Referências da Queda na Doutrina Espírita
Referências da Queda na Codificação Espírita e na obra de
Chico Xavier
Texto de autoria de Gilson Freire, extraindo e adaptado do
Posfácio do livro Tabernáculo Eterno
E o Espírito deve agora resgatar o homem da matéria.
Lázaro — Paris, 1867 (O Evangelho Segundo o Espiritismo,
cap. XI)
O estudioso sincero do Espiritismo, ao entrar em contato com
a extraordinária revelação de Pietro Ubaldi, sobretudo aquela contida na obra
Deus e Universo e que nos traz a notícia de nossa Queda espiritual,
pergunta-se, e com razão, se essa estupenda e indispensável proposição não
contradiz formalmente o que aprendemos das fundamentais lições kardequianas.
Assustado e indeciso, a primeira intenção do leitor espírita é de abandonar Ubaldi,
julgando que essa aparentemente nova informação abala os basilares ensinos dos
Espíritos.
Neste pequeno estudo procuremos demonstrar que a noção da
Queda, além de ser a essência do Evangelho de Jesus, está presente tanto nas
obras básicas da codificação quanto na literatura espírita moderna, sobretudo
aquela que herdamos da maravilhosa mediunidade de Chico Xavier.
Para aqueles que se encontram receosos de impugnar as bases
do Espiritismo adentrando esses aparentemente novos conceitos, apressamo-nos a
citar Carlos Torres Pastorino, autor espírita altamente conceituado e tradutor
de várias obras de Pietro Ubaldi, que nos afiançou categoricamente: “Para quem
lê Kardec superficialmente, detendo-se nas palavras impressas, a teoria de
Pietro Ubaldi pode parecer ‘herética’, mas aos que leem o mestre penetrando as
entrelinhas das respostas dos Espíritos, tão sábias e profundas, nada lhes
parece de contraditório”1.
Portanto, não é hora de deter-se em dúvidas destrutivas ou
simplesmente abandonar a temática, pois a revelação espírita, como muito bem
determinou o mestre de Lyon, não se estancou nos preciosos corolários
estabelecidos em suas lições básicas. Estamos em evolução e participamos de uma
revelação crescente que acompanha o nosso paulatino avanço, por isso o
Codificador deixou-nos claro o conselho de acompanhar o inestancável andamento
das revelações, ao exarar em A Gênese: “Caminhando de par com o progresso, o
Espiritismo jamais será ultrapassado, porque, se novas descobertas lhe
demonstrassem estar em erro acerca de um ponto qualquer, ele se modificará
nesse ponto. Se uma verdade nova se revelar, ele a aceitará” (2).
Os espíritas mais conservadores poderão não estar de acordo
com essa posição inovadora, julgando que as bases do Espiritismo, por trazerem
verdades sagradas, são inamovíveis, não carecendo absolutamente de complemento
algum. Certamente os seus preceitos fundamentais não estão eivados de
equívocos. Destarte, seria uma imensa pretensão considerar que, ao serem
lançados, eles albergassem toda a extensão da verdade e contivessem o máximo
saber possível ao ser humano em todos os tempos. Tal postura misoneísta
dificulta o avanço da revelação espírita, o que não condiz com a intenção
progressista de seu Codificador.
Ora, muitos conceitos lançados por Kardec estavam atrelados
aos conhecimentos de sua época e requerem uma revisão, fato que, em absoluto,
nada reduz do imenso valor de sua obra. Além disso, embora se pudesse esperar
das magnas entidades que a ditaram a mais absoluta fidelidade à verdade, as
mentes dos médiuns que captavam os seus elevados pensamentos filtravam toda
informação que lhes parecesse por demais desconhecida e contraditória à lógica
que os servia, no tempo em que viviam na Terra. Daí a necessidade de se renovar
permanentemente o nosso acervo de conhecimentos, coisa em que o mundo
espiritual se esmera, enviando-nos a cada tempo novas e paulatinas parcelas da
verdade, cuja completude, evidentemente, não podemos açambarcar de uma só vez.
Esse é um fato verificável em todas as revelações e a doutrina espírita não
pôde evadir-se dele, pois é lei natural da evolução do homem. E os Espíritos
deixaram claro que a revelação a nós ofertada não estava concluída, ao
afirmarem na questão 18 de O Livro dos Espíritos:
“O véu se levanta a seus olhos
à medida que o homem se depura; mas, para compreender certas coisas, são-lhe
precisas faculdades que ele ainda não possui”. Na questão 182, completaram:
“Nós, os Espíritos, só podemos responder de acordo com o grau de adiantamento
em que vos achais”.
Ademais, os próprios espíritos estão igualmente em evolução
e não atingiram, evidentemente, o ápice do saber. Assim, é compreensível que
seus conhecimentos, da mesma forma que os dos encarnados, achem-se sujeitos a
avanços ao longo dos anos. Por isso o espírito Galileu, em A Gênese, de Kardec,
afirma com sinceridade, demonstrando o caráter evolutivo da revelação espírita:
“Há questões que nós mesmos, espíritos amantes da ciência, não podemos
aprofundar e sobre as quais não poderemos emitir senão opiniões pessoais, mais
ou menos hipotéticas”.
