sexta-feira, 19 de junho de 2015

O Sistema - capitulos I e II

Degustação do livro. Capitulos I e II

Primeira Parte


A V I S Ã O

Capítulo I

O MÉTODO



Em primeiro lugar, temos de explicar a técnica de pensamento que usamos, para chegar às concepções a que aqui exporemos.

Podemos estudar a natureza de um terreno, de duas maneiras: 1) construindo, para nós, um conceito geral, observando-o do alto de um monte ou de um avião; 2) fazendo uma idéia dele percorrendo-o a pé, passo a passo, em todos os sentidos. No primeiro caso teremos uma visão de conjunto, que chamaremos de síntese. No segundo teremos uma visão de pormenores que chamaremos de análise. No primeiro caso veremos as linhas gerais, que nos escapam no segundo; no segundo veremos as linhas dos pormenores, que nos escapam no primeiro.

É lógico ser desse modo, porque o ser humano se encontra exatamente entre o microcosmo e o macrocosmo, ou seja, entre o infinitamente pequeno e o infinitamente grande. Somos feitos para perceber com os nossos sentidos apenas a realidade que nos é oferecida pelos fenômenos de nossa grandeza. Procuramos afastar-nos deles, superando-lhes os limites, com o microscópio e o telescópio, mas só podemos fazê-lo até certo ponto. Conseguimos, então, chegar um pouco mais longe, mas temos, depois, de parar, diante de horizontes mais afastados, além dos quais, para nós, o infinito permanece igualmente inatingível.

O pensamento humano, filho de capacidades perceptivas incrustadas pela natureza das coisas entre esses dois extremos, lançou-se, em seu impulso natural para o conhecimento, ora uma direção ora noutra, criando assim instintivamente os dois métodos de pesquisa que o homem conhece: o dedutivo e o indutivo. Possuindo a inteligência e equipado assim, com meios para caminhar, o homem tinha de seguir as duas estradas que já o esperavam, traçadas na estrutura do mundo, e por elas caminhou. Logo, com o seu método dedutivo explorou o terreno, como de cima de um monte ou de um avião, obtendo uma visão de síntese, mas sem ser controlada no local, em contato com o terreno onde ocorrem os fenômenos; uma visão de conjunto, de princípios gerais, onde faltam os pormenores. Isto ocorreu quando o homem se entregou nos braços da inspiração, da intuição ou da revelação. Daí tirou os princípios gerais, não demonstrados, não focalizados com exatidão pelo trabalho racional, suficientes para saciar apenas a mente, até quando o seu amadurecimento lhes despertasse a fome de saber mais.

Eis então que, em certo momento, nasce a ciência, usando a perspectiva oposta, ou seja, o método indutivo; com sua posse começou a explorar o terreno não mais do alto, mas percorrendo-o passo a passo, entrando em contato direto com os fenômenos. Não mais visão de conjunto, de síntese, mas dos pormenores, analítica. Daí a observação e a experiência, no primeiro caso excluídas, e os resultados práticos e utilitários, produzidos pela ciência.

Este método, entretanto, diante do problema do conhecimento, tem um ponto fraco: se é mais apto a agir na matéria, dando-nos resultados práticos, é o mais inadequado, por ser método de análise, para dar-nos a visão de síntese e resolver assim o problema do conhecimento. Sucede então que, em pleno século de ciência positiva, como o nosso, voltamos a confiar no gênio dos grandes matemáticos, os quais, por abstração – não só trabalho de lógica, mas também de intuição conseguem elevar-se acima do mundo fenomênico, daí trazendo a visão de conjunto, que a ciência positiva, com seu método experimental, não consegue alcançar. No entanto, também a ciência necessita da intuição, pelo menos para formular algumas hipóteses de trabalho, sem o que não consegue orientar-se, ficando em seu progresso, sujeita às puras tentativas.
X X X

Após esta premissa, vamos ao nosso caso. Nos volumes anteriores usamos, alternadamente, ora um ora o outro desses dois métodos. Neste volume utilizar-nos-emos de ambos dirigindo-os em colaboração para o mesmo alvo. Quer dizer, usaremos os dois métodos e as duas perspectivas: a da revelação, intuição e inspiração – ou seja visão panorâmica por síntese – e a da observação e experiência – ou seja visão detalhada por análise. São estas as duas formas do pensamento humano: religioso e científico, isto é, descida do pensamento de Deus à Terra, por meio dos profetas e inspirados, e a laboriosa ascensão do pensamento humano por meio dos pensadores e dos cientistas.

Eis aí o método que seguiremos. Para atingir o máximo resultado possível, na busca da verdade, e alcançar o máximo possível de conhecimento, usei alternadamente os dois métodos: inspiração e razão.

