A partir de uma questão formulada em um grupo do Facebook, "Onde fica a consciência, no cérebro ou no Espírito ? que venho trazer estes tres capítulos do livro "A Grande Síntese".
A leitura nos dá uma idéia, um rumo, para maiores estudos.
62. AS ORIGENS DO PSIQUISMO
Vimos o aspecto conceptual da fase ,
a evolução do princípio diretor da vida. Observemos, agora, o
aspecto prevalentemente dinâmico do devenir, em que se manifesta
esse princípio. Vimos transformar-se o princípio básico da luta.
Vejamos, então como se exprime essa transformação nas formas de um
psiquismo crescente. As três forças que sustentam as leis de
conservação e evolução e se manifestam nos impulsos — fome,
amor e insaciabilidade do desejo — transformam profundamente a
natureza do ser, paralelamente à transformação dos princípios,
porque é sua exata expressão.
Se a finalidade da vida é a evolução, logo o objetivo da
evolução, com sua tendência constante à realização máxima na
fase vida é o psiquismo. Observemos como ele surge e se
desenvolve até às formas superiores humanas. Um germe do
psiquismo já existe, como vimos, na complexa estrutura cinética dos
movimentos vorticosos. Desde esses primeiros sintomas, até o
espírito do homem, passa-se por gradações sucessivas de
desenvolvimento, através das formas vegetais e animais, cujos órgãos
e formas são meras manifestações de um psiquismo progressivo. Esse
psiquismo crescente, que rege todas as formas de vida, é um dos
espetáculos mais maravilhosos apresentados por vosso universo. Nele
reside a substância da vida e a essa substância mantemo-nos
aderentes. Para nós, vida=,
ao passo que suas formas constituem apenas veste exterior de um
íntimo psiquismo. Evolução biológica é, para nós, evolução
psíquica. Para compreender a evolução dos efeitos, é mister
compreender a evolução das causas. Para nós, zoologia e
botânica são ciências de vida, não um catálogo de cadáveres, e
consideramos as formas apenas enquanto são a expressão do conceito
que as plasmou. Não as ligamos por parentela orgânica senão onde e
enquanto esta é indicadora de uma parentela psíquica mais
substancial. Botânica e zoologia vós as reduzisteis a
necrópoles, ao passo que são reinos palpitantes de vida, de
sensibilidade, de atividade, de beleza.
Assim consideramos, desde o princípio, o problema da vida e o
desenvolveremos até o fim, porque só desse modo podem ser
resolvidos racionalmente todos os problemas biológicos, psíquicos,
e éticos. É absurdo conceber que as formas da vida sejam objetivos
em si mesmas e sua evolução não possua finalidade nem continuação,
justamente onde um eterno transformismo as precede nas fases
e . A continuação da
evolução orgânica só pode ocorrer a partir da evolução
psíquica, como de fato se realiza no homem. Este psiquismo é
a meta mais alta da vida. Seu desenvolvimento é o resultado
final da permuta, da seleção, da transformação da espécie, de
tão grande sabedoria, de tamanha luta, de tão alta tensão. Esse
psiquismo fixa-se nos órgãos, nas formas; plasma-as, anima-as em
todos os níveis, delas faz um meio para evoluir ainda mais. Nas
formas da vida, o psiquismo se revela e se exprime, a partir das
formas, observando-as podeis subir até o princípio psíquico,
à centelha que se agita em seu âmago. Tudo isso constitui um
esforço, uma ascensão dolorosa, do protozoário ao homem, sempre
subindo, até os mais altos cimos do psiquismo, onde se realiza a
gênese do espírito, obra maravilhosa e progressiva, em que a
Divindade, princípio infinito, está sempre presente num ato
constante de criação.