Assim, é compreensível que, a despeito das fantásticas luzes
que a ciência espírita proporcionou-nos, não podemos nos gabar de haver
respondido com elas a todas as questões que nos premem a alma, tendo em vista
que, evidentemente, não atingimos o conhecimento absoluto. E pretender caminhar
sempre não pode ser um erro, pois é o próprio Espiritismo, doutrina
progressista por excelência, que nos concita a seguir adiante, sem jamais nos
deter.
Kardec, o bom senso encarnado, indicou-nos em sua obra
vários pontos dúbios a espera de futuros esclarecimentos. Como exemplo, citamos
o item 21, cap. III, de A Gênese, no qual o codificador, um ano antes de
desencarnar, declara com sinceridade ignorar as razões dos embates de vida e morte
presentes na natureza: “Por meio do incessante espetáculo da destruição, ensina
Deus aos homens o pouco caso que devem fazer do envoltório material e lhes
suscita a ideia da vida espiritual, fazendo que a desejem como uma compensação.
Objetar-se-á: não podia Deus chegar ao mesmo resultado por outros meios, sem
constranger os seres vivos a se entredestruírem? Desde que na sua obra tudo é
sabedoria, devemos supor que esta não existirá mais num ponto do que noutros;
se não o compreendemos assim, devemos atribuí-lo à nossa falta de adiantamento.
Contudo, podemos tentar a pesquisa da razão do que nos pareça defeituoso,
tomando por bússola este princípio: Deus há de ser infinitamente justo e sábio.
Procuremos, portanto, em tudo, a sua justiça e a sua sabedoria e curvemo-nos
diante do que ultrapasse o nosso entendimento”.
Bezerra de Menezes, o chamado “Kardec brasileiro”,
igualmente compreendeu que a doutrina espírita estava fadada a evoluir,
escrevendo no jornal Gazeta de Notícias, edição de 6 de abril de 1897:
“Enquanto o homem não chegar ao último grau da perfeição intelectual, de
penetrar todas as leis da criação, a revelação não chegará a seu termo; pois
ela é progressivamente mais ampla, na medida do desenvolvimento da faculdade
compreensiva do homem. O Espiritismo, pois, tendo dado mais do que as
anteriores revelações, muito terá ainda que dar, porque muito terá que
progredir a humanidade terrestre”.
Então é hora de darmos um passo mais, absorvendo as novas
preleções que o próprio plano espiritual envia-nos, desde que atendam à nossa
necessidade de lógica e se mostrem coerentes com as nossas verdades
fundamentais. Eis por que julgamos que a revelação de Pietro Ubaldi sobre nossa
Queda espiritual fazem-se indispensáveis ao nosso amadurecimento espiritual. E
sabemos que esse emérito enviado do Cristo cuidou de ofertar o seu trabalho não
só à nação brasileira, mas, sobretudo, ao Espiritismo, onde se acomodam as
mentes mais maduras e prontas para compreendê-lo e albergá-lo, em proveito de
nossa mais rápida aproximação das esferas crísticas.
Aceitando a nova revelação que nos foi trazida por Ubaldi,
sobretudo na obra Deus e Universo, o leitor sincero ainda estará se
perguntando: por que então essa essencial informação não foi devidamente
estabelecida nos alicerces doutrinários? E por que ela ressurge somente neste
momento, em obras psicografadas por nosso intermédio (Tabernáculo Eterno e
Senda Redentora), um médium desconhecido e sem expressão no cenário espírita
nacional, não tendo sida anunciada pelos nossos grandes e famosos medianeiros?
À primeira pergunta, respondemos que tudo tem a sua hora para dar-se a
conhecer, pois nenhuma verdade poderá ser absorvida sem que tenhamos
desenvolvido condições de apreendê-la. Portanto, era preciso aguardar o nosso
paulatino amadurecimento. Quanto à segunda questão, somente podemos afiançar
que se fazia necessário um instrumento mediúnico que antes albergasse com ardor
a noção da Queda, a fim de dar guarida às entidades que a desejam veicular em
nosso mundo. Um intermediário que a priori rejeitasse essa ideia dificilmente a
acomodaria em seu campo psíquico, dificultando assim o seu trâmite pelas
delicadas correntes de pensamento. Apenas isso justifica o fato de ela vir à
tona pelas nossas parcas condições, pois não detemos, absolutamente, nenhuma
especial qualificação que nos distinga dos demais.
Se, para muitos, os conceitos desenvolvidos por Ubaldi
parecem revolucionários e contrários aos fundamentos da codificação espírita,
os mais atentos perceberão que apenas os completam e esclarecem, sem nada
abalar em seus alicerces, como nos afirmou Carlos Pastorino, referindo-se aos
equivalentes ensinamentos ofertados por Ubaldi. Além disso, é pertinente
considerar que, se muitas são as opiniões dos homens, diversas também são as crenças
dos espíritos, nada mais do que seres humanos despojados da veste física densa
e igualmente sujeitos à diversidade de opiniões e conhecimentos. Portanto,
nosso trabalho consiste unicamente em mostrar, aos estudiosos da Terceira
Revelação, que as acepções que nos foram apresentadas Por Ubaldi fazem parte do
acervo cultural de grandes comunidades de desencarnados, competindo-nos
respeitar suas crenças, aceitando-as ou não segundo nos autorize a lógica que
nos assiste. O que não nos convém, em absoluto, é fazer-nos juízes da verdade,
limitando-a à nossa particular condição de apreendê-la.
