Degustação do livro. Capitulos I e II
Primeira
Parte
A
V I S Ã O
Capítulo
I
O
MÉTODO
Em
primeiro lugar, temos de explicar a técnica de pensamento que
usamos, para chegar às concepções a que aqui exporemos.
Podemos
estudar a natureza de um terreno, de duas maneiras: 1) construindo,
para nós, um conceito geral, observando-o do alto de um monte ou de
um avião; 2) fazendo uma idéia dele percorrendo-o a pé, passo a
passo, em todos os sentidos. No primeiro caso teremos uma visão de
conjunto, que chamaremos de síntese. No segundo teremos uma visão
de pormenores que chamaremos de análise. No primeiro caso veremos as
linhas gerais, que nos escapam no segundo; no segundo veremos as
linhas dos pormenores, que nos escapam no primeiro.
É
lógico ser desse modo, porque o ser humano se encontra exatamente
entre o microcosmo e o macrocosmo, ou seja, entre o infinitamente
pequeno e o infinitamente grande. Somos feitos para perceber com os
nossos sentidos apenas a realidade que nos é oferecida pelos
fenômenos de nossa grandeza. Procuramos afastar-nos deles,
superando-lhes os limites, com o microscópio e o telescópio, mas só
podemos fazê-lo até certo ponto. Conseguimos, então, chegar um
pouco mais longe, mas temos, depois, de parar, diante de horizontes
mais afastados, além dos quais, para nós, o infinito permanece
igualmente inatingível.
O
pensamento humano, filho de capacidades perceptivas incrustadas pela
natureza das coisas entre esses dois extremos, lançou-se, em seu
impulso natural para o conhecimento, ora uma direção ora noutra,
criando assim instintivamente os dois métodos de pesquisa que o
homem conhece: o dedutivo e o indutivo. Possuindo a inteligência e
equipado assim, com meios para caminhar, o homem tinha de seguir as
duas estradas que já o esperavam, traçadas na estrutura do mundo, e
por elas caminhou. Logo, com o seu método dedutivo explorou o
terreno, como de cima de um monte ou de um avião, obtendo uma visão
de síntese, mas sem ser controlada no local, em contato com o
terreno onde ocorrem os fenômenos; uma visão de conjunto, de
princípios gerais, onde faltam os pormenores. Isto ocorreu quando o
homem se entregou nos braços da inspiração, da intuição ou da
revelação. Daí tirou os princípios gerais, não demonstrados, não
focalizados com exatidão pelo trabalho racional, suficientes para
saciar apenas a mente, até quando o seu amadurecimento lhes
despertasse a fome de saber mais.
Eis
então que, em certo momento, nasce a ciência, usando a perspectiva
oposta, ou seja, o método indutivo; com sua posse começou a
explorar o terreno não mais do alto, mas percorrendo-o passo a
passo, entrando em contato direto com os fenômenos. Não mais visão
de conjunto, de síntese, mas dos pormenores, analítica. Daí a
observação e a experiência, no primeiro caso excluídas, e os
resultados práticos e utilitários, produzidos pela ciência.
Este
método, entretanto, diante do problema do conhecimento, tem um ponto
fraco: se é mais apto a agir na matéria, dando-nos resultados
práticos, é o mais inadequado, por ser método de análise, para
dar-nos a visão de síntese e resolver assim o problema do
conhecimento. Sucede então que, em pleno século de ciência
positiva, como o nosso, voltamos a confiar no gênio dos grandes
matemáticos, os quais, por abstração – não só trabalho de
lógica, mas também de intuição conseguem elevar-se acima do mundo
fenomênico, daí trazendo a visão de conjunto, que a ciência
positiva, com seu método experimental, não consegue alcançar. No
entanto, também a ciência necessita da intuição, pelo menos para
formular algumas hipóteses de trabalho, sem o que não consegue
orientar-se, ficando em seu progresso, sujeita às puras tentativas.
X
X X
Após
esta premissa, vamos ao nosso caso. Nos volumes anteriores usamos,
alternadamente, ora um ora o outro desses dois métodos. Neste volume
utilizar-nos-emos de ambos dirigindo-os em colaboração para o mesmo
alvo. Quer dizer, usaremos os dois métodos e as duas perspectivas: a
da revelação, intuição e inspiração – ou seja visão
panorâmica por síntese – e a da observação e experiência –
ou seja visão detalhada por análise. São estas as duas formas do
pensamento humano: religioso e científico, isto é, descida do
pensamento de Deus à Terra, por meio dos profetas e inspirados, e a
laboriosa ascensão do pensamento humano por meio dos pensadores e
dos cientistas.
Eis
aí o método que seguiremos. Para atingir o máximo resultado
possível, na busca da verdade, e alcançar o máximo possível de
conhecimento, usei alternadamente os dois métodos: inspiração e
razão.
Começo,
assim, enfrentando o problema com a visão panorâmica, do alto, ou
seja, com inspiração. Dessa forma, obtenho uma visão de conjunto,
ou total, o último resultado de uma operação, da qual, entretanto,
não conheço os termos componentes donde esses totais derivaram.
