KARDEC
E PIETRO UBALDI
Nossa
Doutrina é eminentemente progressiva, conforme preconizado
amplamente pelo seu Codificador, Allan Kardec.
Temos em nosso DNA uma aversão natural à
ortodoxia, ao congelamento do pensamento em função das tradições
que desconsideram a lei natural do progresso.
Nossos valores, no entanto, são eternos, posto
que fincados na solidez rochosa dos princípios cristãos. Precisam
apenas ser lembrados, continuamente, às novas gerações de
espíritas, para que sua chama nunca se apague.
Dentre esses valores, dois parecem-nos de extrema
atualidade, nesse tempo de "patrulhas ideológicas"
e debates acalorados:
a) LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA - o
espírita sabe que deve respeitar, por princípio, todas as formas de
pensamento, mesmo as que lhe contraditam as ideias e o modo de ser,
como decorrência natural do "fazer ao próximo o que gostarias
que lhe fizessem";
b) MODERAÇÃO - o segundo, tão
complementar ao primeiro que lhe serve de perfeito contraponto, como
a outra face da mesma moeda, salienta a importância da boa
fundamentação de suas próprias opiniões, por parte dos espíritas,
para que por esse modo de façam respeitar em qualquer debate,
marcadamente pela seriedade, sobriedade e consistência de suas
manifestações.
"Seja o vosso falar sim, sim, não, não"
- ensinou-nos o Cristo (Mt. 5:37).
Kardec reitera essas recomendações e dá delas
o exemplo ao longo de toda a sua trajetória e em todos os seus
textos, tanto na Codificação quanto na Revista Espírita:
"Respeitamos vossa opinião,
respeitai a nossa. Eis tudo quanto vos pedimos".
("Instruções Práticas sobre as Manifestações Espíritas -
Allan Kardec - Introdução)
"Já vos disse, senhor, não
tenho a pretensão de vos fazer adotar a minha opinião; respeito a
vossa, se é sincera, como desejo que respeiteis a minha".
(O que é o Espiritismo - Allan Kardec, – O Crítico, pág. 53 da
37ª ed. FEB)
"Àquele que nos procura como
irmão, nós o acolhemos como tal; ao que nos repele, deixamo-lo em
paz. [...] O Espiritismo não se impõe, porque, como vo-lo disse —
respeita a liberdade de consciência; [...] Ele expõe seus
princípios aos olhos de todos, de modo a cada um poder formar
opinião segura.
(O que é o Espiritismo - Allan Kardec, –
O Padre, pág. 124 da 37a ed. FEB)
“Julgar o que não se conhece é falta de
lógica"
(Revista Espírita, 1858, Fev - Pág.100 da
Ed. FEB)
“Imprudente é se inscreverem em falso
contra as coisas que não compreendem”.
(Revista
Espírita, 1858, Out - Pág. 420 da Ed. FEB)
"E de lógica elementar que o
crítico conheça, não superficialmente, mas, a fundo, aquilo de que
fala, sem o que, sua opinião não tem valor".
(O que
é o Espiritismo - Allan Kardec, – O Crítico, pág. 55 da 37a ed.
FEB)
Ocorre-nos a lembrança desses pontos a propósito
de uma publicação
recente do confrade Rafael Van Erven Ludolf, do
valoroso Grupo
Espírita Servidores de Jesus, de Niterói,
trazendo para as redes sociais um texto magnifíco, de autoria do
nosso inesquecível CARLOS TORRES PASTORINO (vide sua
biografia em nossa página Sal
da Terra), um dos maiores estudiosos dos
Evangelhos que este país já teve e que serve até hoje de prefácio
para o volume "O Sistema", de Pietro Ubaldi.
O texto de Pastorino é um exemplo
perfeito do cuidado que devemos ter com a emissão de nossas
opiniões, e do valor crescente que elas terão, a qualquer tempo,
quando bem fundamentadas, consolidadas através de um estudo sério e
prolongado sobre o que se pretende comentar.