Assim, pedimos apenas aos estudiosos que, com sinceridade,
perpassem as revelações do místico da Úmbria pelo crivo da lógica, antes de
simplesmente rejeitá-las, ajuizando se podem melhor nos explicar a complexidade
fenomênica em que respiramos e, apressando os nossos passos na alçada
evolutiva, tornar mais feliz e proveitosa a nossa vilegiatura carnal. E,
sobretudo, procuremos constatar se as suas afirmações encontram-se perfeitamente
aderidas ao Evangelho de Jesus, nossa única e inquestionável referência da
verdade. Se assim for, então não haverá motivos para fazermos dessas novas
acepções pretextos para dissensões e enfrentamentos ideológicos na arena
dogmática da fé, pois interessa-nos apenas unir esforços em torno dos excelsos
ensinos do Cristo e seguir juntos as pegadas do bem, rumo às supremas
realizações espirituais do porvir.
Sabemos ainda que a verdade se estabelecerá segundo as
determinações da Lei de Deus, a qual jamais será abalada pelas nossas
irrisórias e momentâneas opiniões individuais. Portanto, não precisamos
arvorar-nos na defesa dos preceitos aqui apresentados ou apoquentarmo-nos com
os ataques que venham a sofrer, pois a vida cuidará do seu julgamento, validando-os
efetivamente se forem indispensáveis à nossa caminhada evolutiva.
A despeito de seu tom de novidade, sabemos que a revelação
de Ubaldi de nossa Queda espiritual não é novidade em nosso mundo. Um leitor
atento poderá identificar essa informação fundamental na codificação espírita.
Se o tema parece, para muitos, encontrar-se oculto na letra e inserido de uma
forma subliminar, possivelmente o fato se explique pela falta de um substrato
mediúnico capaz de identificá-lo com clareza na captação do pensamento dos
guias espirituais. Perpassando, no entanto a vasta obra de Chico Xavier,
poderemos denotar que o tema lá está devidamente inserido, e passou
despercebido de nossas leituras iniciais por não determos ainda subsídios para
apercebê-lo.
Contrapondo com algumas interpretações parciais da
codificação que suscitam estarmos tão somente em um processo natural de
crescimento evolutivo, podemos ver, sobretudo permeando a fantástica obra de
Emmanuel, a clara imagem do homem terreno como a de um ser falido, lutando e
sofrendo pela sua regeneração. Citemos alguns poucos exemplos, para não cansar
o leitor: a questão 282 de O Consolador afirma-nos ser “o Velho Testamento, o
alicerce da revelação divina” e, “o Evangelho, o edifício da redenção das
almas”. E agrega o sábio mentor: “Como tal, deve ser procurada a lição de
Jesus”. Ora, sabemos que os antigos ensinos enfeixados na tradição judaica
representam um nítido retrato da Queda primordial do espírito. E somente
podemos compreender a redenção como o ato de redimir ou salvar alguém de uma
situação aflitiva ou perigosa. Portanto, Emmanuel concita-nos claramente a
caracterizar os ensinos do Cristo como o roteiro da salvação, aferindo-se assim
o seu significado original. Logo, deveríamos concordar que as lições do excelso
Mestre não se destinam unicamente à nossa ascensão moral, mas, sobretudo, à
reconquista de uma posição perdida. Afirmação que somente pode nos legar plena
lógica se nos virmos como seres desviados do correto caminho, em decorrência de
um significativo erro original.
Vejamos alguns outros trechos da referida obra, onde a
derrocada do espírito está claramente estabelecida. Na questão 13,
explicando-nos por que sofremos as necessidades da vida, Emmanuel diz-nos: “O
oxigênio é uma dádiva de Deus para todas as criaturas; quanto ao azoto e ao
carbono, é pela sua obtenção que o homem luta afanosamente na Terra,
recordando-nos a exortação dos Textos Sagrados ao espírito que faliu — comerás
o pão com o suor do teu rosto”4. Compreendemos aqui que a inferência ao
“espírito que faliu” não pode ser entendida de outra forma a não ser pela Queda
de origem. E a expiação que a vida na carne representa, com todas as
dificuldades que impõe a todos os seres que evoluem, deixa de ser um regime de
normalidade para o conjunto dos filhos de Deus, mas atributo somente aplicável
àqueles que caíram.
A questão 116 de igual maneira afirma-nos: “Podemos figurar
o homem terrestre como alguém a lutar para desfazer-se do seu próprio cadáver,
que é o passado culposo, de modo a ascender para a vida e para a luz que
residem em Deus”. E a 243: “Todos os espíritos que estão em processos
reencarnatórios no orbe terrestre estão em processo de resgate de quedas do
passado” — ainda que consideremos que a magna entidade se refira somente aos
espíritos racionais, os homens, dotados de livre-arbítrio, facilmente se
constata que a totalidade dos seres em trânsito na Terra se acha em acerbas
lutas evolutivas, pois, quanto mais involuído ele é, maiores são as suas
dificuldades. Assim, absolutamente todos, entregues aos atritos e dores
evolutivas, vivenciam processos expiatórios, caracterizando-nos como um planeta
de expiações na escala dos mundos, como muito bem aferiu a doutrina. Ora, se os
animais irracionais e os povos primitivos estivessem progredindo a partir de
uma condição de pureza, ignorância e simplicidade, não poderiam estar
submetidos aos sofrimentos evolutivos e provacionais que imperam em nosso orbe.