No estudo dos movimentos vorticosos, vimos como eles contêm, em
germe, o desenvolvimento das leis biológicas e como a estrutura
íntima cinética da vida lhes permite, desde suas unidades
primordiais, admitir em sua órbita impulsos de fora e conservar seus
traços em suas subsequentes alterações cinéticas íntimas. Um
cálculo exato de forças existe, pois, como base dessa capacidade de
conservação dinâmica, que se tornará recordação atávica, base
sobre a qual se elevará a lei da hereditariedade. O ambiente
externo, em que continuava a existir a matéria e a energia,
ainda não elevadas à vida, representava um campo de intensa
atividade cinética e se a onda dinâmica degradada tinha — ao
investir a íntima estrutura atômica — gerado a vida, o ambiente
externo, saturado de impulsos, continha e representava uma riqueza
inexaurível de impulsos aptos a introduzir-se e a combinar-se
no vórtice vital.
Logo que surgiu, estabeleceu-se uma rede de ações e reações
entre a nova individuação e as forças do ambiente, desenvolveu-se
aquela cadeia de fenômenos, em que se apóia e progride a evolução,
e são agrupados sob os nomes de assimilação, adaptação,
hereditariedade, seleção. A vida, com seu mais intenso dinamismo,
respondeu a todas as impressões dinâmicas provenientes do mundo
exterior. Estabeleceu-se uma permuta de impulsos e respostas. A
vida adaptava-se e assimilava, acima de tudo recordava,
diferenciava-se, selecionava-se. O íntimo princípio cinético
enriquecia-se e complicava-se, aumentava sua capacidade de
assimilação. Não se trata do nascimento automático do mais
complexo provindo do menos complexo; apenas os entrelaçamentos
cinéticos mais complexos permitiam a manifestação do princípio
cinético, fechado em sua fase potencial. Direção, escolha, memória
foram as primeiras manifestações daquele dinamismo que já agora
assume os caracteres de psiquismo. Nasce a possibilidade de uma
construção ideoplástica de órgãos. O princípio cinético, que
emanou do vórtice íntimo, plasma para si os meios específicos para
receber as impressões ambientais, isto é, os sentidos, infinitos,
que progridem da planta ao homem, meio para alimentar a
sensibilidade acrescida, devida à mais veloz mobilidade íntima
do ser.
Compreendei bem meu pensamento, quando vos falo de desenvolvimento
do psiquismo até a gênese do espírito, isto sem intervenção de
uma força exterior, mas por um processo automático. No meu
sistema, a Substância, mesmo em suas formas inferiores
e , inclui, em estado
potencial e latente, todas as infinitas possibilidades de um
desenvolvimento ilimitado. Compreendei que uma criação exterior e
antropomórfica é absurda. Não interpreteis mal meu pensamento, nem
tenteis reconduzi-lo, à força, ao materialismo, porque se lhe
conserva a forma, dele se afasta enormemente na substância,
chegando a coincidir nas conclusões, com o mais alto espiritualismo.
Não digais: então a matéria pensa. Dizei que, na vida, a matéria,
elevada a um grau mais alto de evolução, é veículo capaz,
pela íntima elaboração sofrida, de produzir em maior medida o
potencial nela incluído. É incomparavelmente mais científico,
mais lógico e mais correspondente à realidade, este conceito da
Divindade sempre presente e continuamente operando no âmago das
coisas, precisamente na essência delas, do que o de uma
Divindade que, num ato único, num momento determinado no
tempo, à maneira de um ser humano, age fora de si, de forma
imperfeita e, ao mesmo tempo, definitiva.
O Absoluto divino só existe no infinito. Sua manifestação
(existir — manifestar-se) não pode ter tido um início. Em
sua essência totalitária, ele não age no tempo, a não ser
no sentido de um átimo de seu eterno devenir, no sentido de uma
particular descida Sua no relativo, e neste sentido devem ser
entendidas e são compreensíveis as Escrituras. Além disso, o fato
de que verificais um transformismo incessante e uma progressiva
suscetibilidade de aperfeiçoamento em todas as coisas, fala-vos
claramente de uma criação progressiva, entendida como progressiva
manifestação do conceito divino no mundo concreto e sensório dos
efeitos. O conceito de prodígio, com o fito de correção e
de retoque, é inerente apenas à fraqueza e à relatividade
humanas, não pode aplicar-se ao Absoluto e à Divindade.