Faltam os pormenores, as provas, o controle racional, para esses
resultados serem aceitáveis no plano lógico, a fim de que resultem
demonstrados, de acordo com a forma mental do homem moderno. A
intuição não nos dá nada disso. Ela produz num lampejo, uma visão
de síntese, sem minúcias, na qual não é possível aplicar,
naquele momento, análise e controle, nem de observação, nem de
experiência. Pude conseguir desse modo a orientação geral, mas
falta todo o resto. Assim, chego a descobrir a conclusão a ser
alcançada; mas pelas vias racionais, ainda não sei o caminho para
chegar lá. Vi a verdade, mas não posso demonstrá-la, agora. Tanto
mais que o fenômeno da inspiração é, em grande parte,
independente de nossa vontade. Mas enfim, alguma coisa conseguimos,
precisamente a orientação geral que hoje falta à ciência.
Os
profetas, os inspirados, as revelações das religiões pararam aí.
É natural, portanto, que a ciência ao trabalhar no pólo oposto,
não tome em consideração esses resultados, os quais, no entanto,
são de grande importância. Ela não deveria tê-los rejeitado, mas
antes tomado para examinar e dar-lhes uma explicação, pelo menos
uma hipótese de trabalho, que pudesse, mesmo provisoriamente,
preencher a sua falta de orientação quanto aos problemas máximos
do conhecimento. Por enquanto, não vamos deter-nos neste ponto. Ao
contrário, temos de procurar completar os resultados da inspiração
recebida, usando em seguida, num segundo tempo, também o método
oposto e complementar, que é o da ciência. Devemos, assim, descer
do monte ou do avião, ao nível do terreno e percorrê-lo todo a pé,
observando-o de perto. Isto procuramos fazer em vários volumes, onde
retomamos os temas da inspiração para desenvolvê-los
racionalmente, controlando-os com a observação e a experiência.
Guiados pela inspiração recebida, maior é nossa orientação, e
não vamos explorando ao acaso; mas, pelo contrário, seguimos
direções precisas, porque sabemos, mesmo antes de vê-los, que lá
existe um rio, um bosque, uma rocha, um terreno diferente. Com o mapa
geral do solo, obtido com a perspectiva do alto, reduzir-se-á o
nosso trabalho apenas à análise dos pormenores, em vista de a visão
sintética estar diante de nossos olhos, nos orientando. Com esse
mapa nas mãos, não temos o trabalho de fabricar outro para
orientar-nos e podemos, pois já estamos orientados, concentrar toda
a nossa atenção no estudo das minúcias.
Infelizmente,
a ciência se acha em outras condições. Ela não tem nas mãos o
mapa geral do terreno, para fazer as suas pesquisas. Acha-se diante
de um número infinito de pormenores, e o fato de estar obrigada,
através deles, a chegar à reconstrução de uma visão de conjunto,
constitui uma dificuldade por vezes insuperável, pois em nosso
universo, como veremos, a unidade do todo foi pulverizada na infinita
multiplicidade fenomênica. Por isso, ela é obrigada a limitar-se a
sondagens parciais, denominadas hipóteses; estas, controladas mais
tarde pela observação dos fatos, são definitivamente aprovadas
como teorias aceitas, representando apenas sínteses parciais,
limitadas a campos restritos ou aspectos da verdade global. Assim,
tudo permanece fracionário, cobrindo apenas estreitas faixas do
terreno. No conjunto, tudo fica desorientado, justamente porque falta
o meio para alcançar uma visão de síntese, coisa que a análise,
por sua natureza, é incompetente para nos dar. Dessa forma, se a
ciência é o meio mais adequado para produzir resultados de caráter
material, mostra-se mais inepta para produzi-los de valor espiritual.
E isto porque, estando ela situada na multiplicidade dos pormenores
fenomênicos, no terreno das formas e dos efeitos – no pólo oposto
do centro unitário da Divindade, da qual desce a revelação –
mostra-se por sua natureza, a mais incompetente para alcançar
resultados unitários de síntese, ou seja, visão geral, única que
pode resolver os problemas máximos e dar-nos o conhecimento.
Fica-lhe, dessa maneira, vedada a função de orientação, que
compete, pelo contrário, à inspiração, como a esta é vedada a
função do conhecimento analítico, que compete à ciência.
Mesmo
em relação ao nosso caso, temos de fazer estas referências
contínuas ao estado atual do pensamento humano, pois o nosso deve
também orientar-se em relação a ele e à sua atual fase de
desenvolvimento. Procuramos, assim, não permanecer unilaterais, como
as religiões de um lado e a ciência de outro, acreditando cada uma
ter a sua perspectiva particular, suficiente para abarcar a verdade
toda. Em vez de completar-se, como é necessário entre coisas
complementares, a fé e a ciência têm procurado excluir-se,
condenando-se uma à outra.
Procuramos,
por isso, evitar esse erro de unilateralidade, fundindo os dois
métodos, sem nos fecharmos em barreiras preconcebidas, nem num nem
no outro pólo. Sempre há alguém para compreender cada vez melhor,
ou, seja, para alcançar o conhecimento, se, em vez de uma, dispõe-se
de duas perspectivas ao mesmo tempo: a sintética e a analítica.