Começo, assim, enfrentando o problema com a visão panorâmica, do alto, ou seja, com inspiração. Dessa forma, obtenho uma visão de conjunto, ou total, o último resultado de uma operação, da qual, entretanto, não conheço os termos componentes donde esses totais derivaram. Faltam os pormenores, as provas, o controle racional, para esses resultados serem aceitáveis no plano lógico, a fim de que resultem demonstrados, de acordo com a forma mental do homem moderno. A intuição não nos dá nada disso. Ela produz num lampejo, uma visão de síntese, sem minúcias, na qual não é possível aplicar, naquele momento, análise e controle, nem de observação, nem de experiência. Pude conseguir desse modo a orientação geral, mas falta todo o resto. Assim, chego a descobrir a conclusão a ser alcançada; mas pelas vias racionais, ainda não sei o caminho para chegar lá. Vi a verdade, mas não posso demonstrá-la, agora. Tanto mais que o fenômeno da inspiração é, em grande parte, independente de nossa vontade. Mas enfim, alguma coisa conseguimos, precisamente a orientação geral que hoje falta à ciência.

Os profetas, os inspirados, as revelações das religiões pararam aí. É natural, portanto, que a ciência ao trabalhar no pólo oposto, não tome em consideração esses resultados, os quais, no entanto, são de grande importância. Ela não deveria tê-los rejeitado, mas antes tomado para examinar e dar-lhes uma explicação, pelo menos uma hipótese de trabalho, que pudesse, mesmo provisoriamente, preencher a sua falta de orientação quanto aos problemas máximos do conhecimento. Por enquanto, não vamos deter-nos neste ponto. Ao contrário, temos de procurar completar os resultados da inspiração recebida, usando em seguida, num segundo tempo, também o método oposto e complementar, que é o da ciência. Devemos, assim, descer do monte ou do avião, ao nível do terreno e percorrê-lo todo a pé, observando-o de perto. Isto procuramos fazer em vários volumes, onde retomamos os temas da inspiração para desenvolvê-los racionalmente, controlando-os com a observação e a experiência. Guiados pela inspiração recebida, maior é nossa orientação, e não vamos explorando ao acaso; mas, pelo contrário, seguimos direções precisas, porque sabemos, mesmo antes de vê-los, que lá existe um rio, um bosque, uma rocha, um terreno diferente. Com o mapa geral do solo, obtido com a perspectiva do alto, reduzir-se-á o nosso trabalho apenas à análise dos pormenores, em vista de a visão sintética estar diante de nossos olhos, nos orientando. Com esse mapa nas mãos, não temos o trabalho de fabricar outro para orientar-nos e podemos, pois já estamos orientados, concentrar toda a nossa atenção no estudo das minúcias.

Infelizmente, a ciência se acha em outras condições. Ela não tem nas mãos o mapa geral do terreno, para fazer as suas pesquisas. Acha-se diante de um número infinito de pormenores, e o fato de estar obrigada, através deles, a chegar à reconstrução de uma visão de conjunto, constitui uma dificuldade por vezes insuperável, pois em nosso universo, como veremos, a unidade do todo foi pulverizada na infinita multiplicidade fenomênica. Por isso, ela é obrigada a limitar-se a sondagens parciais, denominadas hipóteses; estas, controladas mais tarde pela observação dos fatos, são definitivamente aprovadas como teorias aceitas, representando apenas sínteses parciais, limitadas a campos restritos ou aspectos da verdade global. Assim, tudo permanece fracionário, cobrindo apenas estreitas faixas do terreno. No conjunto, tudo fica desorientado, justamente porque falta o meio para alcançar uma visão de síntese, coisa que a análise, por sua natureza, é incompetente para nos dar. Dessa forma, se a ciência é o meio mais adequado para produzir resultados de caráter material, mostra-se mais inepta para produzi-los de valor espiritual. E isto porque, estando ela situada na multiplicidade dos pormenores fenomênicos, no terreno das formas e dos efeitos – no pólo oposto do centro unitário da Divindade, da qual desce a revelação – mostra-se por sua natureza, a mais incompetente para alcançar resultados unitários de síntese, ou seja, visão geral, única que pode resolver os problemas máximos e dar-nos o conhecimento. Fica-lhe, dessa maneira, vedada a função de orientação, que compete, pelo contrário, à inspiração, como a esta é vedada a função do conhecimento analítico, que compete à ciência.

Mesmo em relação ao nosso caso, temos de fazer estas referências contínuas ao estado atual do pensamento humano, pois o nosso deve também orientar-se em relação a ele e à sua atual fase de desenvolvimento. Procuramos, assim, não permanecer unilaterais, como as religiões de um lado e a ciência de outro, acreditando cada uma ter a sua perspectiva particular, suficiente para abarcar a verdade toda. Em vez de completar-se, como é necessário entre coisas complementares, a fé e a ciência têm procurado excluir-se, condenando-se uma à outra.

