II
— PARASITAS E VAMPIROS
A
economia da Natureza nos revela a unidade funcional de todos os
processos vitais. A Natureza, em sua infinita variedade de coisas e
seres, não esbanja energias e formas, conteúdos e continentes, em
suas estruturações. Do reino vegetal ao reino animal o processo
criador é uno, obrigando-nos a uma concepção monista do Universo.
A Fisiologia da Natureza, segundo a lei da diferenciação na
unidade, mostra-se estruturada e funcionalizada, pelos mesmos
sistemas adaptados a cada reino. Da seiva do vegetal ao sangue dos
animais e do homem, das estruturas óticas inferiores às superiores,
a organização é a mesma. Dos `sistemas
de motilidade e percepção e de alimentação e assimilação das
plantas, ao homem o sistema de funcionalidade só varia no tocante às
adaptações específicas. Da mesma maneira e pela mesma razão, o
parasitismo vegetal se desenvolve na direção do parasitismo animal
e do vampirismo hominal-espiritual. E assim como o parasitismo influi
no desenvolvimento das plantas e no comportamento dos animais, o
vampirismo influi no comportamento humano individual e social. Entre
os vários elementos, coisas e seres 'que agem sobre o comportamento
humano, o mais perturbador e.
o
que mais profundamente ameaça as estruturas físicas e espirituais
do ser humano é o vampirismo, porque é a atuação consciente de um
ser sobre outro, para deformar-lhe os sentimentos e as idéias,
conturbar-lhe a mente e levá-lo a práticas e atitudes contrárias
ao seu equilíbrio orgânico e psíquico. No parasitismo, mesmo no
espiritual, há uma tendência de acomodação do parasita na vítima.
A lei é a mesma do parasitismo vegetal e animal. A entidade
espiritual parasitária procura ajustar-se ao parasitado, na posição
de uma subpersonalidade afim. Ambos vivem em sintonia, mas o parasita
às custas das energias do parasitado, cujo desgaste naturalmente
aumenta de maneira pro-gressiva. Ambos ganham e perdem nessa
conjugação nefasta. O parasitado sofre duplo desgaste de suas
energias mentais e vitais e o parasita cai na sua dependência,
perdendo a sua capacidade individual de sobrevivência e conservação.
A morte do parasitado afeta o parasita, que morre sugestivamente com
ele, pois perdeu a capacidade de viver, sentir e pensar por si mesmo.
Os casos de pessoas dependentes, excessivamente tímidas,
desanimadas, inaptas para a vida normal, essas de que se diz que
"passaram pela vida, mas não viveram", são tipicamente
casos de parasitismo. As próprias condições orgânicas dessas
pessoas, que não reagem devidamente aos socorros medicamentosos, à
alimentação e aos estímulos do meio, de práticas espirituais ou
físicas, decorrem de deficiências orgânicas mas também da
sobrecarga invisível do parasitismo espiritual. As medicações
estimulantes e os tratamentos psicológicos raramente produzem os
efeitos desejados. Mas a conjugação desses recursos habituais com o
tratamento espiritual para a expulsão do parasita, que representa no
organismo da vítima uma forma de subvida consumidora, geralmente
produzem efeitos surpreendentes. As causas dessa situação mórbida
decorrem de processos kármicos originados por associações
criminosas em vidas anteriores dos comparsas. Os recursos espirituais
são os passes espíritas, a freqüência regular a reuniões
mediúnicas, o estudo e a leitura dos livros espíritas básicos, a
prática da prece individual diária pelo parasitado em favor do
parasita ou parasitas.
Todas
essas providências devem ser orientadas por pessoas conhecedoras do
Espiritismo, desprentensiosas e dotadas de bom-senso, o que permitirá
o controle do processo de cura. Todas as práticas exorcistas, queima
de ingredientes, queima de defumadores, aplicação ginástica de
passes formalizados, uso de plantas supostamente milagrosas ou
objetos de magia só poderá agravar a situação. O espírito
parasitário é uma criatura humana com os
direitos
comuns da espécie humana e deve ser sempre encarado como parceiro
dos sofrimentos do parasitado. Nesses tratamentos não se deve
desprezar o concurso médico, pois os efeitos negativos do
parasitismo espiritual, depauperando o organismo da vítima,
propiciam também a infiltração dos parasitas do meio físico, que
devem ser combatidos com os medicamentos específicos. Embora a ação
espiritual das entidades protetoras possa também ajudar o
reequilíbrio orgânico, a presença de um médico, se possível
espírita, se faz necessária. Enganam-se os que se voltam contra a
Medicina nessas ocasiões, pois as leis e os recursos do meio físico
são mais apropriados nesses casos. Cada plano da Natureza tem as
suas exigências específicas, que precisamos respeitar. Existem
também os Espíritos da Natureza, que trabalham no plano físico.