X
X X
Aí
está, portanto, o que será e é, de u'a maneira geral, o nosso
trabalho no segundo momento. Quando já houvermos registrado, por
escrito, os resultados da inspiração e tiver cessado o lampejo, do
qual derivam aqueles conceitos, então cessa de funcionar a intuição,
e voltamos ao estado normal. É como se descêssemos do monte ou do
avião. Aí, então, começamos a andar a pé, no chão, passo a
passo. Tornamo-nos, dessa forma, investigadores comuns, que observam
e experimentam. Estamos, então, fora do mundo da revelação e da
fé, penetrando no da pesquisa e da ciência. Usamos, agora, a forma
mental, não mais a de quem crê, mas a de quem duvida. As atitudes e
as perspectivas invertem-se. Não se abre a alma de Deus, mas
buscam-se provas, entrando na fase de controle racional da intuição.
O nosso pensamento põe-se a funcionar com engrenagens diferentes,
pondo-se em relação diferente com o existente, não mais de
espírito, interior, por visão, mas de sentidos, exterior, por
contato material.
Entro
pois nesta segunda fase retomando o pensamento já atingido pela
inspiração e o analiso. Eu mesmo procuro as provas, com os meios
racionais e culturais, porque só quando tiver transformado o
pensamento intuitivo, nesta segunda forma, então poderei
apresentá-lo aos modernos homens da ciência, os quais só tomam a
sério o pensamento quando este se apresenta assim revestido. Nesta
segunda fase, não é mais a inspiração que trabalha, mas apenas as
forças da minha pequena inteligência humana. Não vôo, mas caminho
à pé, e a cada passo toco a terra e tudo em meu redor. Tenho de
fazer, então, pesquisas, e quando me falta o conhecimento de alguma
coisa, devo procurá-la e encontrá-la nos livros científicos.
Entretanto,
esta não é a investigação comum, da qual se diferencia. Não se
realiza por tentativas, mas segue uma orientação conhecida, não se
encontrando nos livros. Quem já está orientado por sua conta, sabe
o que quer achar; do que é dito pela ciência, sabe o que deve e o
que não deve aceitar. Nesta pesquisa, não me submeto à orientação
dada pelos livros. Ela já me foi dada pela inspiração e só esta
me pode dar. À ciência eu peço apenas o fato, o fenômeno que não
está em minhas mãos, o qual a ciência conhece bem, porque é a
ciência dos fatos e dos fenômenos; peço-lhe apenas os pormenores,
pertencentes à sua análise, e não fornecidos pela visão sintética
de conjunto.
Quis
explicar tudo isto, também para afastar o mal-entendido que a meu
respeito tem ocorrido no Brasil. Fui aqui qualificado de médium, o
que neste país tem o significado geral de receber, neste caso,
mensagens escritas e fragmentárias (quase nunca um tratado
sistemático e completo), proveniente de determinadas entidades, que
quase sempre foram humanas; e tudo isso, em estado de inconsciência,
em estado de transe. Enquanto para esses médiuns, a maior prova da
genuinidade da recepção reside em não se conhecer aquilo que se
escreve, para mim a maior prova consiste no controle contínuo, que
eu posso fazer, em plena consciência, da própria recepção, no
momento mesmo em que ela ocorre. No meu caso, a passividade do transe
não é uma virtude, mas um defeito que deve ser evitado; se eu não
perceber, em plena lucidez, os conceitos que estou recebendo, seria
apenas u'a máquina cega, passiva e irresponsável, e não poderia
distinguir os conceitos inspirados, dos que não o são. Tenho de
tomar parte no trabalho com a minha contribuição pessoal, que a
seguir deve controlar os resultados obtidos pela inspiração,
verificando se são genuínos, submetendo-os ao exame da razão e da
cultura, baseando-os em provas, traduzindo-os para a linguagem
científica moderna. Trabalho sério e árduo, exigindo disciplina
intelectual e certo conhecimento da arte de saber pensar. Pode-se
então imaginar a dificuldade surgida aqui, quando tive de entrar
nessas categorias já estabelecidas, adequadas a outros casos e tipos
de fenômenos, tendo de vestir uma roupa que não tinha as minhas
medidas. A finalidade do meu trabalho não é apenas demonstrar a
sobrevivência da alma ou o fenômeno mediúnico, mas oferecer ao
mundo cultural moderno o resultado de um trabalho sério de
investigações positivas, realizadas em campos inexplorados, com o
método da intuição, novo para a ciência. O meu trabalho não
consiste em fazer ato de fé neste ou naquele grupo religioso, mas em
explorar, com métodos novos, o inexplorado, em enfrentar e
possivelmente resolver, perante a ciência e o pensamento moderno, o
tremendo problema do conhecimento. Assim, como fui julgado condenável
pela Igreja católica, na Itália, porque não era ortodoxo, o mesmo
ocorreu comigo neste novo ambiente mediúnico. Pelo que parece:
procurar a Verdade, sem preconceitos, não pode ser aceito como
ortodoxo em nenhum grupo humano.
De
tudo isso, o leitor poderá compreender como os meus livros nascem de
uma profunda elaboração. A fonte primeira e maior é a inspirativa.