Não pode alterar-se a perfeição da Lei para espetáculo humano. O
milagre, compreendido como violação e refazimento de leis, não é
prova de poder, mas um absurdo que não pode existir senão na
ignorância humana. Não tomeis justamente essa concessão à vossa
fraqueza, como base apologética das religiões, porque com esse
contrasenso, diminuís, ao invés de reforçar a fé.
Vede que tudo o que existe provém de um princípio que age sempre,
não de fora para dentro, mas de dentro para fora, princípio
oculto no íntimo mistério do ser, que aparece como sua manifestação
e expressão. Igualmente antropomórfica é a idéia do nada,
inadmissível no Absoluto. Como poderão existir zonas externas
ou zonas de vazio, senão no relativo? O fato que verificais, da
indestrutibilidade e da eternidade da Substância, demonstra-vos o
absurdo desse nada, que é apenas uma pseudo-idéia. Deus é o
Absoluto e como tal não pode ter contrários nem pontos externos:
nenhuma das características do relativo. Suas manifestações não
podem ter princípio nem fim. No relativo podeis colocar uma fase de
evolução, mas não o eterno devenir da Substância; no finito
podeis colocar-vos a vós mesmos e os fenômenos de vosso concebível,
mas não a Divindade e suas manifestações. Podereis chamar criação
a um período do devenir e só então falar de princípio e de
fim. Neste sentido falam as revelações.
Compreendei-me, pois, e não vos escandalizeis deste conceito
religiosíssimo da gênese do espírito. Este não é
princípio infuso de fora (esta foi a fórmula necessária à
tradição mosaica, para que os povos primitivos pudessem
compreender), mas é princípio que se desenvolve de
dentro, exteriorizando-se daquele centro profundo, no qual deveis
comprovar que está a essência das coisas e o porquê dos fenômenos.
Deus é a grande força, conceito que age no íntimo das coisas.
Desse íntimo expande-se nos períodos do relativo, num
aperfeiçoamento progressivo, progressivamente manifestando sua
perfeição. O universo permanece sempre Sua obra maravilhosa; todas
as criaturas são sempre filhas Suas; tudo continua sempre efeito da
Causa Suprema. Não pode haver blasfêmia nesta concepção; se não
corresponde à letra das Escrituras, agiganta-lhes o conceito,
eleva-as e lhes vivifica o espírito, até uma racionalidade de que o
homem tem hoje absoluta necessidade, para que sua fé não se
destrua.
Dizer que o universo contém sua própria criação, como momento de
seu eterno devenir, é apenas demonstrar e tornar compreensível a
onipresença divina. Tudo tem de reentrar na Divindade, caso
contrário, esta constituiria uma “parte” e, portanto, seria
incompleta. Se existem forças antagônicas, isto só pode ocorrer
em Seu seio, no âmbito de Sua vontade, como parte do mecanismo
do Seu querer, do esquema do Todo. Em verdade, a obra humana também
é manifestação e expressão em que se realiza e se exterioriza,
como na criação, um pensamento interior. Isto justifica a concepção
antropomórfica, mas não leveis o paralelismo até conceber uma
cisão, uma duplicidade absoluta entre Divindade e criação. Isto
não pode ocorrer neste meu Monismo.
Não limiteis o conceito de Divindade a um ou a outro aspecto, pois
esse conceito tem de ter a máxima extensão do concebível e muito
mais. Não tenhais medo de diminuir-lhe a grandeza, dizendo que Deus
é também o universo físico, porque este é apenas um átimo de seu
eterno devenir em que Ele se manifesta. Onde vossa concepção é
mais particular e relativa, a minha tende a manter compacto o todo,
numa visão unitária, e fazer ressaltar os vínculos profundos
que ligam princípio e forma. No caminhar das verdades
progressivas, esta concepção continua, aperfeiçoa e eleva a vossa.
Deus é um infinito, e a essência de Sua manifestação vós a
percebereis cada vez mais real, à medida que vossa capacidade
perceptiva e conceptual souber penetrar o âmago das coisas. Deus é
o princípio e Sua manifestação, ambos fundidos numa unidade
indissolúvel; é o absoluto, o infinito, o eterno, que vedes apenas
pulverizado no relativo, no finito, no progressivo. Deus é conceito
e matéria, princípio e forma, causa e efeito, ligados,
indivisíveis, como a realidade fenomênica vo-los apresenta, como a
lógica vo-los demonstra, como dois momentos e dois extremos entre os
quais se agita o universo.