Segue abaixo, portanto, reproduzido
integralmente, e cremos que dispensa comentários adicionais, de
nossa parte, pela elegância, clareza e firmeza com que demonstra,
tão bem, a relação de continuidade e complementariedade existente
entre as obras de Kardec e Ubaldi, tão conhecidas daqueles que as
estudam longa e sistematicamente.
Aos nossos amigos do Servidores de Jesus, a nossa
gratidão, pela lembrança de tão genuíno exemplo destes dois
valores, que nos são tão caros, e que não podemos perder...
IMPRESSÃO
Terminada a tradução da obra, O Sistema, de
Pietro Ubaldi, feita com a alegria imensa do garimpeiro que vai
descobrindo em cada nova linha uma pepita de ouro do mais puro, não
me contenho em rascunhar a impressão que me ficou dessa leitura
meditada, do estudo dessa revelação nova trazida a nós em plena
segunda metade do século XX. Desde a infância, o estudo desses
problemas, através das obras da Teologia Católica, primeiramente, e
mais tarde através das publicações oficiais do Espiritismo, do
Protestantismo, da Teosofia, do Esoterismo, da Antroposofia, dos
Rosa-Cruzes, das obras mais antigas da Índia, do Egito e da China, o
estudo de tudo isto deu-me uma impressão de incerteza e de
tateamento, ou então de afirmativas sem bases no campo racional. Não
há, em todas essas doutrinas, respeitabilíssimas sem dúvida,
porque representam o labor da mente concreta que busca o conhecimento
através de suas próprias forças – não há uma unidade completa
que una tudo numa única visão de conjunto.
Por isso, através da leitura estudada e
meditada da obra de Ubaldi, cheguei à conclusão de que o
universo é de fato um todo único, cujo centro é Deus.
E, completando a maravilhosa e inspirada A Grande Síntese com o
volume Deus e Universo, vislumbrei certos
aspectos novos. No entanto, o segundo volume citado está demais
conciso e alto, não me permitindo à parca inteligência, a
compreensão total da grandiosidade ali exposta. Neste volume,
entretanto, a explicação é cabal e acessível a todas as
inteligências, mesmo as medianas, como a de quem está
escrevendo, e as provas são de tal forma completas e irrespondíveis,
que pouco haverá que acrescentar a isso, nessa época. Talvez mais
tarde se possa dizer algo mais. Mas, no momento, não vemos o que
acrescentar ao que aqui se encontra.
O Sistema é um livro ótimo, lógico e claro.
Trata-se, em minha insignificante opinião, de completo curso ou
tratado de Teologia cosmogônica, uma Teologia Nova, que vem cortar
pela raiz todas as elucubrações puramente humanas, esclarecendo os
pontos obscuros, revelando todos os mistérios incompreensíveis e
inaceitáveis à mente hodierna. As teologias antigas, que pararam no
tempo e no espaço, por se terem tornado dogmáticas e não mais
admitirem pesquisas, reagirão, sem dúvida, a esta intromissão em
seu terreno. Mas a humanidade está em evolução perene, e não
seria compreensível que a parte mais nobre e elevada da humanidade,
que é o pensamento e a sabedoria, parassem nos séculos remotos,
enquanto a parte inferior, material, estivesse, como está,
progredindo a passos gigantescos.
Neste Tratado Teológico, encontramos um
Deus perfeitamente aceitável por Sua grandeza, ao invés daquele
Deus mesquinho que trazia sempre bombons na mão direita para premiar
e um chicote na esquerda para castigar, como qualquer capataz
irritadiço e vulgar. Revela-nos uma finalidade à
existência, ao invés de um paraíso de ociosidade inútil e
egoísta, em que as criaturas ficarão por toda a eternidade gozando
ao ver seus entes queridos sofrendo horrorosamente um inferno
infindável.