Representa a origem de onde nasce tudo. Se mais tarde, leio algo a
respeito do argumento tratado, isto é só depois, para conhecer o
ponto de vista da cultura contemporânea, a respeito dos temas
desenvolvidos. Mas jamais a opinião alheia, tendo chegado sempre num
segundo momento, modificou ou pôde modificar o que resultara da
inspiração. Jamais aconteceu alterar, por maiores que fossem as
objeções dos opositores. Em caso de discussão e dúvida, sempre
acrescentei esclarecimentos e exemplos, para explicar melhor,
eliminando todas as dificuldades possíveis, para achar cada vez mais
provas, a fim de eu mesmo – que nesta segunda fase do trabalho me
fizera tanto mais desconfiado, como o quer a ciência positiva,
quanto mais confiante fora na primeira fase – ser constrangido a
render-me diante da evidência e aceitar como prova as conclusões da
inspiração. Trabalho útil, porque havendo-me colocado no estado
psicológico do homem mais desconfiado e refratário, tive de achar
tantas provas até ficar esmagado e convencido. Quis eu mesmo
colocar-me num estado de descrença tal, que não houvesse mais lugar
para a descrença alheia.
Compreendida
a gênese do pensamento a ser aqui seguido, vamos proceder à
exposição dos princípios fundamentais do Sistema.
Xxxx
Tudo em nosso mundo, se baseia numa contraposição de conceitos
opostos, que se completam como dois pólos do ser; são contrários,
mas só podem existir um em função do outro; lutam, mas justamente
na luta se escoram mutuamente, e um não pode dispensar o outro. Ora
tudo isso é dado pelo primeiro modelo Sistema/Anti-Sistema, modelo
que aparece reproduzido em todas as formas do ser. Todo o nosso modo
de conceber depende desse fato. Assim a afirmação nasce da
contradição, e só podemos afirmar enquanto existe o termo oposto
da negação. Por isso, é a negação que conduz à afirmação, e é
a afirmação que implica a possibilidade da negação.
Acontece
então que não sabemos conceber o infinito e o absoluto senão como
o estado inverso ao nosso estado de finito e relativo. De modo que o
conceito que, em nossa posição de Anti-Sistema, conseguimos formar
do Sistema, é para nós, negativo; é assim em relação a nós,
apesar de tratar-se da coisa mais positiva que pode existir. O fato
de que nós só conseguimos fazer do infinito e do absoluto uma idéia
que representa o inverso de nosso finito e relativo – e não uma
idéia direta e positiva – dá-nos ainda uma prova de que estamos
situado no Anti-Sistema, por efeito da queda.
Vejamos
um caso mais particular. Poder-se-ia dizer que o ateísmo representa
uma das provas da existência de Deus. O ateísmo é uma negação
que presume a afirmação, e que só em função dela pode existir. A
negação não só presume e prova a afirmação, como faz parte de
dois conceitos que se condicionam reciprocamente, de modo que um não
pode existir senão em relação ao outro. Há mais ainda, porém. A
negação, ao negar – enquanto é negação – alimenta e reforça
o poder da afirmação apenas com sua presença. Quando há dois
conceitos juntos, dizer não
de um lado, significa dizer sim
do outro. De modo que, em última análise, o não
só pode existir para anular-se a si mesmo, e para reforçar, com a
própria negação, a afirmação oposta. Quem nega, nega em última
análise a si mesmo, ou seja, se destrói; e quem afirma, afirma a si
mesmo, isto é, se torna mais poderoso, e constrói. Quem nega uma
afirmação, nega a si mesmo em favor dessa afirmação, que se torna
mais poderosa, crescendo por meio dessa negação. Os negadores caem
nesse erro. Deduz-se daí que, quando um conceito possui valor
intrínseco como afirmação de verdade, ele nada terá de temer das
negações que, se aparecerem, trabalharão em seu favor. O esforço
para destruir a nova verdade é utilizado, pelas leis da vida, para
difundi-la, tal como os ventos tempestuosos que trazem destruição
são utilizados para levar para longe as sementes fecundas de uma
vida mais ampla. E a própria posição negativa assumida pelos
negadores, servirá para destruí-los em favor da afirmação,
nutrindo-a com a própria carne.
O
modelo dos dois opostos, Sistema e Anti-Sistema, nós o vemos
reproduzindo também nos dois termos contrários: espírito e
matéria. E instintivamente o homem vê Deus e o paraíso, isto é, o
Sistema, no céu; e nas vísceras da terra, afundado na matéria, o
inferno. Por que isso? Porque a queda foi do estado de espírito ao
estado material, através da energia. Aqui a idéia da queda é
reproduzida em sentido espacial, do céu para a Terra. Na concepção
de Dante, Lúcifer se precipita do céu ao inferno, aprofundando-se
até o centro da Terra, onde, no ponto mais longe do céu, permanece
a habitação do maior rebelde a Deus. E as subidas ao céu são
concebidas em sentido contrário. O purgatório dantesco é o monte
da ascensão, subindo pelo qual, de plano em plano, se chega ao
paraíso. Esse inferno e purgatório exprimem exatamente, em sua
posição inversa, o primeiro, cavado nas vísceras da matéria, o
segundo, emergindo de seu seio, as duas metades inversas e
complementares do ciclo da queda, constituído pelo período
involutivo (queda no inferno) e pelo período evolutivo (purgatório),
da purificação que leva a Deus. Sob outra forma, achamos aí a
substância da visão que expusemos. O inferno dantesco possui todas
as qualidades do Anti-Sistema: trevas, dor, ódio, mal etc.. O
paraíso dantesco possui todas as qualidades do Sistema: luz,
felicidade, amor, bem etc.. Também no inferno há certa ordem e
disciplina. Mas a ordem é coagida, a disciplina é a do escravo
algemado; enquanto que no paraíso a ordem e a disciplina são livres
e por convicção. Isso corresponde aos conceitos de determinismo, a
que está presa a matéria, e de liberdade, primeira qualidade do
espírito.