Portanto se torna mais lógico considerar que o mentor se refere a todas as
almas que trafegam pelas plagas terrenas, inclusive os animais, uma vez que são
também espíritos em evolução.
No item 135, o autor explica-nos, com clareza, que o mal se
origina da liberdade de escolha do espírito e não de Deus: “O determinismo
divino se constitui de uma só lei, que é a do amor para a comunidade universal.
Todavia, confiando em si mesmo, mais do que em Deus, o homem transforma a sua
fragilidade em foco de ações contrárias a essa mesma lei, efetuando, desse
modo, uma intervenção indébita na harmonia divina. Eis o mal. Urge recompor os
elos sagrados dessa harmonia sublime. Eis o resgate. Vede, pois, que o mal,
essencialmente considerado, não pode existir para Deus, em virtude de
representar um desvio do homem, sendo zero na sabedoria e na providência divinas.
O Criador é sempre o Pai generoso e sábio, justo e amigo, considerando os
filhos transviados como incursos em vastas experiências” — aqui Emmanuel nos
fala, com nitidez, dos filhos transviados e do significado de resgate em que se
converteram suas vidas. Poderíamos inferir que ele aludia somente aos espíritos
que caíram depois de adquirir a razão, fato a partir do qual teriam passado a
existir o mal e a dor. Destarte, não se pode olvidar, como já afirmamos, que
tais indesejáveis contributos são presenças peremptórias em todos os
departamentos da vida planetária, sendo tanto mais intensos quanto mais
primitivo é o ser. Ora, se a Lei de Deus é somente amor, como justificar tal
disparate senão pela teoria da Queda?
Na pergunta 205, a sábia entidade mostra-nos o seu elevado
conceito de homem, apresentando-o como alguém a quem a Lei de Deus impõe
limites em decorrência de sua inata rebeldia: “O homem comum é uma
representação parcial do homem transcendente, que será reintegrado nas suas
aquisições do passado, depois de haver cumprido a prova ou a missão exigidas
pelas suas condições morais, no mecanismo da justiça divina. Aliás, a
incapacidade intelectual do homem físico tem sua origem na sua própria
situação, caracterizada pela necessidade de provas amargas. O cérebro humano é
um aparelho frágil e deficiente, onde o espírito em queda tem de valorizar as
suas realizações de trabalho. Imaginai a caixa craniana, onde se acomodam
células microscópicas, inteiramente preocupadas com a sua sede de oxigênio, sem
dispensarem por um milésimo de segundo a corrente do sangue que as irriga, a
fragilidade dos filamentos que as reúnem, cujas conexões são de cem milésimos
de milímetro, e tereis assim uma ideia exata da pobreza da máquina pensante de
que dispõe o sábio da Terra para as suas orgulhosas deduções, verificando que,
por sua condição de espírito caído na luta expiatória, tudo tende a demonstrar
ao homem do mundo a sua posição de humildade, de modo que, em todas as
condições, possa ele cultivar os valores legítimos do sentimento”.
Nessa elevada definição da condição humana, vemos o mentor
referindo-se a proposições a respeito das quais unicamente a visão da grande
falência espiritual pode nos facultar uma coerente interpretação. Utilizando-se
de terminologia muito própria da Queda, como “homem parcial”, “homem
transcendente” e a premência de “reintegração de aquisições do passado”,
posiciona-nos como alguém que perdeu atributos e agora precisa reconquistá-los.
E como compreender a necessidade de submeter-nos a uma “carne
frágil e deficiente”, embutidos em “uma pobre máquina pensante” que nos abafa o
potencial de origem, senão considerar que degeneramos a pureza com a qual fomos
gerados e empregamos mal as potências que Deus nos confiou ao nascer? Ora, um
pai não imporia aos seus filhos essas graves limitações caso não se
justificasse restringir-lhes o poder.
Da mesma forma, aí vemos a clara referência à nossa condição
de “espíritos caídos”, entregues às “lutas expiatórias do mundo”. Como elucidar
tal realismo, se tudo indica que nos encontramos imersos nas arenas evolutivas
do planeta desde tempos imemoriais, quando ainda experimentávamos a
inconsciência?
Na questão 64, o autor, chamando-nos “espíritos decaídos”,
exprobra-nos os erros que nos são comuns, caracterizando-nos como almas pejadas
de culpas desde um passado ignominioso, cuja origem se perde na noite dos
tempos. E na 255, ele nos fala de uma “redenção universal” sem nos explicar a
que alude propriamente tão vultosa expressão.
Deixando-nos sem entender a que se referia, podemos ainda
ler na obra Renúncia a curiosa afirmação também do prestimoso mentor: “A morte
mais terrível é a da queda”. Afirmação que se assemelha à contida na Lição 176
do livro Caminho, Verdade e Vida , na qual o benfeitor exarou: “É indispensável
romper com as alianças da queda e assinar o pacto da redenção”. Tudo nos indica
serem essas citações nítidas alusões à falência primária do espírito, que
somente agora podemos elucidar com clareza.