Procuramos, por isso, evitar esse erro de unilateralidade, fundindo os dois métodos, sem nos fecharmos em barreiras preconcebidas, nem num nem no outro pólo. Sempre há alguém para compreender cada vez melhor, ou, seja, para alcançar o conhecimento, se, em vez de uma, dispõe-se de duas perspectivas ao mesmo tempo: a sintética e a analítica.
X X X

Aí está, portanto, o que será e é, de u'a maneira geral, o nosso trabalho no segundo momento. Quando já houvermos registrado, por escrito, os resultados da inspiração e tiver cessado o lampejo, do qual derivam aqueles conceitos, então cessa de funcionar a intuição, e voltamos ao estado normal. É como se descêssemos do monte ou do avião. Aí, então, começamos a andar a pé, no chão, passo a passo. Tornamo-nos, dessa forma, investigadores comuns, que observam e experimentam. Estamos, então, fora do mundo da revelação e da fé, penetrando no da pesquisa e da ciência. Usamos, agora, a forma mental, não mais a de quem crê, mas a de quem duvida. As atitudes e as perspectivas invertem-se. Não se abre a alma de Deus, mas buscam-se provas, entrando na fase de controle racional da intuição. O nosso pensamento põe-se a funcionar com engrenagens diferentes, pondo-se em relação diferente com o existente, não mais de espírito, interior, por visão, mas de sentidos, exterior, por contato material.

Entro pois nesta segunda fase retomando o pensamento já atingido pela inspiração e o analiso. Eu mesmo procuro as provas, com os meios racionais e culturais, porque só quando tiver transformado o pensamento intuitivo, nesta segunda forma, então poderei apresentá-lo aos modernos homens da ciência, os quais só tomam a sério o pensamento quando este se apresenta assim revestido. Nesta segunda fase, não é mais a inspiração que trabalha, mas apenas as forças da minha pequena inteligência humana. Não vôo, mas caminho à pé, e a cada passo toco a terra e tudo em meu redor. Tenho de fazer, então, pesquisas, e quando me falta o conhecimento de alguma coisa, devo procurá-la e encontrá-la nos livros científicos.

Entretanto, esta não é a investigação comum, da qual se diferencia. Não se realiza por tentativas, mas segue uma orientação conhecida, não se encontrando nos livros. Quem já está orientado por sua conta, sabe o que quer achar; do que é dito pela ciência, sabe o que deve e o que não deve aceitar. Nesta pesquisa, não me submeto à orientação dada pelos livros. Ela já me foi dada pela inspiração e só esta me pode dar. À ciência eu peço apenas o fato, o fenômeno que não está em minhas mãos, o qual a ciência conhece bem, porque é a ciência dos fatos e dos fenômenos; peço-lhe apenas os pormenores, pertencentes à sua análise, e não fornecidos pela visão sintética de conjunto.

Quis explicar tudo isto, também para afastar o mal-entendido que a meu respeito tem ocorrido no Brasil. Fui aqui qualificado de médium, o que neste país tem o significado geral de receber, neste caso, mensagens escritas e fragmentárias (quase nunca um tratado sistemático e completo), proveniente de determinadas entidades, que quase sempre foram humanas; e tudo isso, em estado de inconsciência, em estado de transe. Enquanto para esses médiuns, a maior prova da genuinidade da recepção reside em não se conhecer aquilo que se escreve, para mim a maior prova consiste no controle contínuo, que eu posso fazer, em plena consciência, da própria recepção, no momento mesmo em que ela ocorre. No meu caso, a passividade do transe não é uma virtude, mas um defeito que deve ser evitado; se eu não perceber, em plena lucidez, os conceitos que estou recebendo, seria apenas u'a máquina cega, passiva e irresponsável, e não poderia distinguir os conceitos inspirados, dos que não o são. Tenho de tomar parte no trabalho com a minha contribuição pessoal, que a seguir deve controlar os resultados obtidos pela inspiração, verificando se são genuínos, submetendo-os ao exame da razão e da cultura, baseando-os em provas, traduzindo-os para a linguagem científica moderna. Trabalho sério e árduo, exigindo disciplina intelectual e certo conhecimento da arte de saber pensar. Pode-se então imaginar a dificuldade surgida aqui, quando tive de entrar nessas categorias já estabelecidas, adequadas a outros casos e tipos de fenômenos, tendo de vestir uma roupa que não tinha as minhas medidas. A finalidade do meu trabalho não é apenas demonstrar a sobrevivência da alma ou o fenômeno mediúnico, mas oferecer ao mundo cultural moderno o resultado de um trabalho sério de investigações positivas, realizadas em campos inexplorados, com o método da intuição, novo para a ciência. O meu trabalho não consiste em fazer ato de fé neste ou naquele grupo religioso, mas em explorar, com métodos novos, o inexplorado, em enfrentar e possivelmente resolver, perante a ciência e o pensamento moderno, o tremendo problema do conhecimento. Assim, como fui julgado condenável pela Igreja católica, na Itália, porque não era ortodoxo, o mesmo ocorreu comigo neste novo ambiente mediúnico. Pelo que parece: procurar a Verdade, sem preconceitos, não pode ser aceito como ortodoxo em nenhum grupo humano.