A teoria da queda e da reabilitação dos
espíritos é tão lógica que temos a impressão que ela guiará o
mundo espiritualizado de amanhã, esclarecendo os pontos obscuros e
dando direção à evolução da humanidade, que hoje se debate em
problemas sem solução. É um Tratado de Teologia nova e
ao mesmo tempo um Tratado de Filosofia Universalista Unitária, que
nos apresenta, como um todo único, um só corpo cuja cabeça é
Cristo. A segurança de raciocínio jamais abandona o autor a
especulações vazias, mas o leva a provas sólidas, em matéria
difícil e complexa. É a única teoria que conhecemos, que pode
satisfazer o intelecto, a razão e mesmo o coração, porque explica
logicamente tudo o que se passa neste mundo. Filosofia, física,
química, biologia, sociologia, moral, tudo é examinado
conscienciosamente, com minúcias que esgotam o assunto, com
inflexibilidade irrespondível, com segurança e acerto.
A parte mais alta do livro O Sistema é
constituída pelo capítulo XX, quando o autor nos dá a terceira
interpretação da visão. Esta é de uma clareza
deslumbrante. Inegavelmente trata-se, nesta obra, de uma revelação
descida do Alto, que nos vem trazer luz acerca de problemas que a
mente humana, por si só não poderia resolver.
Perguntam-me alguns confrades, como posso
aceitar a teoria de Pietro Ubaldi, sendo, como sou, espírita adepto
de Allan Kardec. Confesso não ver nenhuma contradição entre as
duas teorias.
Para quem lê Kardec superficialmente,
detendo-se nas palavras impressas, a teoria de Pietro Ubaldi pode
parecer "herética". Mas aos que lêem o mestre penetrando
as entrelinhas das respostas dos espíritos, tão sábias e
profundas, nada lhes parece de contráditório.
Em primeiro lugar, Allan Kardec tentou penetrar
nesse terreno. Todavia os espíritos não lhe deram a resposta
ansiada. Podemos encontrar no Livro dos Espíritos a pergunta 39:
"Podemos conhecer o modo de formação dos mundos"?
E a resposta dos espíritos: "Tudo o que a esse respeito se pode
dizer e podeis compreender é que os mundos se formam pela
condensação da matéria disseminada no espaço". Não é o que
diz Pietro Ubaldi, no capítulo XX? A origem dos universos foi uma
"contração", em que o espírito ficou aprisionado dentro
da matéria.
Em segundo lugar, o próprio Kardec afirma
não ter dito a última palavra, mas apenas a primeira. E
que todas as teorias por ele trazidas deveriam ser desenvolvidas à
proporção que a ciência progredisse.
Em terceiro lugar, Allan Kardec preocupa-se
com o problema da evolução, a partir da matéria primitiva, sem
cogitar do que havia ocorrido antes. Ou seja, começa do
mesmo modo em que a Bíblia e do mesmo ponto em que A Grande Síntese
iniciaram o estudo:
a subida evolutiva dos seres encarnados.
Evidentemente, partiram todos da "matéria",
ou seja, dos átomos, cuja concentração formou os universos. Nesse
ponto – o infinito negativo, o ponto de chegada da involução, a
concentração máxima do espírito – era evidente que "todos
os espíritos eram simples e ignorantes" (pergunta
115). Entretanto, é evidente a confusão da palavra "espírito",
no sentido de "princípio espiritual" com o sentido de
espírito humano.
Mas as próprias respostas dos espíritos e
Allan Kardec classificam a origem, pesquisada agora por Pietro
Ubaldi, como "mistério": "a origem deles é
mistério" (Pergunta 81). E pouco antes: "Quanto
ao modo pelo qual nos criou e em que momento o fez, nada sabemos"
(Pergunta 78).
Dentro do próprio Livro dos Espíritos,
contudo, encontramos em esboço muito rápido e leves pinceladas, a
confirmação da teoria ubaldiana. Pergunta Kardec:
"Donde vieram para a Terra os seres
vivos"?
Resposta: "A Terra lhes continha os
germes, que aguardavam momento favorável para se desenvolverem. Os
princípios orgânicos se congregaram (teoria das "unidades
coletivas"), desde que cessou a atuação da força que os
mantinha afastados" (Pergunta 44). Não é o que diz Pietro
Ubaldi?