Em Ave Cristo, ante as vicissitudes que visitam e atormentam
a vida humana em todos os tempos, Emmanuel interroga: “Seremos, porventura,
consciências caídas no integral esquecimento de si próprias, algemadas à Terra
para serviços de purgação?”(7). Interrogação que mostra nitidamente a intenção do
autor em nos preparar para as novas revelações do porvir.
Na obra A Caminho da Luz, Emmanuel sugere-nos, ainda que de
forma sutil, que a queda do homem tenha ocorrido fora do tempo e do espaço,
transcendendo o exílio de Capela, ao escrever: “Onde está Adão com a sua queda
do paraíso? Debalde nossos olhos procuram, aflitos, essas figuras legendárias,
com o propósito de localizá-las no espaço e no tempo. Compreendemos, afinal,
que Adão e Eva constituem uma lembrança dos espíritos degredados na paisagem
obscura da Terra, como Caim e Abel são dois símbolos para a personalidade das
criaturas”(8). Aqui vemos uma simbologia muito mais abrangente, que somente a
tese da queda primordial pode explicar, por retratar arquétipos que configuram
o inconsciente coletivo humano, não se aplicando exclusivamente aos exilados de
Capela. Todos somos almas degredadas nas sombrias paisagens da matéria, eis a
realidade que tudo explica. E, como já compreendemos, os capelinos retrataram
uma pequeníssima parcela de nossa humanidade e, em sua maioria, retornaram ao
plano de origem antes mesmo da vinda do Cristo à Terra, não sendo genuínos
representantes do homem em evolução nas plagas terrenas. Fato que nos leva a
concluir que o exílio da constelação do Cocheiro é mera repetição, em escala menor,
de um fenômeno muito mais abrangente e cósmico.
No livro Emmanuel, da mesma maneira, identificamos muitos
informes que dificilmente encontrarão uma coerente interpretação sem a teoria
da Queda. Para não delongar este estudo citaremos apenas duas passagens que nos
dizem estarmos vivendo na Terra a condição de seres exilados, em regime de
recomposição espiritual: “Dilatai vossa esperança, porque um dia chegará em
que, na Terra, devereis abandonar o exílio onde chorais como seres desterrados
(cap. XII, item Aos meus irmãos). E no cap. V, item O que significa a
reencarnação: “Cada encarnação é como se fora um atalho nas estradas da
ascensão. Por esse motivo o ser humano deve amar a sua experiência de lutas e
de amarguras temporárias, porquanto ela significa uma bênção divina, quase um
perdão de Deus”. Se entendermos a vida na matéria como uma condenação exclusiva
para o espírito que se rebelou, faz-se coerente a mensagem. Todavia, se
admitimos que a reencarnação é simples meio de crescimento evolutivo, não haveria
por que considerá-la propriamente um “perdão de Deus”, desde que o erro é
perfeitamente aceitável para aquele que ainda é ignorante.
Assim, acatar a derrocada inicial é a única forma de tornar
perfeitamente lógicas todas essas pertinentes informações de Emmanuel,
deslindando o que de fato a magna entidade ocultou sob o véu da letra, por não
ser ainda o momento propício para explicar claramente o seu pensamento.
Em André Luiz encontramos, igualmente, subjacentes
informações que somente o conhecimento da Queda do espírito pode elucidar
convenientemente. Na obra Entre a Terra e o Céu, por exemplo, o autor nos
afirma que “a cadeia de ascensão do espírito vai da intimidade do abismo à
suprema glória celeste”(9). Como aceitar que o Senhor tenha simplesmente nos
arremetido às ignominiosas profundezas abissais apenas para crescer?
Certamente, fomos nós que nos arrojamos às furnas da matéria, gerando-nos a
tremenda necessidade de alçar novamente às altitudes divinas, proposta de outra
forma incompreensível ante a sabedoria e o infinito amor de Deus.
Essa afirmação é abonada pelo relato de Pedro em sua segunda
epístola (Pe II, 2:4), que nos diz: “Pois Deus não poupou os anjos que pecaram,
mas os lançou no inferno, prendendo-os em abismos tenebrosos, a fim de serem
reservados para o juízo”. Ora, segundo nos assevou Jesus, um “juizo” nos espera
na resolução dos tempos; e se nossa alçada evolutiva se inicia na “intimidade
do abismo”, como alega André Luiz, facilmente concluímos que somos os próprios
“anjos que pecaram”, retidos nos despenhadeiros infecundos da matéria,
aguardando o “julgamento final”.
Em A Vida Continua, o excelso mentor declara que “a evolução
é a nossa lenta caminhada de retorno para Deus”10. Logo, se estamos em uma via
de regresso, deduz-se consequentemente que nos retiramos da casa do Pai. E se
nosso caminho está eivado de dores, esforços, numerosas privações e onerosas
necessidades, caracterizados pela preclara entidade em seu conjunto como a
“dor-evolução”, então deve ter existido algo que justifique tão árdua jornada
na justa Lei de Deus.
É inegável que vivemos sérias dificuldades evolutivas e
estamos envoltos em graves limitações que nos roubam o potencial divino de
origem. Portanto somente a opção por caminhos e condutas impróprias pode justificar
a acerba condição que vivenciamos na senda do progresso. Ou seja, nossas vidas
e o próprio universo onde vivemos partem, de fato, de uma grande revolta básica
da qual todos participamos. Não temos outra forma de explicar o exótico
realismo que vivenciamos, condição completamente inadequada para seres que
foram criados como puros pensamentos, quais éramos ao surgir no seio divino.