Essas entidades semimateriais, de corpos perispiríticos, estão em
ascensão evolutiva para o plano hominal. São os chamados
elementares da concepção teosófica, derivada das doutrinas
espiritualistas da Índia. As funções dessas entidades na Natureza
são de grande responsabilidade. O Espiritismo põe sua ênfase no
estudo e na investigação dos espíritos humanos, que são os do
nosso plano evolutivo, dotados de consciência e inteligência
racional mais desenvolvida. Os parasitas já pertencem ao plano
humano. São considerados na Teosofia e em outras correntes
espiritualistas como larvas astrais. Na verdade não são larvas nem
elementares, são entidades que necessitam da ajuda da doutrinação.
Os teosofistas atribuem também as comunicações espíritas aos
chamados cascões astrais, que são para eles invólucros
espirituais, perispíritos abandonados pelos mortos e de que se
servem os elementares ou espíritos brincalhões para se manifestarem
nas sessões mediúnicas como sendo os espíritos desses mortos. A
teoria dos cascões foi criada por Mme. Blavatski, após uma sessão
mediúnica que assistiu em New York. O Sr. Sinet declara em seu livro
Incidentes da Vida da Sra. Blavatski que ela cometeu então um engano
de observação, ao qual nunca mais se referiu. Sinet, teósofo de
projeção e companheiro de Blavatski, discorda dos teosofistas que
continuam a aceitar essa falsa teoria. André Luiz refere-se a
ovóides, espíritos que perderam o seu corpo espiritual e se vêem
fechados em si mesmos, envoltos numa espécie de membrana. Isso
lembra a teoria de Sartre sobre o em si, forma anterior do ser
espiritual, que a rompe ao se projetar na existência por necessidade
de comunicação. A ação vampiresca desses ovóides é aceita por
muitos espíritas amantes de novidades. Mas essa novidade não tem
condições científicas nem respaldo metodológico para ser
integrada na doutrina. Não passa de uma informação isolada de um
espírito. Nenhuma pesquisa séria, por pesquisadores competentes,
provou a realidade dessa teoria. Não basta o conceito do médium
para validá-la. As exigências doutrinárias são muito mais
rigorosas no, tocante . à aceitação de novidades. O Espiritismo
estaria sujeito à mais completa deformação, se os espíritas se
entregassem ao delírio dos caçadores de novidades. André Luiz
manifesta-se como um neófito empolgado pela doutrina, empregando às
vezes termos que destoam da terminologia doutrinária e conceitos que
nem sempre se ajustam aos princípios espíritas. A ampla liberdade
que o Espiritismo faculta aos adeptos tem os seus limites
rigorosamente fixados na metodologia kardeciana.
No
caso do parasitismo e do vampirismo todo rigor é pouco, pois os
erros e os enganos de interpretação podem levar os trabalhos de
cura a descaminhos perigosos.
Se
não encararmos o parasitismo e o vampirismo em termos rigorosamente
doutrinários, no devido respeito ao método kardeciano, estaremos
sujeitos a ser enganados por espíritos mistificadores que passarão
a nos vampirizar. Porque o vampirismo é um fenômeno típico das
relações interpessoais. Na vida material como na vida espiritual o
vampirismo é um processo comum e universal do relacionamento afetivo
e mental das criaturas. E vampiro o sacerdote que fanatiza um crente
e o submete às suas exigências para explorá-lo com a promessa do
Céu, como é vampiro o demagogo político que fascina os adeptos de
suas idéias e os leva ao sacrifício inútil e brutal da revolta e
do terrorismo. E vampiro o espírita
e
o médium que fascina os ingênuos com a falsificação de poderes
que não possui, revelando-lhes supostas reencarnações
deslumbrantes e conduzindo-os ao delírio das suas ambições de
grandeza. E vampiro o negocista esperto que suga as economias de seus
clientes com falsas promessas para um futuro improvável. E vampiro o
galanteador donjuanesco que se apossa da afeição das mulheres
inseguras para explorá-las. E vampiro o alcoólatra ou o toxicômano
que semeia a desgraça em seu redor. E vampiro o espírito sagaz ou
vingativo que suga as energias das criaturas humanas e subjuga outros
espíritos para agir na conquista e dominação de outras, e assim
por diante, na imensa e variada pauta do vampirismo material e
espiritual.