Que maior profundidade ética e, ao mesmo tempo, verdade biológica
(extremos que jamais soubesteis unir) existem nesta concepção: o
corpo é o órgão da alma; não é o cérebro que pensa, mas o
espírito por meio do cérebro; o corpo é veste caduca que a alma
eterna constrói para si, para as necessidade de sua ascensão? Que
maior altitude espiritual do que esta: cada forma existente, em
perfeita fusão de pensamento e de ação, é manifestação divina,
expressão daquele supremo princípio de uma centelha animadora, sem
a qual qualquer organismo cairia repentinamente?
A matéria subsiste, como poderia ser destruída? Mas está fundida
com o espírito num complexo poderoso; como serva fiel, ajudou-lhe o
desenvolvimento, recebeu-lhe a gênese em seu seio materno. Depois,
completada a criação, inclina-se diante do fruto de sua elaboração
e continua sendo serva, porque se, no todo, o baixo está ligado com
o alto em fraternidade de origem e de trabalho, cada individuação
não pode ultrapassar seu nível. Assim, a matéria, na vida,
permanece no grau intermediário, e jamais o ultrapassa.
Depois deveis compreender que matéria, energia, vida e consciência,
toda essa florescência incessante que do âmago se projeta para
fora, não se deve a uma absurda gênese pela qual o mais se
desenvolve do menos, o ser se cria do nada, embora automaticamente.
Tudo isso é forma, aparência externa, é a manifestação
sensível daquele devenir contínuo em que o Absoluto divino se
realiza, projetando-se no relativo. Não penseis que os
movimentos vorticosos, em que o complexo atômico transforma-se na
vida, contenham e desenvolvam o espírito e o vosso pensamento, mas
pensai que eles formam a mais complexa disciplina a que a matéria se
submete, para poder produzir o princípio que a anima e corresponder
ao impulso interior que a solicita sempre a evoluir.
Após termos enfrentado o problema da gênese da vida,
encontramo-nos, agora, diante de um ainda mais formidável, o da
gênese do espírito. É um fato que, a partir das primeiras unidades
protoplasmáticas, filhas do raio globular para cima, protoplasma e
célula possuem uma sensibilidade e uma capacidade de registrar
impressões, devido à íntima estrutura da permuta química, pois,
desde suas primeiras manifestações, a vida devia produzir fenômenos
de psiquismo, embora muito rudimentar. A mobilidade, ainda que
estável e elástica do sistema atômico da vida, era o meio mais
adequado ao desenvolvimento e a progressiva expressão desse
psiquismo.
Indagais, sem certeza, se a função cria o órgão ou se o órgão
cria a função, porque ignorais o princípio da vida e não sabeis
como interpretar-lhe os fenômenos. Nem um caso, nem o outro. Pois, o
organismo é uma construção ideoplástica; ocorre logo que a
maturação evolutiva do meio, matéria, permita a manifestação do
princípio latente e este se manifeste diversamente, de acordo com as
circuntâncias do ambiente, onde e como permitir-lhe o
desenvolvimento do meio, de manifestação. Órgão e função, pois,
surgem juntos, e seu progresso é recíproco, devido a um apoio mútuo
do órgão sobre a função que o desenvolve e da função sobre o
órgão que a aperfeiçoa. Assim, a consciência não cria a vida,
nem a vida cria a consciência, mas ambas trabalham e ajudam-se
mutuamente a vir à luz: o princípio plasmando e desenvolvendo para
si uma forma cada vez mais adequada à sua manifestação e a vida
fixando esse impulso e organizando-se para maior perfeição. O
princípio move a matéria, torna-a cada vez mais aderente à sua
expressão; nesse trabalho se reforça, expande-se e se manifesta
mais poderosa. Enquanto a vida é o efeito de um dinamismo íntimo
organizador, constitui ao mesmo tempo o campo em que esse dinamismo
se exercita e se desenvolve. Se a modelação das formas não
proviesse de um princípio interno, não veríeis esse crescimento
provir sempre de dentro, indo da reprodução dos tecidos, por vezes
de órgãos inteiros, até a formação dos organismos adultos.