Assim, confere-se à nossa existência o seu inquestionável caráter expiatório,
validando-se a existência da “dor-evolução” como genuíno recurso divino de
reintegração de espíritos falidos na impreterível ordem do absoluto.
No livro Ação e Reação, a sábia entidade caracteriza a vida
física como a “prisão redentora da carne”(11). Fato que está absolutamente em
conformidade com os preceitos estabelecidos em O Livro dos Espíritos que, na
questão 11, nos diz que o “espírito se acha obscurecido pela matéria”. Assim,
elucida-se que estamos em uma via de recomposição da perfeição perdida, detidos
nos cativeiros regeneradores dos redemoinhos atômicos, como uma imposição
àqueles que se rebelaram contra a Lei do amor, jamais como condição de
normalidade da obra divina. Deus não poderia impor uma verdadeira clausura aos
seus rebentos em processo de crescimento, exigindo-lhes dela libertarem-se
através da dor e da renúncia, sem um motivo que a justificasse.
No livro Missionários da Luz (cap. 17), do mesmo autor,
encontramos a afirmação: “Quase todas as escolas religiosas falam do inferno de
penas angustiosas e horríveis, onde os condenados experimentam torturas
eternas. São raras, todavia, as que ensinam a verdade da queda consciencial
dentro de nós mesmos, esclarecendo que o plano infernal e a expressão diabólica
encontram início na esfera interior de nossas próprias almas”. Torna-se evidente
nessa afirmativa que os planos inferiores da vida, tanto física quanto
extrafísica, onde imperam dores e expiações e Deus parece ausente, são nítidas
projeções “de nossa esfera interior”. Desse modo, se vivemos em um universo
imperfeito que parte do caos e nos subordina à evolução pela ação permanente da
dor, do atrito e do esforço, a caracterizar um verdadeiro inferno, somente
podemos imputá-lo às circunstâncias que criamos para nós mesmos, através de uma
“queda consciencial”. Entretanto preferimos acreditar na nossa inocência,
compreendendo a vida nos mundos primitivos como um normal roteiro que o Criador
teria imposto a todos os seus filhos. Não percebemos que nosso orgulho nos
ludibria, pois admitir a imperfeição e o sofrimento como condições naturais da
vida é violar a impreterível perfeição e o imaculado amor que necessariamente
devem imperar na obra divina.
Conferindo validade ao novo conceito de ressurreição, como
nos foi apresentado por Ubaldi, André Luiz afere-nos em Ação e Reação que “o
Mensageiro divino utilizara o sacrifício para traçar-nos o caminho da vitoriosa
ressurreição”(12). E, na obra Libertação, um de seus personagens, o espírito
Gúbio, suplica ao Pai: “Revela-nos tua vontade soberana e misericordiosa a fim
de que, executando-a, possamos alcançar, um dia, a glória da ressurreição
verdadeira”(13). Aclara-se aqui que a entidade suplica por outro tipo de
ressurreição, a legítima, aquela que representa o retorno definitivo ao
absoluto e transcende a simples transposição dos umbrais da morte ou mesmo o
renascimento na carne. A ocorrência se torna evidente em outra citação da mesma
obra: “Cada criatura encarnada permanece só, no reino de si mesma, e faz-se
indispensável muita fé e suficiente coragem para marcharmos vitoriosamente, sob
o invisível madeiro redentor que nos aperfeiçoa a vida, até ao Calvário da
suprema ressurreição”(14). E em Os Mensageiros, o mentor conclui, na voz de outro
de seus personagens: “Meditei muitíssimo, refleti intensamente e concluí que,
para atingirmos a ressurreição gloriosa, não há, por enquanto, outro caminho
além daquele palmilhado pelo doutrinador Divino”(15).
Não necessitamos de maior clareza. Mediante a revelação de
Ubaldi podemos agora compreender melhor essas pertinentes citações, contidas na
extraordinária obra de Chico Xavier, e que não foram referidas na literatura
básica do Espiritismo, por não haver chegado ainda o momento propício. Com a
informação da Queda primordial aqui apresentada, e tão bem esmiuçada nos livros
do missionário da Úmbria, torna-se agora fácil aceitar a excelsitude dessas
mensagens, das quais o nosso amor-próprio ocultou-nos o verdadeiro sentido.
Somos nós os “ímprobos da Terra”, os “filhos pródigos”, os “pobres deserdados”,
aqueles que “sucumbiram” e se acham mortos na matéria, detidos na “prisão da
carne” e carentes de ressurgir na “vida eterna”, por haver-nos afastado da casa
paterna.
Essa é uma das mais importantes afirmações de nosso tempo, a
qual nos leva agora a reafirmar a verdade apregoada pelo cristianismo ao longo
dos séculos: Jesus, o Salvador, veio reconduzir-nos ao seio da família divina,
resgatando-nos das trevas onde nos achamos procumbidos. Estamos de fato
distorcidos de nossa verdadeira natureza e muito distantes do reino de Deus. E
não foi nosso Pai que nos retirou de lá para evoluirmos, em absoluto. O Seu
amor infinito não tornaria isso possível. Nós mesmos nos apartamos para o livre
exercício da rebeldia e do egoísmo. Agora sim, todos os corolários ofertados
pela ciência espírita podem ser devidamente compreendidos e perfeitamente
jungidos aos preceitos cristãos, nada mais podendo ser negado, sem que se fira
a lógica da realidade em que estamos inseridos e os egrégios ensinos de Jesus.
