamente por transmissão ao subconsciente, em que tudo fica, mesmo se esquecido, pronto para ressurgir se um impulso a excita, ou um fato o exija.


O subconsciente é exatamente a zona dos instintos, das idéias inatas, das qualidades adquiridas; é o passado superado, inferior, mas adquirido (misoneísmo). Aí depositam-se todos os produtos substanciais da vida; nessa zona encontrais o que fosteis e o que fizesteis; reencontrais o caminho seguido na construção de vós mesmos, tal como nas estratificações geológicas reencontrais a vida vivida pelo planeta. A transmissão ao subconsciente ocorre justamente através da repetição constante. Então dizeis que o hábito transforma um ato consciente num ato inconsciente; com ele forma uma segunda natureza. Este é o método da educação. Palavras comuns que exprimem exatamente a substância do fenômeno. Podeis, assim, com a educação, o estudo, o hábito, construir-vos a vós mesmos. Logo que um ato é assimilado, a economia da natureza o deixa fora da consciência, porque, para subsistir, não mais precisa que ela o dirija. Logo que uma qualidade é apreendida, também é abandonada aos automatismos, em forma de instinto, de caráter que se fixou na personalidade.


Não se trata de extinção nem de perda, porque tudo subsiste e está presente e ativo, se não na consciência, pelo menos indubitavelmente no funcionamento da vida, e continua a produzir todo o seu rendimento. Somente é eliminado da zona da consciência, porque agora já pode funcionar sozinho, deixando o Eu em repouso. A qualidade assimilada e transmitida ao subconsciente cessa de ser fadiga e se torna necessidade, instinto. O impulso impresso na matéria fica e quando reaparece, exprime-se como vontade autônoma de continuar na sua direção, como criatura psíquica independente, criada por obra vossa; mas, agora, quer viver sua vida. Dessa maneira, a consciência representa apenas aquela zona da personalidade em que ocorre o esforço da construção do Eu e de sua ulterior dilatação. Em outros termos: limita-se unicamente à zona de trabalho, e é lógico. O consciente compreende somente a fase ativa, única que sentis e conheceis, porque é a fase em que viveis e trabalha a evolução13.


Agora, podeis compreender algumas características inexplicáveis do instinto, assim como sua maravilhosa perfeição. No instinto, a assimilação está terminada. Então o fenômeno não está em formação, mas já atingiu sua última fase de perfeição. Por isso, o instinto é tenaz e sábio: existe por hereditariedade e sem aprendizado, justamente porque esse já ocorreu; age sem reflexão (tanto no animal, como no homem), exatamente porque já refletiu bastante. Foi superada a fase de formação, o ato reflexivo é inútil e é eliminado; a repetição constante cristalizou o automatismo numa forma que corresponde perfeitamente às forças ambientais; estas agiram de maneira constante.
Cálculo de forças, adaptações, ações e reações, sensibilidade e registro, concorrem para o transformismo. No crisol das formações estavam misturadas, em ebulição, forças reguladas, cada uma por um inato princípio-lei, próprio, perfeito; o resultado tinha de ser perfeito e exato. O princípio diretor, que garantia a constância das ações e condições ambientais, permitiu a estabilização de reações constantes no instinto e, portanto, a correspondência deste com o ambiente.
Compreendeis, agora, a estupenda presciência do instinto e da infinita série de experiências, incertezas e tentativas, de que ela resulta. O indivíduo deve ter aprendido alguma vez essa ciência, porque do nada, nada nasce; deve ter experimentado a constância das leis ambientais pressupostas, a que correspondem seus órgãos, para as quais ele é feito e proporcionado. Sem uma série infinita de contatos, de experiências e adaptações no período de formações, não se explica uma tão perfeita correspondência de órgãos e instintos, antecipados à ação, dentro de uma natureza que avança por tentativas, e nem se explica sua hereditariedade. No instinto, a sabedoria já está conquistada; foi superada a fase de tentativas e a necessidade de submeter-se a uma linha lógica que, oferecendo várias soluções, demonstra a fase insegura e incerta dos atos raciocinados, onde o instinto conhece um só caminho, o melhor.