Em sua íntima estrutura cinética, a vida conserva a memória das
ações e reações dinâmicas anteriores, concentra em si os traços
marcantes e pode realizá-los todos. Assim é possível a
concentração de toda a arquitetura de um organismo em um germe, sua
reconstrução completa a partir da semente até a forma adulta. Toda
a evolução vos apresenta o espetáculo desse processo de
centralização e descentralização cinética que, no caso da
semente, é como se o tocásseis com a mão. Nela, o movimento
conserva todas as características de seu tipo; o germe conserva em
seu âmago uma estrutura indelével e a lembrança do passado vivido,
que terá de reproduzir intacto; já o organismo maduro terá a
capacidade de modificá-lo mas somente em escala mínima; então, ele
assimilará essa modificação e a transmitirá ao novo germe.
Os resultados da experiência da vida, em qualquer nível, gravitam
para dentro; lá são destilados os valores, resumidos os totais
e processada a síntese da ação. Para lá descem, em camadas
sucessivas, os produtos da vida. O psiquismo fica em crescimento
constante porque em redor do primeiro núcleo depositam-se, por
superposição progressiva, os valores, os totais e as sínteses da
vida. Assim, a consciência, embora em graus muito diferentes, é um
fato universal em biologia; seu desenvolvimento, por adição dos
resultados de experiências (variações cinéticas introduzidas na
unidade vorticosa), é o resultado do fenômeno da vida. De um a
outro extremo da vida (embora a consciência só apareça com
intensidade nos organismos superiores onde, para divisão do
trabalho, ela constrói para si órgãos particulares), a
consciência, todavia, está sempre presente, desde a consciência
elementar dos proto-organismos até o espírito humano, o sistema de
seu desenvolvimento é idêntico e constante. O centro enriquece-se
em qualidade e em potência. Com isso adquire a capacidade de
construir para si órgãos cada vez mais adequados a exprimir sua
mais complexa estrutura. Assim, princípio e forma, mutuamente ativos
e passivos sob o aguilhão dos choques das forças ambientais, sob o
estímulo do impulso íntimo que, por lei de evolução, forceja por
exteriorizar-se, evoluem gradualmente; pela tensão desse contraste
desponta do mistério do ser à luz, do pólo consciência ao pólo
forma, a manifestação da vida.
Desde a primeira forma protoplasmática, a vida tinha de possuir uma
consciência orgânica própria, embora rudimentar. Sem isso não
poderia subsistir aquela primitiva permuta. Se vida = permuta e
permuta = psiquismo, então a vida = psiquismo. Essa primordial
consciência orgânica, em que já estão presentes as leis
fundamentais da vida, está em toda a parte, em qualquer organismo.
Desenvolvida na complexa estrutura cinética dos movimentos
vorticosos, já era integrante da vida em seu primeiro nascer, como
substrato fundamental de todos os crescimentos futuros. Essa
consciência orgânica tornar-se-á inteligência orgânica e
instinto; finalmente, ascenderá à consciência psíquica e abstrata
no homem.
Desde as primeiras formas, a matéria possui as propriedades
psíquicas fundamentais, os elementos dessa consciência, inseparável
da vida, porque é a essência e a condição dela. A ameba já
possui todas as propriedades básicas biológicas: metabolismo,
movimento, respiração, digestão, secreção, sensibilidade,
reprodução e psiquismo. A técnica da vida já lançou suas bases e
as grandes linhas arquitetônicas estão traçadas. O desenvolvimento
se produz em todos os níveis, de acordo com a mesma técnica da
transmissão ao centro psíquico já constituído, e do crescimento
desse núcleo pela estratificação em torno dele das capacidades
sucessivamente adquiridas. A repetição de uma reação, como
resposta a uma ação exterior constante, tende a fixar-se na
trajetória íntima como nova forma.