Os exemplos espalhados pela vasta literatura espírita são
muitos e deixamos aqui apenas aqueles que de imediato nos ocorreram. Certamente
que o estudioso saberá agora identificá-los facilmente, uma vez que tenha
compreendido o verdadeiro sentido da palavra dos Espíritos.
A doutrina espírita alberga ainda a visão da Queda
primordial em outros trabalhos, embora contestados por muitos de seus
seguidores, derivados da obra Os Quatro Evangelhos de J. B. Roustaing. Compondo
o que se convencionou designar de roustanguismo, trata-se de um extenso estudo
de natureza mediúnica, produzido pela médium francesa Émilie Collignon,
organizado por Jean-Baptiste Roustaing, um advogado de Bordeaux, e publicado na
França em 1866, ou seja, três anos antes da partida de Allan Kardec. Editada no
Brasil em quatro volumes, essa obra contou com o apoio de Bezerra de Menezes,
quando ainda encarnado, e continua a ser patrocinada pelo órgão representativo
do Espiritismo em nosso país, a Federação Espírita Brasileira (FEB). Fato que
nos demonstra que a terceira revelação deu guarida à tese da falência
espiritual, sem que isso significasse conflito algum com os postulados básicos
lançados pelo codificador.
Não pretendemos trazer à tona a questão do corpo fluídico de
Cristo, proposta apresentada no trabalho de Roustaing e bastante complexa para
os nossos conhecimentos atuais. Ressaltamos, porém, que o tema fundamental
desse estudo não é bem a organização biológica de que Jesus se serviu em sua
romagem terrena, mas sim a Queda do Espírito. Essa temática, das mais
importantes para a nossa evolução, terminou por ser eclipsada pelas polêmicas
que a natureza do corpo de Jesus veementemente suscitou nos meios espíritas. A
derrocada espiritual, entrementes, está muito bem caracterizada na obra,
conferindo ao homem que evolui na Terra a imagem de um ser falido na criação
divina, e ao Evangelho a pertinente interpretação de roteiro de redenção,
destinado a restituí-lo à ordem perdida.
O escritor espírita Antônio Luiz Sayão produziu o livro
Elucidações Evangélicas, publicado também pela FEB e considerado um resumo
muito bem elaborado do extenso trabalho de Roustaing. Nessa rica exegese
podemos ler, como exemplo da ideologia da Queda: “Saindo puro e inocente das
mãos de Deus, o Espírito viveu no ‘paraíso’ até que, transviando-se, incorreu
em faltas que só por meio de encarnações e reencarnações no mundo poderia
remir, em tantas gerações quantas sejam necessárias à reparação das
iniquidades. [...] Cometido o pecado, expirou a inocência de Adão, ou seja — na
legião de Espíritos de que Adão é o símbolo, verificou-se a encarnação dos que
se tornaram culpados, o sepultamento deles na carne. Daí vem o dizer-se que em
Adão todos morremos. [...] Essa é a morte de que falava o divino Mestre. [...]
Deu-se a morte de Adão, isto é, dos Espíritos de que ele é o símbolo, quando
estes, por se haverem tornado pecaminosos, tiveram que mergulhar na carne, em
forma humana, qual a de todos os que habitam este planeta, mundo atrasado,
cárcere de criminosos, onde a vida decorre sujeita às contingências do trabalho
árduo, das fadigas e das misérias sem conta que nos consomem”(16).
Esse texto deixa claro que a encarnação não seria simples
meio de edificação de almas recém-saídas do seio divino, como a princípio a
interpretação kardecista nos induz a crer, porém um método de correção de seres
que a priori optaram por uma revolta contra a ordem estabelecida pelo Criador.
Essa mesma explicação se encontra na obra Universo e Vida,
do espírito Áureo, psicografada por Hernani T. Sant’Anna e também publicada
pela FEB. Essa psicografia, referta de modernos conceitos científicos,
deixa-nos claro que a necessidade fundamental da encarnação em corpo de matéria
é consequência direta da Queda espiritual (pág. 65 da 7ª edição). Fato que nos
esclarece a questão 86 de O Livro dos Espíritos, a qual nos afirma,
deixando-nos intrigados, que o “mundo corporal poderia deixar de existir ou
nunca ter existido”, sem que isso afetasse o mundo espiritual.
O livro Universo e Vida apresenta ainda um entusiástico
ensaio unificador da revelação espírita em torno dos ensinos de Kardec,
Roustaing e Ubaldi. Embora considerada polêmica por muitos estudiosos, essa
obra detém o valor de nos demover da dogmatização que, por arraigado hábito
humano, permanentemente ameaça macular a doutrina dos Espíritos. Ela nos atesta
que os alicerces espiritistas não estão perfeitamente unificados, e que não
podemos nos fixar neles como se fossem verdades inamovíveis, mas sim
conhecimentos focados em diferenciados ângulos da verdade. Assim, a codificação
kardequiana básica não deve ser encarada, como muito bem a caracterizou o seu
fundador, como um repositório de verdades prontas e irredutíveis, porém
informes progressivos que aguardam a nossa evolução para se fazer mais bem
compreendidos.