Mas, acima de tudo, está de pé a resposta à
pergunta 540, no fim: "É assim que tudo
serve, tudo se encadeia na natureza, desde o átomo primitivo até o
arcanjo, que também começou por ser átomo. Admirável lei de
harmonia, que vosso acanhado espírito ainda não pode apreender em
seu conjunto!"
Nada mais cremos seja precioso para provar que
a teoria exposta por Pietro Ubaldi, em sua revelação, nada tem de
contraditório com a doutrina codificada por Allan Kardec. Antes, vem
completá-la e explicá-la, levantando o véu daquele mistério que,
há um século, os espíritos julgaram oportuno deixar ainda
envolvendo a origem da vida. E isto porque os homens
daquela época "ainda não podiam entender" essa origem,
pois a ciência não havia demonstrado que matéria é apenas a
condensação da energia, e esta a descida das vibrações do
espírito.
A frase final da resposta à pergunta nº 83
nos revela bem que Allan Kardec, incontestável mestre codificador,
não pôde receber dos espíritos uma doutrina completa, porque o
ambiente terrestre ainda não estava preparado. Lemos aí: "É
tudo o que podemos, por agora, dizer". Então, há
mais coisas a dizer, mas não podiam ser ditas, tal como ocorreu
quando Jesus disse a seus apóstolos: "Muitas coisas
vos tenho a dizer, mas não as podeis suportar agora"
(João, 16:12).
Por que então
condenaremos a teoria de Pietro Ubaldi, se ela sem contradizer nem
Kardec, nem Jesus, vem trazer-nos luz a respeito de coisas que nem um
nem outro nas haviam revelado?
O fato concreto, sob nossa vista, é que a
teoria exposta mediante revelação e inspiração por Pietro Ubaldi
satisfaz integralmente a todas as indagações científicas,
psíquicas, filosóficas, teológicas e espirituais que possamos
fazer-nos. Assim sendo, temos que lealmente aceitá-la, até prova em
contrário; mas prova que traga argumentos e fatos, experimentações
e demonstrações, e não apenas citações do "magister dixit".
Hoje o método científico tem de prevalecer para satisfazer tanto à
mente concreta quanto à abstrata, tanto à razão quanto à
intuição, tanto à inteligência quanto à sensibilidade.
A obra é de suma importância e finca no
mundo um marco que dificilmente será removido. Poderá ser mais bem
explicado e desenvolvido seu ponto de vista, poderá mesmo ser
modificado em seus aspectos secundários. Mas o âmago do problema
foi equacionado brilhantemente, e daí poderemos partir para
posteriores e maiores pesquisas e buscas. Compete agora ao homem de
amanhã essa parte. Mas este já encontrará uma base onde se apoiar,
um alicerce sobre o qual poderá erguer novos edifícios. E era isto,
justamente, o que faltava à humanidade de hoje, que nada podia
edificar em terrenos movediços de mistérios, sobre abismos sem
fundo de desconhecimentos confessados. Tudo, dentro da relatividade
humana, foi explicado em termos científicos e lógicos. Foi-nos
mostrado, com dificuldade por causa da pobreza da linguagem humana, o
que a mente do homem perquiria há milênios, e que nos fora dito
várias vezes, mas sempre com palavras ocultas, cheias de
subentendimentos, que a mente comum não conseguia penetrar.
Para a filosofia e a teologia, este volume
constitui um dos mais importantes tratados que já apareceram
publicados na face da Terra. É uma luz nova que se levanta no
horizonte, um novo sol que vem iluminar as mentes e aquecer os
corações, sequiosos de sabedoria e de amor. Porque nele se revelam,
em Sua plenitude infinita, a Sabedoria e o Amor de Deus, como centro
de tudo, como Seu pensamento a constituir atmosfera psíquica "em
que vivemos, nos movemos e existimos (…) porque Dele também somos
gerados" (Atos, 17:28)
Carlos Torres Pastorino