A vida, ansiosa por expandir-se e evoluir, mantém seus braços
abertos às forças ambientais, que são introduzidas em grande
quantidade; as reações multiplicam-se e a consciência, ávida de
sensações, enriquece-se e aperfeiçoa-se. Complica-se sua
estrutura; nada se perde, nem um ato, nem uma prova passam sem deixar
sua marca. Transforma-se a consciência primordial, a forma que a
reveste, o ambiente que a circunda, num processo lento de
ajustamentos contínuos. O ser torna-se cada vez mais sábio por ter
vivido, pelas experiências acumuladas; especializa sua capacidade.
Nasce o instinto e uma consciência mais complexa que lembra, sabe e
prevê.
Subamos, ainda, até o homem. Os substratos precedentes subsistem: a
consciência orgânica, obscura, automática, mas presente, porque em
funcionamento, embora abandonada na profundeza do ser; o instinto
vivo, presente, como nos animais, sábio e memorioso. Mas
acrescenta-se nova estratificação: a razão, a inteligência,
aquele feixe de faculdades psíquicas que formam a consciência
propriamente dita. Assim como o germe sintetiza todo o organismo que
produzirá, também a vida sempre se refaz para recomeçar de novo,
repetindo em cada forma o ciclo percorrido em toda a evolução
precedente — como fenômeno orgânico e como fenômeno psíquico —
assim, o homem resume em si todas as consciências inferiores; cada
célula possui sua pequena consciência, que preside ao seu
metabolismo, em cada tecido, em cada órgão; uma consciência
coletiva mais alta que lhe dirige o funcionamento; todo o organismo é
dirigido pelos instintos, que regem e conservam a vida animal.
TÉCNICA DOS AUTOMATISMOS
Não vos admireis disto, pois conheceis somente uma pequena parte de
vós mesmos. O funcionamento orgânico não ocorre fora de vossa
consciência, confiado a unidades de consciências inferiores,
situada fora delas? A economia que a lei do menor esforço impõe,
limita a consciência humana ao âmbito em que se realiza o trabalho
útil das construções. O que foi vivido e definitivamente
assimilado é abandonado aos substratos da consciência, zona que
podeis chamar de subconsciente. Por isso, o processo de
assimilação, base do desenvolvimento da consciência, realiza-se
justamente por transmissão ao subconsciente, em que tudo
fica, mesmo se esquecido, pronto para ressurgir se um impulso a
excita, ou um fato o exija.
O subconsciente é exatamente a zona dos instintos, das
idéias inatas, das qualidades adquiridas; é o passado superado,
inferior, mas adquirido (misoneísmo). Aí depositam-se todos os
produtos substanciais da vida; nessa zona encontrais o que fosteis e
o que fizesteis; reencontrais o caminho seguido na construção de
vós mesmos, tal como nas estratificações geológicas reencontrais
a vida vivida pelo planeta. A transmissão ao subconsciente ocorre
justamente através da repetição constante. Então dizeis que o
hábito transforma um ato consciente num ato inconsciente; com ele
forma uma segunda natureza. Este é o método da educação. Palavras
comuns que exprimem exatamente a substância do fenômeno. Podeis,
assim, com a educação, o estudo, o hábito, construir-vos a vós
mesmos. Logo que um ato é assimilado, a economia da natureza o deixa
fora da consciência, porque, para subsistir, não mais precisa que
ela o dirija. Logo que uma qualidade é apreendida, também é
abandonada aos automatismos, em forma de instinto, de caráter
que se fixou na personalidade.
Não se trata de extinção nem de perda, porque tudo subsiste e
está presente e ativo, se não na consciência, pelo menos
indubitavelmente no funcionamento da vida, e continua a produzir todo
o seu rendimento. Somente é eliminado da zona da consciência,
porque agora já pode funcionar sozinho, deixando o Eu em repouso. A
qualidade assimilada e transmitida ao subconsciente cessa de ser
fadiga e se torna necessidade, instinto. O impulso impresso na
matéria fica e quando reaparece, exprime-se como vontade autônoma
de continuar na sua direção, como criatura psíquica independente,
criada por obra vossa; mas, agora, quer viver sua vida. Dessa
maneira, a consciência representa apenas aquela zona da
personalidade em que ocorre o esforço da construção do Eu e
de sua ulterior dilatação. Em outros termos: limita-se
unicamente à zona de trabalho, e é lógico. O consciente
compreende somente a fase ativa, única que sentis e
conheceis, porque é a fase em que viveis e trabalha a evolução13.