De tudo isso, o leitor poderá compreender como os meus livros nascem de uma profunda elaboração. A fonte primeira e maior é a inspirativa. Representa a origem de onde nasce tudo. Se mais tarde, leio algo a respeito do argumento tratado, isto é só depois, para conhecer o ponto de vista da cultura contemporânea, a respeito dos temas desenvolvidos. Mas jamais a opinião alheia, tendo chegado sempre num segundo momento, modificou ou pôde modificar o que resultara da inspiração. Jamais aconteceu alterar, por maiores que fossem as objeções dos opositores. Em caso de discussão e dúvida, sempre acrescentei esclarecimentos e exemplos, para explicar melhor, eliminando todas as dificuldades possíveis, para achar cada vez mais provas, a fim de eu mesmo – que nesta segunda fase do trabalho me fizera tanto mais desconfiado, como o quer a ciência positiva, quanto mais confiante fora na primeira fase – ser constrangido a render-me diante da evidência e aceitar como prova as conclusões da inspiração. Trabalho útil, porque havendo-me colocado no estado psicológico do homem mais desconfiado e refratário, tive de achar tantas provas até ficar esmagado e convencido. Quis eu mesmo colocar-me num estado de descrença tal, que não houvesse mais lugar para a descrença alheia.

Compreendida a gênese do pensamento a ser aqui seguido, vamos proceder à exposição dos princípios fundamentais do Sistema.
Xxxx Tudo em nosso mundo, se baseia numa contraposição de conceitos opostos, que se completam como dois pólos do ser; são contrários, mas só podem existir um em função do outro; lutam, mas justamente na luta se escoram mutuamente, e um não pode dispensar o outro. Ora tudo isso é dado pelo primeiro modelo Sistema/Anti-Sistema, modelo que aparece reproduzido em todas as formas do ser. Todo o nosso modo de conceber depende desse fato. Assim a afirmação nasce da contradição, e só podemos afirmar enquanto existe o termo oposto da negação. Por isso, é a negação que conduz à afirmação, e é a afirmação que implica a possibilidade da negação.

Acontece então que não sabemos conceber o infinito e o absoluto senão como o estado inverso ao nosso estado de finito e relativo. De modo que o conceito que, em nossa posição de Anti-Sistema, conseguimos formar do Sistema, é para nós, negativo; é assim em relação a nós, apesar de tratar-se da coisa mais positiva que pode existir. O fato de que nós só conseguimos fazer do infinito e do absoluto uma idéia que representa o inverso de nosso finito e relativo – e não uma idéia direta e positiva – dá-nos ainda uma prova de que estamos situado no Anti-Sistema, por efeito da queda.

Vejamos um caso mais particular. Poder-se-ia dizer que o ateísmo representa uma das provas da existência de Deus. O ateísmo é uma negação que presume a afirmação, e que só em função dela pode existir. A negação não só presume e prova a afirmação, como faz parte de dois conceitos que se condicionam reciprocamente, de modo que um não pode existir senão em relação ao outro. Há mais ainda, porém. A negação, ao negar – enquanto é negação – alimenta e reforça o poder da afirmação apenas com sua presença. Quando há dois conceitos juntos, dizer não de um lado, significa dizer sim do outro. De modo que, em última análise, o não só pode existir para anular-se a si mesmo, e para reforçar, com a própria negação, a afirmação oposta. Quem nega, nega em última análise a si mesmo, ou seja, se destrói; e quem afirma, afirma a si mesmo, isto é, se torna mais poderoso, e constrói. Quem nega uma afirmação, nega a si mesmo em favor dessa afirmação, que se torna mais poderosa, crescendo por meio dessa negação. Os negadores caem nesse erro. Deduz-se daí que, quando um conceito possui valor intrínseco como afirmação de verdade, ele nada terá de temer das negações que, se aparecerem, trabalharão em seu favor. O esforço para destruir a nova verdade é utilizado, pelas leis da vida, para difundi-la, tal como os ventos tempestuosos que trazem destruição são utilizados para levar para longe as sementes fecundas de uma vida mais ampla. E a própria posição negativa assumida pelos negadores, servirá para destruí-los em favor da afirmação, nutrindo-a com a própria carne.

O modelo dos dois opostos, Sistema e Anti-Sistema, nós o vemos reproduzindo também nos dois termos contrários: espírito e matéria. E instintivamente o homem vê Deus e o paraíso, isto é, o Sistema, no céu; e nas vísceras da terra, afundado na matéria, o inferno. Por que isso? Porque a queda foi do estado de espírito ao estado material, através da energia. Aqui a idéia da queda é reproduzida em sentido espacial, do céu para a Terra. Na concepção de Dante, Lúcifer se precipita do céu ao inferno, aprofundando-se até o centro da Terra, onde, no ponto mais longe do céu, permanece a habitação do maior rebelde a Deus. E as subidas ao céu são concebidas em sentido contrário. O purgatório dantesco é o monte da ascensão, subindo pelo qual, de plano em plano, se chega ao paraíso. Esse inferno e purgatório exprimem exatamente, em sua posição inversa, o primeiro, cavado nas vísceras da matéria, o segundo, emergindo de seu seio, as duas metades inversas e complementares do ciclo da queda, constituído pelo período involutivo (queda no inferno) e pelo período evolutivo (purgatório), da purificação que leva a Deus. Sob outra forma, achamos aí a substância da visão que expusemos. O inferno dantesco possui todas as qualidades do Anti-Sistema: trevas, dor, ódio, mal etc.. O paraíso dantesco possui todas as qualidades do Sistema: luz, felicidade, amor, bem etc.. Também no inferno há certa ordem e disciplina. Mas a ordem é coagida, a disciplina é a do escravo algemado; enquanto que no paraíso a ordem e a disciplina são livres e por convicção. Isso corresponde aos conceitos de determinismo, a que está presa a matéria, e de liberdade, primeira qualidade do espírito.