Por
tudo isso, a cura do vampirismo não é mais do que um processo de
separação dos implicados, de afastamento do vampiro da órbita de
sua vítima. Mas não basta esse primeiro passo. E necessária a
persuasão dos implicados pela doutrinação espírita. A doutrinação
é a transmissão do conhecimento doutrinário às duas partes. Sem
essa transmissão o processo não se completa e a cura será apenas
uma suspensão do vampirismo por algum tempo. Como ensinou Jesus (e
vemos nos Evangelhos) podemos afastar os valentões que se apossaram
da casa, limpá-la e arrumá-la. Mas se ela ficar vazia os valentões
convidarão outros parceiros e a retomarão. Nesse caso, o estado da
habitação será pior do que antes. Conforme o grau de compromissos
e responsabilidades mútuas entre os vampiros e suas vítimas, o
tratamento será mais ou menos prolongado. Os vam-piros são
teimosos, insistentes, pois o vampirismo é para eles o meio de se
manterem na rotina de seus vícios. A vítima, por sua vez, está
sovada no vampirismo e acostumada na entrega de si mesma sem
relutância. A freqüência regular da vítima aos passes e às
sessões mediúnicas é o único meio possível de fortalecê-la para
a resistência necessária. Não nos iludamos com as melhoras
instantâneas. Os vampiros não largam facilmente as suas vítimas.
Afastam-se estrategicamente e voltam com mais fúria na primeira
oportunidade favorável. E necessário que as vítimas curadas
estejam convencidas disso e preparadas para repeli-los em suas
investidas manhosas. Apesar dessas dificuldades, em trabalhos bem
dirigidos conseguem-se não raro resultados relativamente rápidos,
que permitem maiores possibilidades na consolidação da cura.
A
falência da Psiquiatria, com todos os seus métodos modernos,
decorre da falta de consideração desses fatores espirituais nos
diversos tipos de perturbações mentais e desequilíbrios
emocionais. Impotentes ante os casos mais graves, como os de
inversões e desvios sexuais, os psiquiatras mais atualizados
adotaram uma tática de persuasão protelatória, considerando
normais essas anormalidades. Consideram perigosa a resistência aos
impulsos inferiores da libido, alegando que a repressão resulta em
complexos irreversíveis. Os psiquiatras espíritas, que hoje
felizmente já são numerosos, não podem aceitar essa tática de
capitulação, que os transformaria em cúmplices das entidades
vampirescas. Eles estão no dever indeclinável, profissional e
consciencial, de se organizarem em associações de pesquisas,
fundamentadas na Ciência Espírita e na Psiquiatria, para o
enfrentamento necessário desses meios de abastardamento da espécie.
A
sexualidade é o fundamento da vida e o sexo é a sua forma de
manifestação. Os psiquiatras ingênuos ou ignorantes, brincam hoje
com fogo em seus consultórios e suas clínicas e estão incendiando
o mundo. Partem para o sofisma em defesa própria, alegando a
impossibilidade de se caracterizar o que é normal e o que é
anormal. Com isso pretendem declarar normais as anormalidades mais
aviltantes. Mas a normalidade se define por si mesma no meio social.
O sexo masculino define a personalidade normal do homem nas suas
funções criadoras. O sexo feminino define a personalidade normal da
mulher. Confundir alhos com bugalhos é tática de negociantes
fraudulentos e inescrupulosos. Dizer a um adolescente que se sente
dominado por impulsos negativos e procura livrar-se deles: "Isso
é normal, arranje um parceiro", é atirar o infeliz na roda
viva de um futuro vergonhoso. Não é essa a função do médico ante
o doente que o procura. Já existem consultórios e clínicas dotados
de leitos ocultos, para os quais são convidadas consulentes
desesperadas para uma terapêutica libertina. O médico, no caso,
receita-se a si mesmo como medicamento salvador. A chamada terapia de
grupo se transforma em gigolismo científico, em que mulheres
desnorteadas são apresentadas pelos médicos a homens insatisfeitos
que podem adornar a fronte dos maridos com base no receituário.
Contou-nos
um médico espiritualista uma anedota que afirmou não ser anedota:
"O Sr. B., importante figura social, tinha o hábito de pegar
pontas de cigarro nas ruas e encher com elas os bolsos. O psiquiatra
que consultou submeteu-o a tratamento moderníssimo. Encontrando-o
mais tarde, o médico espiritualista perguntou se havia se curado.
Sim, respondeu o figurão empavonado. Continuo a pegar as pontas de
cigarro, mas agora não tenho nenhum constrangimento. Faço-o com
naturalidade. As técnicas psiquiátricas mais modernas, como se vê,
procedem da remota fase grega dos sofistas, dos quais Sócrates se
desligou para poder encontrar a Verdade.
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Capítulo 2 do Livro Vampirismo, de Herculano Pires.
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