Explicam-se,
dessa maneira, muitos modos de conceber, que encontramos nas várias
religiões, e as formas com que os estados de além túmulo são
representadas por elas. Explica-se assim a contraposição entre
espiritualismo e materialismo, o primeiro concebido como elevação,
o segundo como negação. Explica-se a divisão do pensamento moderno
nestas duas direções opostas, num contraste que representa em nosso
mundo a luta entre o Sistema e o Anti-Sistema. O materialismo moderno
constitui um movimento de descida, mas descida na matéria, para
depois chegar a compreender melhor, em relação a Deus e ao
espírito, a significação do universo e de nossa vida nele. O
materialismo nasceu como corretivo e reação ao espiritualismo
abusado das religiões, como liberação e renovação, a fim de
passar das velhas estradas às novas, como salvação da
cristalização dogmática, a fim de que o pensamento não
permanecesse aí, morto dentro delas, mas revivesse, continuando a
avançar. Só num primeiro momento é que a ciência apareceu como
inimiga da fé, quando se manifestou como reação de cura do
pensamento humano, o qual corria o perigo de permanecer fechado em
alguns caminhos sem saída. Mas depois a ciência materialista não
podia evitar de caminhar, de iluminar-se mais, de construir; porque
observando honestamente os fatos e os fenômenos, tinha que
encontrar-se com o pensamento de Deus que os dirige, e chegar a ouvir
a voz de Deus que fala neles. Pôde assim aparecer a verdadeira
função positiva criadora, própria desse regresso a matéria, ou
seja, a de poder tomar um impulso mais forte, a fim de poder ascender
mais para o alto, no caminho da evolução para o espírito. Fato que
só agora começa a delinear-se mas que representa o verdadeiro
sentido, o valor e o futuro da ciência.
Capítulo
II
DEUS
E CRIAÇÃO
Para
tornar a exposição compreensível à forma mental comum, tive de
exprimir, em A Grande Síntese e em Deus e Universo, a concepção
sintética da primeira visão intuitiva, por graus e por concatenação
de desenvolvimento lógico. Assim, para torná-la mais compreensível,
a visão sintética foi expressa analiticamente. Sigamos agora o
processo inverso expondo os conceitos na forma em que realmente me
apareceram, isto é, num primeiro momento como síntese ou visão de
conjunto, e só num segundo momento, como controle racional e
exposição de provas, pondo-nos em contato com a realidade dos
fatos. Dessa forma, podemos colocar como atual ponto de partida, o
que daqueles livros era, ponto de chegada. Assim, teremos logo diante
dos olhos o quadro geral do Sistema completo, de acordo com a
perspectiva panorâmica obtida, observando-a do alto. Desceremos,
depois, num segundo momento, ao nível do terreno, para percorrê-lo
a pé, trabalho que nos permitirá verificar, tocando de perto a
realidade, que a visão de conjunto corresponde aos fatos.
O
nosso ponto de partida será, pois, o capítulo final, intitulado:
"Visão Sintética" do Volume Deus e Universo. Naquela
visão, de máxima amplitude, que até agora conseguimos por
intuição, enxertaremos a outra visão, menos vasta, porém mais
próxima, a de A Grande Síntese. Os conteúdos dos dois volumes
estarão, pois, fundidos aqui numa única concepção, que nos dará,
num só golpe de vista, a visão de todo o Sistema. O nosso trabalho
é, agora, o mesmo da minha primeira fase de recepção por
inspiração, ou seja, abrir os olhos e ver. Depois, num segundo
momento, faremos o outro trabalho, o de analisar, para compreender
racionalmente. Desta maneira, fazendo o leitor seguir o mesmo caminho
que segui, procuro dar-lhe a sensação viva do fenômeno como eu
mesmo o vivi.
Então,
num primeiro momento, somos apenas seres sensibilizados, dotados de
uma visão interior, observando nossas percepções, sem exercer
nenhum controle racional a fim de saber se correspondem aos fatos e a
razão pela qual devam ser como nos aparece. Só mais tarde serão
enfrentados esses quesitos, dando-se-lhes resposta. Então, como
ponto de partida teremos os totais da operação que nos chegaram de
forma sintética, para os analisar, buscando os seus termos
constitutivos, por meio dos quais poderemos novamente alcançar
aqueles totais, mesmo usando a forma mental moderna. Coloquemos,
então, agora, as conclusões, para depois proceder à sua análise.
Poderá isto parecer estranho, mas a humanidade enfrentou o problema
do conhecimento com o mesmo método: primeiro a revelação, por meio
de profetas e inspirados, depois a ciência, com a observação e a
experiência. É este, portanto, o sistema usado pelas leis da vida,
no desenvolvimento do pensamento humano. São dois momentos
sucessivos e complementares: o primeiro é o movimento instintivo e
inconsciente do menino que abre os olhos, olha e assimila; o segundo
é o movimento reflexo e consciente do adulto, controlando com a
razão o que vê, não mais esperando o conhecimento descer
gratuitamente do Alto, mas movendo-se ele mesmo à sua procura, com
seu trabalho e esforço.