A razão cobre um campo muito mais extenso que o limitado pelo instinto (nisto o homem supera o animal, dominando zonas que ele ignora). Entretanto, em seu pequeno campo, o instinto atingiu um grau de amadurecimento mais adiantado, expresso pela segurança dos atos, e um grau de perfeição ainda não alcançado por nenhuma razão humana. Esta, nas tentativas, revela as características evidentes da fase de formação. Da mesma forma que o animal raciocinou rudimentarmente no período da construção de seu instinto, assim a razão humana, terminada a formação; alcançará um instinto complexo e maravilhoso, que revelará sabedoria muito mais profunda.
No homem, conserva-se todo o instinto animal, de que a razão é mera continuação. Agora podeis compreender que instinto e razão são simplesmente duas fases de consciência, a primeira já superada e, portanto, funcionando automaticamente; a segunda, em vias de formação. Não coloqueis os dois momentos do mesmo processo evolutivo em antagonismo. No homem, não apenas sobrevive todo o instinto do animal, como também a formação de novos instintos não cessa, tal como ocorreu para aquele e com o mesmo sistema, embora muito mais rapidamente, em vista da potência psíquica do homem, e num nível muito mais alto, em virtude da complexidade de seu psiquismo. Da mesma forma que, no homem, a fase instinto é inconsciente e a fase razão consciente, assim no animal, além do instinto inconsciente, existe pequena zona de formação, portanto, consciente e racional, embora de consciência e racionalidade primitivas. Se observardeis, vereis que nem todos os atos dos animais estão cristalizados no instinto, existe sempre uma porta aberta para novas aquisições (aprendizado, domesticação etc.).


Entre a planta, o animal e o homem só existe a diferença devida ao caminho maior ou menor que foi percorrido. Pensais quanta parte de vós mesmos está confiada aos automatismos, como também a racionalidade humana tende a cristalizar-se em atitudes instintivas, como passa a ser instinto tudo o que foi profundamente conquistado.


Existe, pois, uma zona obscura do subconsciente e uma zona lúcida do consciente. Além disso, há uma terceira zona, a do superconsciente, em que tudo são expectativas, preparando-se as conquistas do amanhã: fase possuída apenas como pressentimento e contida, em germe, nas causas que atuam no presente, de que ele representa o desenvolvimento. Zonas que, em sua amplitude e posição, são relativas ao ser, de acordo com seu grau de desenvolvimento. Variam grandemente também no homem, conforme sua evolução pessoal, os limites do consciente. Aquilo que é consciente ou superconsciente para alguns, pode ser subconsciente (ou seja, caminho percorrido e experiências adquiridas) para outros mais adiantados. Esses limites variam, também, durante a vida do mesmo indivíduo, pois a vida é justamente o período das aquisições e transformações de consciência. A idade mais adequada a essas aquisições — em outras palavras, mais susceptível de educação — é a juventude. A consciência, refeita pelo repouso, é mais propensa à assimilação, ao estabelecimento de novos automatismos, que depois se fixarão indelevelmente no caráter; os primeiros, serão os mais profundos e mais resistentes.


Reassumindo rapidamente todo o caminho percorrido pela evolução, a zona da consciência tende sempre a subir, deslocando-se para o superconsciente; educação, hábitos bons e maus, tudo se fixa em automatismos transmitidos ao subconsciente. A fase lúcida do trabalho construtivo se transfere para campos mais elevados e mais profundos, para o âmago do ser, na assimilação de qualidades espirituais.


Assim nada se perde de todas as dores e lutas da vida, de todo bem e mal praticados. Não se perde fora de vós, pelo princípio de causa e efeito; não se perde dentro de vós, pelo princípio de transmissão ao subconsciente. A herança de vossas culpas como de vossos merecimentos, o resultado de todas as vossas fraquezas ou esforços, vós os carregais sempre convosco, de acordo com o que quisesteis. A assimilação por automatismos e a transmissão ao subconsciente é o meio de transmissão para a eternidade das qualidades adquiridas, fruto de vosso trabalho. Cada ato tem um eco e deixa u’a marca. A técnica dos automatismos reside em vossa experiência cotidiana, na aquisição de cada habilidade mecânica ou psíquica. A objeção que poderíeis levantar contra a teoria da assimilação, por automatismos, das experiências vividas (isto é, perde-se um hábito por falta de uso) não vale, porque o que se transmite ao subconsciente é a aptidão e não o conhecimento. Vede que aquela permanece, mesmo quando o conhecimento esvanece pelo desuso, e sabe reconstruir rapidamente o que parece destruído. Daí todas as diversíssimas capacidades inatas, às quais tanto deve a vida, doutra forma não teriam explicação. Se a repetição de inumeráveis atos de defesa deu ao animal o instinto da defesa, o agir moralmente conferirá ao homem hábitos morais; o pensamento desenvolve e enriquece a inteligência. Tendes, assim, um meio para poderdes retificar, continuamente, a substância de vossa personalidade: vós mesmos podeis plasmá-la para o bem ou para o mal. Assim, vosso destino, produzido pelas qualidades que assimilasteis, constituído e cercado pelas forças que movesteis, pode sempre sofrer retoques por vossas próprias mãos. Assim, o férreo determinismo, imposto pela lei de causalidade, abre-se na zona das formações estendidas para o futuro, num campo em que domina, unicamente, vosso livre-arbítrio, senhor da escolha, que mais tarde, salvo ulteriores correções, vos prenderá, por sua vez, na mesma lei de causalidade.