Agora, podeis compreender algumas características inexplicáveis do
instinto, assim como sua maravilhosa perfeição. No instinto, a
assimilação está terminada. Então o fenômeno não está em
formação, mas já atingiu sua última fase de perfeição. Por
isso, o instinto é tenaz e sábio: existe por hereditariedade e sem
aprendizado, justamente porque esse já ocorreu; age sem reflexão
(tanto no animal, como no homem), exatamente porque já refletiu
bastante. Foi superada a fase de formação, o ato reflexivo é
inútil e é eliminado; a repetição constante cristalizou o
automatismo numa forma que corresponde perfeitamente às forças
ambientais; estas agiram de maneira constante.
Cálculo de forças, adaptações, ações e reações,
sensibilidade e registro, concorrem para o transformismo. No crisol
das formações estavam misturadas, em ebulição, forças reguladas,
cada uma por um inato princípio-lei, próprio, perfeito; o resultado
tinha de ser perfeito e exato. O princípio diretor, que garantia a
constância das ações e condições ambientais, permitiu a
estabilização de reações constantes no instinto e, portanto, a
correspondência deste com o ambiente.
Compreendeis, agora, a estupenda presciência do instinto e da
infinita série de experiências, incertezas e tentativas, de que ela
resulta. O indivíduo deve ter aprendido alguma vez essa ciência,
porque do nada, nada nasce; deve ter experimentado a
constância das leis ambientais pressupostas, a que correspondem seus
órgãos, para as quais ele é feito e proporcionado. Sem uma série
infinita de contatos, de experiências e adaptações no período de
formações, não se explica uma tão perfeita correspondência de
órgãos e instintos, antecipados à ação, dentro de uma natureza
que avança por tentativas, e nem se explica sua hereditariedade. No
instinto, a sabedoria já está conquistada; foi superada a fase de
tentativas e a necessidade de submeter-se a uma linha lógica que,
oferecendo várias soluções, demonstra a fase insegura e incerta
dos atos raciocinados, onde o instinto conhece um só caminho, o
melhor.
A razão cobre um campo muito mais extenso que o limitado pelo
instinto (nisto o homem supera o animal, dominando zonas que ele
ignora). Entretanto, em seu pequeno campo, o instinto atingiu um grau
de amadurecimento mais adiantado, expresso pela segurança dos atos,
e um grau de perfeição ainda não alcançado por nenhuma razão
humana. Esta, nas tentativas, revela as características evidentes da
fase de formação. Da mesma forma que o animal raciocinou
rudimentarmente no período da construção de seu instinto, assim a
razão humana, terminada a formação; alcançará um instinto
complexo e maravilhoso, que revelará sabedoria muito mais profunda.
No homem, conserva-se todo o instinto animal, de que a razão é
mera continuação. Agora podeis compreender que instinto e razão
são simplesmente duas fases de consciência, a primeira já
superada e, portanto, funcionando automaticamente; a segunda, em vias
de formação. Não coloqueis os dois momentos do mesmo processo
evolutivo em antagonismo. No homem, não apenas sobrevive todo o
instinto do animal, como também a formação de novos instintos não
cessa, tal como ocorreu para aquele e com o mesmo sistema, embora
muito mais rapidamente, em vista da potência psíquica do homem, e
num nível muito mais alto, em virtude da complexidade de seu
psiquismo. Da mesma forma que, no homem, a fase instinto é
inconsciente e a fase razão consciente, assim no animal, além do
instinto inconsciente, existe pequena zona de formação, portanto,
consciente e racional, embora de consciência e racionalidade
primitivas. Se observardeis, vereis que nem todos os atos dos animais
estão cristalizados no instinto, existe sempre uma porta aberta para
novas aquisições (aprendizado, domesticação etc.).