Pode-se concluir dessa rápida exposição que o Espiritismo
não constitui um corpo conceptual homogêneo, mas convive com importantes
dilemas a permear a sua base filosófica. Dilemas que as instituições espíritas,
atendendo ao bom senso, habitualmente evitam abordar, a fim de não semear
dúvidas destrutivas nos neófitos que a elas recorrem em busca de verdades
sólidas e inquestionáveis. Contudo a evolução do pensamento humano
inevitavelmente terminará cobrando da nossa doutrina a mais perfeita equidade
de seus fundamentos. Sem considerarmos que o roustainguismo representa, na
atualidade, um apreciável seguimento do Espiritismo brasileiro, adotado pelo
seu órgão diretor e que não pode continuar à deriva de seu corpo doutrinário
principal.
Desse modo, podemos aferir importância capital ao estudo da
Queda espiritual, nas suas variadas versões aproximativas da verdade,
tornando-a indispensável a todo estudioso interessado em avançar na ciência do
espírito. Estudo sobremodo útil não só para nos libertar de nossos costumeiros
dogmas bem como encaminhar-nos para a validação de todas as correntes em jogo
no âmbito da religião espírita. E assim guardamos a esperança de que em futuro
próximo possamos urdir em um único corpo doutrinário as lições básicas da
codificação kardequiana, as teorias de Roustaing e a revelação de Ubaldi,
compreendendo-as como parcelas distintas de uma mesma e ampla realidade, cuja
completude nossa razão atual ainda não pôde abarcar.
Pode-se então concluir que as revelações trazidas por Ubaldi
não vêm romper a unidade doutrinária do Espiritismo, porém, muito pelo
contrário, unir-se ao esforço de cingir as suas principais correntes
filosóficas em um só contingente da verdade, sanando-se as suas aparentes
divergências. Além do mais, como vimos, elas representam a chave que nos
faltava para unificar o evoluído pensamento espírita à teologia cristã,
conferindo-lhe legitimidade universal. E então passaremos a entender a
relevância que aqui lhe foi dada.
Antevemos que estamos diante de uma nova revolução
ideológica, a qual não só convulsionará a epistemologia moderna como também
será a base para todo edifício conceptual a se erguer doravante no profícuo
terreno do espírito, fazendo-se assim o sustentáculo da nova civilização do
terceiro milênio. Os estudos psíquicos serão abastecidos com essa renovada
compreensão dos panoramas da alma humana, consubstanciando significativamente
uma nova psicologia e uma nova medicina na Terra, as quais nos disponibilizarão
renovados e surpreendentes recursos terapêuticos. E, sobretudo, será o fator
que aproximará o Evangelho do Cristo da ciência dos nossos dias, conferindo-lhe
o aval de insofismável verdade científica. Eis então que não podemos deixar
passar a oportunidade de meditar profundamente nessas lições, preparando-nos
para as estradas do porvir.
Por tudo isso, estamos certos de que a premissa da Queda
será, no futuro, comparada à descoberta de Copérnico, a qual nos retirou
definitivamente do centro do universo, pois, uma vez compreendida, ela nos
projetará em uma revolucionária e surpreendente visão da vida e de nós mesmos.
Fato que não apenas modificará significativamente a face do planeta, como
também, enfeixando o mais espetacular estímulo de reforma moral, ajudará a
fixar em nós a imprescindível redenção crística.
Remetemos o leitor interessado em aprofundar a análise dos
temas aqui apresentados às obras de Pietro Ubaldi, sobretudo Deus e Universo, O
Sistema e Queda e Salvação (17), onde encontrará o mais importante e detalhado
estudo da grande queda do espírito já composto até os dias de hoje. Obras que
não só nos esclarecem sobremaneira, mas representam o mais elevado compêndio de
ciência do espírito ao nosso dispor na atualidade.
Belo Horizonte, outono de 2007
Gilson Freire
Notas
-1 O Sistema, página 8 da 3ª edição – um dos livros de Pietro
Ubaldi, traduzido e apresentado por Pastorino, publicado pelo Instituto Pietro
Ubaldi.
- 2 FEB, capítulo I, item 55.
-3 Editado pela FEB.
-4 Os grifos em todas as citações são nossos.
-5 FEB, 30ª edição, primeira parte, capítulo 1, página 13.
-6 Editado pela FEB.
-7 FEB, 13ª edição, segunda parte, capítulo II, página 202.
-8 FEB, 27ª edição, capítulo 2, página 30.
-9 FEB, 7ª edição, capítulo 33, páginas 213 e 214.
-10 FEB, 6ª edição, capítulo 21, página 179.
-11 FEB, 4ª edição, capítulo 2, página 24.
-12 FEB, 4ª edição, capítulo 11, página 155.
-13 FEB, 21ª edição, capítulo 18, página 227.
-14 FEB, 21ª edição, capítulo 18, página 233.
-15 FEB, 30ª edição, capítulo 11, página 63.
-16 FEB, 7ª edição – Mateus I, 1-17; Lucas III, 23-28 –
páginas 67 e 68.
-17 Publicadas pelo Instituto Pietro Ubaldi.
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