Explicam-se, dessa maneira, muitos modos de conceber, que encontramos nas várias religiões, e as formas com que os estados de além túmulo são representadas por elas. Explica-se assim a contraposição entre espiritualismo e materialismo, o primeiro concebido como elevação, o segundo como negação. Explica-se a divisão do pensamento moderno nestas duas direções opostas, num contraste que representa em nosso mundo a luta entre o Sistema e o Anti-Sistema. O materialismo moderno constitui um movimento de descida, mas descida na matéria, para depois chegar a compreender melhor, em relação a Deus e ao espírito, a significação do universo e de nossa vida nele. O materialismo nasceu como corretivo e reação ao espiritualismo abusado das religiões, como liberação e renovação, a fim de passar das velhas estradas às novas, como salvação da cristalização dogmática, a fim de que o pensamento não permanecesse aí, morto dentro delas, mas revivesse, continuando a avançar. Só num primeiro momento é que a ciência apareceu como inimiga da fé, quando se manifestou como reação de cura do pensamento humano, o qual corria o perigo de permanecer fechado em alguns caminhos sem saída. Mas depois a ciência materialista não podia evitar de caminhar, de iluminar-se mais, de construir; porque observando honestamente os fatos e os fenômenos, tinha que encontrar-se com o pensamento de Deus que os dirige, e chegar a ouvir a voz de Deus que fala neles. Pôde assim aparecer a verdadeira função positiva criadora, própria desse regresso a matéria, ou seja, a de poder tomar um impulso mais forte, a fim de poder ascender mais para o alto, no caminho da evolução para o espírito. Fato que só agora começa a delinear-se mas que representa o verdadeiro sentido, o valor e o futuro da ciência.



Capítulo II


DEUS E CRIAÇÃO




Para tornar a exposição compreensível à forma mental comum, tive de exprimir, em A Grande Síntese e em Deus e Universo, a concepção sintética da primeira visão intuitiva, por graus e por concatenação de desenvolvimento lógico. Assim, para torná-la mais compreensível, a visão sintética foi expressa analiticamente. Sigamos agora o processo inverso expondo os conceitos na forma em que realmente me apareceram, isto é, num primeiro momento como síntese ou visão de conjunto, e só num segundo momento, como controle racional e exposição de provas, pondo-nos em contato com a realidade dos fatos. Dessa forma, podemos colocar como atual ponto de partida, o que daqueles livros era, ponto de chegada. Assim, teremos logo diante dos olhos o quadro geral do Sistema completo, de acordo com a perspectiva panorâmica obtida, observando-a do alto. Desceremos, depois, num segundo momento, ao nível do terreno, para percorrê-lo a pé, trabalho que nos permitirá verificar, tocando de perto a realidade, que a visão de conjunto corresponde aos fatos.

O nosso ponto de partida será, pois, o capítulo final, intitulado: "Visão Sintética" do Volume Deus e Universo. Naquela visão, de máxima amplitude, que até agora conseguimos por intuição, enxertaremos a outra visão, menos vasta, porém mais próxima, a de A Grande Síntese. Os conteúdos dos dois volumes estarão, pois, fundidos aqui numa única concepção, que nos dará, num só golpe de vista, a visão de todo o Sistema. O nosso trabalho é, agora, o mesmo da minha primeira fase de recepção por inspiração, ou seja, abrir os olhos e ver. Depois, num segundo momento, faremos o outro trabalho, o de analisar, para compreender racionalmente. Desta maneira, fazendo o leitor seguir o mesmo caminho que segui, procuro dar-lhe a sensação viva do fenômeno como eu mesmo o vivi.

Então, num primeiro momento, somos apenas seres sensibilizados, dotados de uma visão interior, observando nossas percepções, sem exercer nenhum controle racional a fim de saber se correspondem aos fatos e a razão pela qual devam ser como nos aparece. Só mais tarde serão enfrentados esses quesitos, dando-se-lhes resposta. Então, como ponto de partida teremos os totais da operação que nos chegaram de forma sintética, para os analisar, buscando os seus termos constitutivos, por meio dos quais poderemos novamente alcançar aqueles totais, mesmo usando a forma mental moderna. Coloquemos, então, agora, as conclusões, para depois proceder à sua análise. Poderá isto parecer estranho, mas a humanidade enfrentou o problema do conhecimento com o mesmo método: primeiro a revelação, por meio de profetas e inspirados, depois a ciência, com a observação e a experiência. É este, portanto, o sistema usado pelas leis da vida, no desenvolvimento do pensamento humano. São dois momentos sucessivos e complementares: o primeiro é o movimento instintivo e inconsciente do menino que abre os olhos, olha e assimila; o segundo é o movimento reflexo e consciente do adulto, controlando com a razão o que vê, não mais esperando o conhecimento descer gratuitamente do Alto, mas movendo-se ele mesmo à sua procura, com seu trabalho e esforço.