Em
vista de as duas operações se completarem mutuamente, sendo uma
necessária à outra, devemos executar ambas. Fiquemos agora no
âmbito da primeira. Neste trecho no qual a intuição impera, os
céticos ainda nada podem dizer. Para a dúvida, que virá mais
tarde, ainda não há lugar aqui. Estamos agora na fase em que se
olha, se recebe e se registra. Os raciocinadores, os críticos, os
céticos, trabalham em outro terreno, e virão depois, sendo bem
aceitos, porque também são utilíssimos para realizar o trabalho de
controle. Mas nesta primeira fase, só pode olhar e calar-se.
Na
atual visão de síntese, encontramo-nos situados no absoluto, no
qual tudo é suprema abstração, onde tudo escapa a uma
possibilidade de controle com os meios de nossa concepção de origem
sensória e com os princípios da realidade fenomênica de nosso
mundo. Diante dessa visão, falta-nos qualquer meio de controle
direto e ponto de referência, não funcionando a observação e a
experiência, que constituem a força da ciência. Mas isto não
significa não haver a possibilidade de algum controle. Ele existe,
mas indireto. Movemo-nos aqui no âmbito das causas primeiras, cuja
essência escapa à nossa percepção. Destas causas, possuímos os
efeitos repercutindo em nosso mundo, efeitos que vivemos e dos quais
somos o resultado. Sem dúvida, não podemos ver o Absoluto, mas
podemos fazer dele uma imagem, indiretamente, através dos reflexos e
efeitos que vemos em nosso relativo, o qual bem conhecemos. Esses
efeitos, nós os temos sob os olhos, controláveis a cada momento,
falando-nos sempre da causa, de que são filhos diretos. Assim, neles
podemos ver o rosto da mãe, cuja fisionomia pode ser reconstruída
até por meio daquela razão, que não chega a vê-la, como o faz a
intuição. Então, por um caminho mais longo, podemos levar os
céticos a admitir a verdade daquelas visões que, por sua natureza,
são incontroláveis diretamente.
Quando
chegamos a esta visão, não podemos saber nem nos perguntar por que
Deus quis existir e agir de determinada maneira e não de outra.
Podemos somente receber a visão e registrar o estado de fato, que
ela representa, e por fim aceitá-lo. Não podemos discuti-lo, nem
modificá-lo, como é o caso da lei que regula qualquer fenômeno. Em
ambos os casos verificaremos que o estado de fato é assim, acontece
assim, sendo esta a inviolável estrutura do fenômeno.
Ocorre,
porém, uma coisa. Nesse plano imperscrutável e esquema geral
indiscutível do ser, achamos as causas primeiras, únicas a nos
explicar não só os efeitos que temos entre as mãos, mas também a
sua estrutura, sem o que não saberíamos explicar a razão pela qual
teriam tomado aquela conformação particular e não outra. Por isso,
não podemos explicar porque Deus teria querido criar os seres,
transformando-se, de um todo homogêneo, internamente indiferenciado,
num todo orgânico, unidade coletiva composta de infinitos espíritos.
Mas este fato, que não podemos pesquisar, é o único a explicar
outro fato correspondente, pelo qual o homem resulta constituído por
um organismo de células, ou seja, uma unidade coletiva dirigida por
um eu central, assim como todo o universo é dirigido por Deus. É
ainda o único a nos explicar o princípio, pelo qual os seres tendem
a reagrupar-se em unidades coletivas cada vez mais amplas; daí
vermos dominar em nosso universo o princípio orgânico, justamente
aquele ao qual se deve a criação dos seres, como foi revelado pela
visão. Somente ascendendo a estas origens das coisas podemos dar-nos
conta da razão pela qual assumiram em nosso universo sua atual
conformação.
Assim,
não podemos explicar, agora, o porquê último da estrutura trina da
Divindade, além dos princípios gerais de ordem e harmonia, como não
podemos perguntar nem saber a razão. Mas, verificamos que nós
mesmos, em cada ato nosso, repetimos o mesmo comportamento: primeiro
concepção da idéia, depois ação e, finalmente, a sua
manifestação na realização concreta, exprimindo na forma, a
idéia. Por isso, não podemos dizer a razão pela qual Deus tenha
desejado existir como Trindade, mas podemos compreender a razão pela
qual funcionamos dessa maneira. Devido o universo ser constituído
segundo esquemas de tipo único, que se repetem em todas as alturas e
dimensões, repetimos em cada ato nosso o princípio da Trindade, o
único que pode esclarecer sobre essa estrutura de nossa maneira de
agir e da sua forma de existir. É precisamente aquele primeiro
modelo da Trindade, que vem repetido em todos os atos criadores de
cada ser inteligente.
X
X X
Eis
como me apareceu a visão máxima do todo, já esboçada como
conclusão no capítulo final de volume Deus e Universo, e agora,
tendo chegado a um estado de mais profunda maturação, apresentamos
de forma mais ampla e completa.
Apareceu-me
Deus como uma esfera que envolve o todo, isto é, como conceito
abstrato de esfera, existente além do espaço e cuja superfície
está situada no infinito. Deus está no centro e domina toda a
esfera, existindo também em cada ponto seu. Deus não pode ser
definido, porque no infinito Ele simplesmente "é". Deus
significa existir. Ele é a essência da vida. Tudo o que existe é
vida, isto é, Deus. E Deus é tudo o que existe, que é vida. Deus é
o ser, sem atributos e sem limites. O nada significa o que não
existe. O nada, portanto, não existe. Ele não pode existir em si
mesmo, por si só, mas só como uma função do existir, como uma sua
posição diversa, da mesma forma que a sombra não pode existir por
si mesma, mas só em função da luz, e o negativo não é concebível
senão como contraposição ao positivo.