Entre a planta, o animal e o homem só existe a diferença devida ao
caminho maior ou menor que foi percorrido. Pensais quanta parte de
vós mesmos está confiada aos automatismos, como também a
racionalidade humana tende a cristalizar-se em atitudes instintivas,
como passa a ser instinto tudo o que foi profundamente conquistado.
Existe, pois, uma zona obscura do subconsciente e uma zona
lúcida do consciente. Além disso, há uma terceira zona, a
do superconsciente, em que tudo são expectativas,
preparando-se as conquistas do amanhã: fase possuída apenas como
pressentimento e contida, em germe, nas causas que atuam no presente,
de que ele representa o desenvolvimento. Zonas que, em sua amplitude
e posição, são relativas ao ser, de acordo com seu grau de
desenvolvimento. Variam grandemente também no homem, conforme sua
evolução pessoal, os limites do consciente. Aquilo que é
consciente ou superconsciente para alguns, pode ser subconsciente (ou
seja, caminho percorrido e experiências adquiridas) para outros mais
adiantados. Esses limites variam, também, durante a vida do mesmo
indivíduo, pois a vida é justamente o período das aquisições e
transformações de consciência. A idade mais adequada a essas
aquisições — em outras palavras, mais susceptível de educação
— é a juventude. A consciência, refeita pelo repouso, é mais
propensa à assimilação, ao estabelecimento de novos automatismos,
que depois se fixarão indelevelmente no caráter; os primeiros,
serão os mais profundos e mais resistentes.
Reassumindo rapidamente todo o caminho percorrido pela evolução, a
zona da consciência tende sempre a subir, deslocando-se para o
superconsciente; educação, hábitos bons e maus, tudo se fixa em
automatismos transmitidos ao subconsciente. A fase lúcida do
trabalho construtivo se transfere para campos mais elevados e mais
profundos, para o âmago do ser, na assimilação de qualidades
espirituais.
Assim nada se perde de todas as dores e lutas da vida, de todo bem e
mal praticados. Não se perde fora de vós, pelo princípio de causa
e efeito; não se perde dentro de vós, pelo princípio de
transmissão ao subconsciente. A herança de vossas culpas como de
vossos merecimentos, o resultado de todas as vossas fraquezas ou
esforços, vós os carregais sempre convosco, de acordo com o que
quisesteis. A assimilação por automatismos e a transmissão ao
subconsciente é o meio de transmissão para a eternidade das
qualidades adquiridas, fruto de vosso trabalho. Cada ato tem um eco e
deixa u’a marca. A técnica dos automatismos reside em vossa
experiência cotidiana, na aquisição de cada habilidade mecânica
ou psíquica. A objeção que poderíeis levantar contra a teoria da
assimilação, por automatismos, das experiências vividas (isto é,
perde-se um hábito por falta de uso) não vale, porque o que se
transmite ao subconsciente é a aptidão e não o conhecimento. Vede
que aquela permanece, mesmo quando o conhecimento esvanece pelo
desuso, e sabe reconstruir rapidamente o que parece destruído. Daí
todas as diversíssimas capacidades inatas, às quais tanto deve a
vida, doutra forma não teriam explicação. Se a repetição de
inumeráveis atos de defesa deu ao animal o instinto da defesa, o
agir moralmente conferirá ao homem hábitos morais; o pensamento
desenvolve e enriquece a inteligência. Tendes, assim, um meio para
poderdes retificar, continuamente, a substância de vossa
personalidade: vós mesmos podeis plasmá-la para o bem ou para o
mal. Assim, vosso destino, produzido pelas qualidades que
assimilasteis, constituído e cercado pelas forças que movesteis,
pode sempre sofrer retoques por vossas próprias mãos. Assim, o
férreo determinismo, imposto pela lei de causalidade, abre-se na
zona das formações estendidas para o futuro, num campo em que
domina, unicamente, vosso livre-arbítrio, senhor da escolha, que
mais tarde, salvo ulteriores correções, vos prenderá, por sua vez,
na mesma lei de causalidade.
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