Em vista de as duas operações se completarem mutuamente, sendo uma necessária à outra, devemos executar ambas. Fiquemos agora no âmbito da primeira. Neste trecho no qual a intuição impera, os céticos ainda nada podem dizer. Para a dúvida, que virá mais tarde, ainda não há lugar aqui. Estamos agora na fase em que se olha, se recebe e se registra. Os raciocinadores, os críticos, os céticos, trabalham em outro terreno, e virão depois, sendo bem aceitos, porque também são utilíssimos para realizar o trabalho de controle. Mas nesta primeira fase, só pode olhar e calar-se.

Na atual visão de síntese, encontramo-nos situados no absoluto, no qual tudo é suprema abstração, onde tudo escapa a uma possibilidade de controle com os meios de nossa concepção de origem sensória e com os princípios da realidade fenomênica de nosso mundo. Diante dessa visão, falta-nos qualquer meio de controle direto e ponto de referência, não funcionando a observação e a experiência, que constituem a força da ciência. Mas isto não significa não haver a possibilidade de algum controle. Ele existe, mas indireto. Movemo-nos aqui no âmbito das causas primeiras, cuja essência escapa à nossa percepção. Destas causas, possuímos os efeitos repercutindo em nosso mundo, efeitos que vivemos e dos quais somos o resultado. Sem dúvida, não podemos ver o Absoluto, mas podemos fazer dele uma imagem, indiretamente, através dos reflexos e efeitos que vemos em nosso relativo, o qual bem conhecemos. Esses efeitos, nós os temos sob os olhos, controláveis a cada momento, falando-nos sempre da causa, de que são filhos diretos. Assim, neles podemos ver o rosto da mãe, cuja fisionomia pode ser reconstruída até por meio daquela razão, que não chega a vê-la, como o faz a intuição. Então, por um caminho mais longo, podemos levar os céticos a admitir a verdade daquelas visões que, por sua natureza, são incontroláveis diretamente.

Quando chegamos a esta visão, não podemos saber nem nos perguntar por que Deus quis existir e agir de determinada maneira e não de outra. Podemos somente receber a visão e registrar o estado de fato, que ela representa, e por fim aceitá-lo. Não podemos discuti-lo, nem modificá-lo, como é o caso da lei que regula qualquer fenômeno. Em ambos os casos verificaremos que o estado de fato é assim, acontece assim, sendo esta a inviolável estrutura do fenômeno.

Ocorre, porém, uma coisa. Nesse plano imperscrutável e esquema geral indiscutível do ser, achamos as causas primeiras, únicas a nos explicar não só os efeitos que temos entre as mãos, mas também a sua estrutura, sem o que não saberíamos explicar a razão pela qual teriam tomado aquela conformação particular e não outra. Por isso, não podemos explicar porque Deus teria querido criar os seres, transformando-se, de um todo homogêneo, internamente indiferenciado, num todo orgânico, unidade coletiva composta de infinitos espíritos. Mas este fato, que não podemos pesquisar, é o único a explicar outro fato correspondente, pelo qual o homem resulta constituído por um organismo de células, ou seja, uma unidade coletiva dirigida por um eu central, assim como todo o universo é dirigido por Deus. É ainda o único a nos explicar o princípio, pelo qual os seres tendem a reagrupar-se em unidades coletivas cada vez mais amplas; daí vermos dominar em nosso universo o princípio orgânico, justamente aquele ao qual se deve a criação dos seres, como foi revelado pela visão. Somente ascendendo a estas origens das coisas podemos dar-nos conta da razão pela qual assumiram em nosso universo sua atual conformação.

Assim, não podemos explicar, agora, o porquê último da estrutura trina da Divindade, além dos princípios gerais de ordem e harmonia, como não podemos perguntar nem saber a razão. Mas, verificamos que nós mesmos, em cada ato nosso, repetimos o mesmo comportamento: primeiro concepção da idéia, depois ação e, finalmente, a sua manifestação na realização concreta, exprimindo na forma, a idéia. Por isso, não podemos dizer a razão pela qual Deus tenha desejado existir como Trindade, mas podemos compreender a razão pela qual funcionamos dessa maneira. Devido o universo ser constituído segundo esquemas de tipo único, que se repetem em todas as alturas e dimensões, repetimos em cada ato nosso o princípio da Trindade, o único que pode esclarecer sobre essa estrutura de nossa maneira de agir e da sua forma de existir. É precisamente aquele primeiro modelo da Trindade, que vem repetido em todos os atos criadores de cada ser inteligente.

X X X

Eis como me apareceu a visão máxima do todo, já esboçada como conclusão no capítulo final de volume Deus e Universo, e agora, tendo chegado a um estado de mais profunda maturação, apresentamos de forma mais ampla e completa.
Apareceu-me Deus como uma esfera que envolve o todo, isto é, como conceito abstrato de esfera, existente além do espaço e cuja superfície está situada no infinito. Deus está no centro e domina toda a esfera, existindo também em cada ponto seu. Deus não pode ser definido, porque no infinito Ele simplesmente "é". Deus significa existir. Ele é a essência da vida. Tudo o que existe é vida, isto é, Deus. E Deus é tudo o que existe, que é vida. Deus é o ser, sem atributos e sem limites. O nada significa o que não existe. O nada, portanto, não existe. Ele não pode existir em si mesmo, por si só, mas só como uma função do existir, como uma sua posição diversa, da mesma forma que a sombra não pode existir por si mesma, mas só em função da luz, e o negativo não é concebível senão como contraposição ao positivo.