Nós,
como tudo o que existe, estamos em Deus, porque nada pode existir
fora de Deus, nada lhe pode ser acrescentado nem tirado. Mas, como
veremos, nós humanos, com os outros seres de nosso universo físico,
encontramo-nos existindo numa posição particular, semelhante à da
sombra em relação à luz. Como sombra, fazemos parte do fenômeno
luz, ou seja, fazemos parte do Tudo-Uno-Deus, mas como sombra, isto
é, negativo, estamos no pólo oposto ao positivo da mesma unidade.
Mais tarde veremos como isto aconteceu. Assim, diante do absoluto,
encontramo-nos no relativo; diante do imutável, no contínuo
transformar-se; diante da perfeição, numa condição de imperfeição
sempre em movimento para atingir a perfeição; diante da unidade
orgânica do todo, encontramo-nos fragmentados e fechados em nosso
individual egocentrismo de egoístas; diante da liberdade do
espírito, encontramo-nos prisioneiros no cárcere da matéria e de
seu determinismo; diante da onisciência de Deus, estamos imersos nas
trevas da ignorância; diante do bem, da felicidade, da vida, somos
presas do mal, da dor e da morte.
Explicamos
isto, para compreender como, existindo em um mundo emborcado do lado
negativo, em relação a Deus, só sabemos conceber Deus como uma
negação de tudo o que constitui nosso mundo. Pelo fato de sermos
sombra, só podemos conceber Deus como a sombra concebe a luz, isto
é, como o contrário de si mesma. Para poder atingir o positivo,
seria indispensável, portanto, chegar a negar todo o próprio
negativo, ou seja, dizer: Deus não é tudo o que nos aparece e
existe como real; como para chegar à luz, mister seria afastar toda
a sombra. Este nosso mundo de matéria, percebido pelos nossos
sentidos, não é Deus. Este ou aquele fenômeno ou forma, em seu
aspecto contingente, não é Deus. Mesmo Deus estando em tudo o que
somos e vemos, tudo isso, por si só, não é Deus. Ele está além
de todo fenômeno e forma, de toda posição do particular. Se se
pudesse definir o infinito, a definição de Deus deveria estar para
nós, antes, no negativo, isto é, como a negação de tudo o que
para nós, em nossa posição, ao contrário, existe.
Todavia,
há um fato. A sombra não é, absolutamente completa. Ela contém
sem dúvida, reflexos de luz. Isto porque no atual plano de sua vida,
o ser humano já percorreu certo trecho do caminho da evolução, ou
seja, já subiu uma certa parte do caminho da descida e com isto
reconquistou um pouco da perfeição originária. Ora, as definições
comuns de Deus, em sentido positivo, foram obtidas com o elevar-se à
potência infinita, as mínimas quantidades de perfeição
reconquistada pelo homem ou intuída como futura realização a
conquistar, isto é, os pálidos reflexos contidos na sombra.
X
X X
Chegamos
assim, não a uma definição, mas apenas a uma aproximação do
conceito de Deus. Com efeito, não é possível uma sua definição,
porque, como acima dissemos, não se pode definir o infinito. O
infinito uma vez definido não seria mais infinito. Compreendido este
ponto, continuemos a contemplar a visão. Focalizando cada vez mais
de perto, verificamos ser a esfera constituída não de uma, mas de
três esferas, idênticas em tudo, e que cada uma se vai
transformando na outra. Passamos, assim, ao segundo momento ou
aspecto da visão. O primeiro deu-nos o conceito de Deus. O segundo
dar-nos-á o conceito de criação.
Eis
então que a esfera a qual chamamos de Tudo-Uno-Deus, por representar
Deus como Unidade envolvendo o todo, inicia um processo de íntima
elaboração, levando-a a uma profunda transformação. Neste segundo
aspecto da visão, a Divindade se distingue em três momentos
sucessivos, constituindo a Trindade do Deus-Uno. Representa o assim
chamado mistério da Trindade, encontrado em muitas religiões, em
todos os tempos. Eis a Divindade, una e trina ao mesmo tempo.
Observemos os três momentos. Para nos tornar compreensíveis,
teremos infelizmente de materializar os conceitos abstratos, em
termos antropomórficos e com representações concretas; estas, se
são úteis para fixar as idéias mediante representações mentais,
mais facilmente concebíveis, no entanto, certamente deformam o
conteúdo abstrato da visão, diretamente impossível de ser
imaginado.
No
primeiro momento, acha-se Deus no estado de puro pensamento. Ele
então existe como um eu pensante que concebe. O movimento da
elaboração interior está só na ideação abstrata, que é de
visão do plano, o qual depois se realizará nos momentos sucessivos;
é formulação da Lei, isto é, dos princípios que irão reger
tudo; é contemplação da obra futura, ainda no estado de imagem
mental.
Mas,
eis que tudo se transforma e passa a um segundo momento, quando a
concepção se muda em ação. O movimento da elaboração interior,
de puro pensamento se torna vontade, que executa a idéia abstrata,
põe em ação os planos concebidos, aplica os princípios da Lei. A
imagem mental torna-se ação e se encaminha à sua realização.
Chega-se,
assim, ao terceiro momento, àquele em que a idéia, por meio da
ação, atingiu sua realização. Então o movimento da elaboração
interior se completou, chegando à obra terminada, na qual, por meio
da ação, a idéia originária do primeiro momento encontrou sua
expressão final, de acordo com os planos concebidos e os princípios
da Lei. É neste terceiro momento que ocorre a gênese da criatura,
ou seja, a criação.
Estes
três momentos representam o que chamamos as três pessoas da
Trindade, ou seja: Espírito (a concepção); Pai (o Verbo, ou ação);
Filho (o ser criado). Cada um dos três momentos é sempre o mesmo
Deus, que permanece assim o Todo-Uno e trino ao mesmo tempo.
X
X X
Para
facilitar a representação destes conceitos, poderemos imaginar as
três esferas lado a lado, uma depois da outra, isto é, contíguas e
sucessivas. Focalizemos nossa atenção na terceira ou última.
Qual
é o resultado final do citado movimento de elaboração interior?
Como se transformou, em seu íntimo, o Tudo-Uno-Deus, no fim do
terceiro momento? Como fica a estrutura interior da esfera, no fim do
processo a que se deve a criação? Em que constituiu ela?
Respondamos
começando com as palavras do capítulo "Visão sintética",
com que se encerra a visão do volume Deus e Universo. Neste
processo, Deus multiplicou-se, como que se dividindo num número
infinito de seres e no entanto continuando uno. Nos três momentos, a
unidade de Deus permanece intacta e idêntica. Em vista de, ao Todo,
nada se poder acrescentar, a criação ocorreu e permaneceu no seio
do Tudo-Uno-Deus. Em outras palavras, poderemos imaginar este
processo criador, como uma íntima auto-elaboração, pela qual Deus
se transformou, de seu estado homogêneo e indistinto, em outro seu
estado diferenciado e orgânico. Disto nasceu uma Sua diversa
estrutura orgânica e hierárquica, um sistema de elementos (as
criaturas) coordenados em função Dele e regidos por Sua lei,
concebida no primeiro momento. Assim, a Divindade, que era unidade
diferenciada, permaneceu igualmente una também agora, em seu
terceiro momento, como unidade orgânica. Isto porque os elementos
componentes resultaram tão profundamente integrados na ordem da Lei,
tão bem coordenados em hierarquias e distribuições de funções,
que a unidade originária de Deus nada perdeu e ficou íntegra,
perfeita em seu novo aspecto de unidade orgânica. Criou-se, assim, o
modelo, que mais tarde será repetido na formação de todos os
organismos, quer da matéria quer da vida, segundo um dos maiores
princípios da Lei, o das unidades coletivas.
Assim,
as criaturas, nascidas desta criação, podem imaginar-se, em
representação antropomórfica, como tantas centelhas em que quis
dividir-se o incêndio divino. É evidente estarmos nos esforçando
em dar uma representação mental ao fenômeno, de forma facilmente
compreensível, mesmo sabendo que, quanto mais nos avizinharmos da
forma mental humana, mais nos afastaremos da realidade toda abstrata
e espiritual do fenômeno. Mas temos de fazer isso, porque a
aceitação e a sorte de uma teoria dependem, muitas vezes, da forma
mais ou menos facilmente compreensível e representável, com que
seja exposta.
Além
disso, mister é ter presente, que quando falamos de criação, não
se trata ainda da criação de nosso universo que conhecemos, mas de
uma originária criação, da qual derivou depois a atual. Essa era
de puros espíritos perfeitos, bem diferente em toda sua qualidade,
daquela em que nos achamos atualmente situados. Esta virá depois, e
veremos como. Esses espíritos perfeitos que Deus tirou de Sua
própria substância, nela permaneceram fundidos num só organismo
unitário. A substância divina que os constituiu, continuou a
existir una em Deus, agora, que se achava em estado diferenciado de
elementos fundidos num organismo, como o era no primeiro momento,
quando estava em estado homogêneo indistinto.
Com
isto, completa-se o terceiro momento e está terminada a primeira
criação. Esta é a criação perfeita, de puros espíritos,
existentes em absoluta harmonia na ordem da Lei, no seio de Deus.
Chegamos assim da fase do Espírito, à do Pai e enfim à do Filho,
representada por este último estado. Na harmonia de Deus, tudo
funciona perfeitamente. Tudo é luz sem sombra, alegria sem dor, vida
sem morte. Assim ocorreu a criação e estes foram os resultados.
É
claro nos acharmos, em cada um dos três aspectos, diante do mesmo
Deus, que nada mudou de Sua substância. É portanto lógica e
compreensível a equivalência dos três modos de ser da mesma
Entidade. Trata-se, realmente, de três pessoas iguais, porquanto são
a mesma pessoa, e distintas, enquanto a mesma pessoa se transforma em
três momentos diversos. Trata-se do mesmo Deus em três aspectos
Seus diferentes; como no caso do menino, adulto e velho se trata da
mesma pessoa, constituída, entretanto, por três pessoas distintas,
enquanto esta se muda em três diversos momentos seus. Como este
homem, também Deus, em seus três aspectos, permanece o mesmo.
Concentremos
agora nossa atenção, focalizando o nosso olhar nesta criação
realizada, no fim do terceiro momento, ou seja, no terceiro aspecto
da Divindade, o Filho.
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