Nós, como tudo o que existe, estamos em Deus, porque nada pode existir fora de Deus, nada lhe pode ser acrescentado nem tirado. Mas, como veremos, nós humanos, com os outros seres de nosso universo físico, encontramo-nos existindo numa posição particular, semelhante à da sombra em relação à luz. Como sombra, fazemos parte do fenômeno luz, ou seja, fazemos parte do Tudo-Uno-Deus, mas como sombra, isto é, negativo, estamos no pólo oposto ao positivo da mesma unidade. Mais tarde veremos como isto aconteceu. Assim, diante do absoluto, encontramo-nos no relativo; diante do imutável, no contínuo transformar-se; diante da perfeição, numa condição de imperfeição sempre em movimento para atingir a perfeição; diante da unidade orgânica do todo, encontramo-nos fragmentados e fechados em nosso individual egocentrismo de egoístas; diante da liberdade do espírito, encontramo-nos prisioneiros no cárcere da matéria e de seu determinismo; diante da onisciência de Deus, estamos imersos nas trevas da ignorância; diante do bem, da felicidade, da vida, somos presas do mal, da dor e da morte.

Explicamos isto, para compreender como, existindo em um mundo emborcado do lado negativo, em relação a Deus, só sabemos conceber Deus como uma negação de tudo o que constitui nosso mundo. Pelo fato de sermos sombra, só podemos conceber Deus como a sombra concebe a luz, isto é, como o contrário de si mesma. Para poder atingir o positivo, seria indispensável, portanto, chegar a negar todo o próprio negativo, ou seja, dizer: Deus não é tudo o que nos aparece e existe como real; como para chegar à luz, mister seria afastar toda a sombra. Este nosso mundo de matéria, percebido pelos nossos sentidos, não é Deus. Este ou aquele fenômeno ou forma, em seu aspecto contingente, não é Deus. Mesmo Deus estando em tudo o que somos e vemos, tudo isso, por si só, não é Deus. Ele está além de todo fenômeno e forma, de toda posição do particular. Se se pudesse definir o infinito, a definição de Deus deveria estar para nós, antes, no negativo, isto é, como a negação de tudo o que para nós, em nossa posição, ao contrário, existe.

Todavia, há um fato. A sombra não é, absolutamente completa. Ela contém sem dúvida, reflexos de luz. Isto porque no atual plano de sua vida, o ser humano já percorreu certo trecho do caminho da evolução, ou seja, já subiu uma certa parte do caminho da descida e com isto reconquistou um pouco da perfeição originária. Ora, as definições comuns de Deus, em sentido positivo, foram obtidas com o elevar-se à potência infinita, as mínimas quantidades de perfeição reconquistada pelo homem ou intuída como futura realização a conquistar, isto é, os pálidos reflexos contidos na sombra.
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Chegamos assim, não a uma definição, mas apenas a uma aproximação do conceito de Deus. Com efeito, não é possível uma sua definição, porque, como acima dissemos, não se pode definir o infinito. O infinito uma vez definido não seria mais infinito. Compreendido este ponto, continuemos a contemplar a visão. Focalizando cada vez mais de perto, verificamos ser a esfera constituída não de uma, mas de três esferas, idênticas em tudo, e que cada uma se vai transformando na outra. Passamos, assim, ao segundo momento ou aspecto da visão. O primeiro deu-nos o conceito de Deus. O segundo dar-nos-á o conceito de criação.

Eis então que a esfera a qual chamamos de Tudo-Uno-Deus, por representar Deus como Unidade envolvendo o todo, inicia um processo de íntima elaboração, levando-a a uma profunda transformação. Neste segundo aspecto da visão, a Divindade se distingue em três momentos sucessivos, constituindo a Trindade do Deus-Uno. Representa o assim chamado mistério da Trindade, encontrado em muitas religiões, em todos os tempos. Eis a Divindade, una e trina ao mesmo tempo. Observemos os três momentos. Para nos tornar compreensíveis, teremos infelizmente de materializar os conceitos abstratos, em termos antropomórficos e com representações concretas; estas, se são úteis para fixar as idéias mediante representações mentais, mais facilmente concebíveis, no entanto, certamente deformam o conteúdo abstrato da visão, diretamente impossível de ser imaginado.

No primeiro momento, acha-se Deus no estado de puro pensamento. Ele então existe como um eu pensante que concebe. O movimento da elaboração interior está só na ideação abstrata, que é de visão do plano, o qual depois se realizará nos momentos sucessivos; é formulação da Lei, isto é, dos princípios que irão reger tudo; é contemplação da obra futura, ainda no estado de imagem mental.

Mas, eis que tudo se transforma e passa a um segundo momento, quando a concepção se muda em ação. O movimento da elaboração interior, de puro pensamento se torna vontade, que executa a idéia abstrata, põe em ação os planos concebidos, aplica os princípios da Lei. A imagem mental torna-se ação e se encaminha à sua realização.

Chega-se, assim, ao terceiro momento, àquele em que a idéia, por meio da ação, atingiu sua realização. Então o movimento da elaboração interior se completou, chegando à obra terminada, na qual, por meio da ação, a idéia originária do primeiro momento encontrou sua expressão final, de acordo com os planos concebidos e os princípios da Lei. É neste terceiro momento que ocorre a gênese da criatura, ou seja, a criação.

Estes três momentos representam o que chamamos as três pessoas da Trindade, ou seja: Espírito (a concepção); Pai (o Verbo, ou ação); Filho (o ser criado). Cada um dos três momentos é sempre o mesmo Deus, que permanece assim o Todo-Uno e trino ao mesmo tempo.

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Para facilitar a representação destes conceitos, poderemos imaginar as três esferas lado a lado, uma depois da outra, isto é, contíguas e sucessivas. Focalizemos nossa atenção na terceira ou última.

Qual é o resultado final do citado movimento de elaboração interior? Como se transformou, em seu íntimo, o Tudo-Uno-Deus, no fim do terceiro momento? Como fica a estrutura interior da esfera, no fim do processo a que se deve a criação? Em que constituiu ela?

Respondamos começando com as palavras do capítulo "Visão sintética", com que se encerra a visão do volume Deus e Universo. Neste processo, Deus multiplicou-se, como que se dividindo num número infinito de seres e no entanto continuando uno. Nos três momentos, a unidade de Deus permanece intacta e idêntica. Em vista de, ao Todo, nada se poder acrescentar, a criação ocorreu e permaneceu no seio do Tudo-Uno-Deus. Em outras palavras, poderemos imaginar este processo criador, como uma íntima auto-elaboração, pela qual Deus se transformou, de seu estado homogêneo e indistinto, em outro seu estado diferenciado e orgânico. Disto nasceu uma Sua diversa estrutura orgânica e hierárquica, um sistema de elementos (as criaturas) coordenados em função Dele e regidos por Sua lei, concebida no primeiro momento. Assim, a Divindade, que era unidade diferenciada, permaneceu igualmente una também agora, em seu terceiro momento, como unidade orgânica. Isto porque os elementos componentes resultaram tão profundamente integrados na ordem da Lei, tão bem coordenados em hierarquias e distribuições de funções, que a unidade originária de Deus nada perdeu e ficou íntegra, perfeita em seu novo aspecto de unidade orgânica. Criou-se, assim, o modelo, que mais tarde será repetido na formação de todos os organismos, quer da matéria quer da vida, segundo um dos maiores princípios da Lei, o das unidades coletivas.
Assim, as criaturas, nascidas desta criação, podem imaginar-se, em representação antropomórfica, como tantas centelhas em que quis dividir-se o incêndio divino. É evidente estarmos nos esforçando em dar uma representação mental ao fenômeno, de forma facilmente compreensível, mesmo sabendo que, quanto mais nos avizinharmos da forma mental humana, mais nos afastaremos da realidade toda abstrata e espiritual do fenômeno. Mas temos de fazer isso, porque a aceitação e a sorte de uma teoria dependem, muitas vezes, da forma mais ou menos facilmente compreensível e representável, com que seja exposta.

Além disso, mister é ter presente, que quando falamos de criação, não se trata ainda da criação de nosso universo que conhecemos, mas de uma originária criação, da qual derivou depois a atual. Essa era de puros espíritos perfeitos, bem diferente em toda sua qualidade, daquela em que nos achamos atualmente situados. Esta virá depois, e veremos como. Esses espíritos perfeitos que Deus tirou de Sua própria substância, nela permaneceram fundidos num só organismo unitário. A substância divina que os constituiu, continuou a existir una em Deus, agora, que se achava em estado diferenciado de elementos fundidos num organismo, como o era no primeiro momento, quando estava em estado homogêneo indistinto.

Com isto, completa-se o terceiro momento e está terminada a primeira criação. Esta é a criação perfeita, de puros espíritos, existentes em absoluta harmonia na ordem da Lei, no seio de Deus. Chegamos assim da fase do Espírito, à do Pai e enfim à do Filho, representada por este último estado. Na harmonia de Deus, tudo funciona perfeitamente. Tudo é luz sem sombra, alegria sem dor, vida sem morte. Assim ocorreu a criação e estes foram os resultados.

É claro nos acharmos, em cada um dos três aspectos, diante do mesmo Deus, que nada mudou de Sua substância. É portanto lógica e compreensível a equivalência dos três modos de ser da mesma Entidade. Trata-se, realmente, de três pessoas iguais, porquanto são a mesma pessoa, e distintas, enquanto a mesma pessoa se transforma em três momentos diversos. Trata-se do mesmo Deus em três aspectos Seus diferentes; como no caso do menino, adulto e velho se trata da mesma pessoa, constituída, entretanto, por três pessoas distintas, enquanto esta se muda em três diversos momentos seus. Como este homem, também Deus, em seus três aspectos, permanece o mesmo.

Concentremos agora nossa atenção, focalizando o nosso olhar nesta criação realizada, no fim do terceiro momento, ou seja, no terceiro aspecto da Divindade, o Filho.

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