quinta-feira, 30 de junho de 2016

Reunião Mediúnica - Requisitos do conjunto

Responsabilidade Mediúnica

Uma reunião mediúnica séria, à luz do Espiritismo, é constituída por um conjunto operacional de alta qualidade, em face dos objetivos superiores que se deseja alcançar.

Tratando-se de um empreendimento que se desenvolve no campo da energia, requisitos graves são exigidos, de forma que sejam conseguidas as realizações, passo a passo, até a etapa final.

Não se trata de uma atividade com características meramente transcendentais, mas de um labor que se fundamenta na ação da caridade, tendo-se em vista os Espíritos aos quais é direcionado.

Formada por um grupamento de pessoas responsáveis e conscientes do que deverão realizar, receberam preparação anterior, de modo a corresponderem aos misteres a que todos são convocados para exercer, no santificado lugar em que se programa a sua execução.

Deve compor-se de conhecedores da Doutrina Espírita e que exerçam a prática da caridade sob qualquer aspecto possível, de maneira a conduzirem créditos morais perante os Soberanos Códigos da Vida, assim atraindo as Entidades respeitáveis e preocupadas com o bem da Humanidade.

Resultado de dois aglomerados de servidores lúcidos – desencarnados e reencarnados – que têm como responsabilidade primordial manter a harmonia de propósitos e de princípios, a fim de que os labores que programam sejam executados em perfeito equilíbrio.

Para ser alcançada essa sincronia, ambos os segmentos comprometem-se a atender os compromissos específicos que devem ser executados.

Aos Espíritos orientadores compete a organização do programa, desenhando as responsabilidades para os cooperadores reencarnados, ao tempo em que se encarregam de produzir a defesa do recinto, a seleção daqueles que se deverão comunicar, providenciando mecanismos de socorro para antes e depois dos atendimentos.

Confiando na equipe humana que assumiu a responsabilidade pela participação no trabalho de graves consequências, movimentam-se, desde às vésperas, estabelecendo os primeiros contatos psíquicos daqueles que se comunicarão com os médiuns que lhes servirão de instrumento, desenvolvendo afinidades vibratórias compatíveis com o grau de necessidade de que se encontram possuídos.

Encarregam-se de orientar aqueles que se comunicarão, auxiliando-os no entendimento do mecanismo mediúnico, para evitar choques e danos à aparelhagem delicada da mediunidade, tanto no que diz respeito às comunicações psicofônicas atormentadas quanto às psicográficas de conforto moral e de orientação.

Cuidam de vigiar os comunicantes, poupando os componentes da reunião de agressões e de distúrbios defluentes da agitação dos enfermos mentais e morais, bem como das distonias emocionais dos perversos que também são conduzidos ao atendimento.

Encarregam-se de orientar o critério das comunicações, estabelecendo de maneira prudente a sua ordem, para evitar tumulto durante o ministério de atendimento, assim como impedindo que o tempo seja malbaratado por inconsequência do padecente desencarnado.

Nunca improvisam, porquanto todos os detalhes do labor são devidamente examinados antes, e quando algo ocorre que não estava previsto, existem alternativas providenciais que impedem os desequilíbrios no grupo.

Equipamentos especializados são distribuídos no recinto para utilização oportuna, enquanto preservam o pensamento elevado ao Altíssimo...

Concomitantemente, cabem aos membros reencarnados as responsabilidades e ações bem definidas, para que o conjunto se movimente em harmonia e as comunicações fluam com facilidade e equilíbrio. Todo o conjunto é resultado de interdependência, de um como do outro segmento, formando um todo harmônico.

Aos médiuns é imprescindível a serenidade interior, a fim de poderem captar os conteúdos das comunicações e as emoções dos convidados espirituais ao tratamento de que necessitam.

A mente equilibrada, as emoções sob controle, o silêncio íntimo, facultam o perfeito registro das mensagens de que são portadores, contribuindo eficazmente para a catarse das aflições dos seus agentes.

O médium sabe que a faculdade é orgânica, mantendo-se em clima de paz sempre que possível, não apenas nos dias e nas horas reservadas para as tarefas especiais de natureza socorrista, porquanto Espíritos ociosos, vingadores, insensatos que envolvem o planeta encontram-se de plantão para gerar dificuldades e estabelecer conflitos entre as criaturas invigilantes.

Por outro lado, o exercício da caridade no comportamento normal, o estudo contínuo da Doutrina e a serenidade moral, são-lhe de grande valia, porque atraem os Espíritos nobres que anelam por criar uma nova mentalidade entre as criaturas terrestres, superando as perturbações ora vigentes no planeta.

Não é, porém, responsável somente o medianeiro, embora grande parte dos resultados dependam da sua atuação dignificadora, o que lhe constituirá sempre motivo de bem-estar e de felicidade, por descobrir-se como instrumento do amor a serviço de Jesus entre os seus irmãos.
Aos psicoterapeutas dos desencarnados é impositivo fundamental o equilíbrio pessoal, a fim de que as suas palavras não sejam vãs, e estejam cimentadas pelo exemplo de retidão e de trabalho a que se afervoram.

O seu verbo será mantido em clima coloquial e sereno, dialogando com ternura e compaixão, sem o verbalismo inútil ou a presunção salvacionista, como se fosse portador de uma elevação irretocável.

Os sentimentos de amor e de misericórdia igualmente devem ser acompanhados pelos compromissos de disciplina, evitando diálogos demorados e insensatos feitos de debates inconsequentes, tendo em vista que a oportunidade é de socorro e não de exibicionismo intelectual.

O objetivo da psicoterapia pela palavra e pelas emanações mentais e emocionais de bondade não é o de convencer o comunicante, mas o de despertá-lo para o estado em que se encontra, predispondo-o à renovação e ao equilíbrio, nele se iniciando o despertamento para a vida espiritual.

Conduzir-se com disciplina moral, no dia-a-dia da existência, é um item exigível a todos os membros da grei, a fim de que a amizade, o respeito e o apoio dos Benfeitores auxiliem-nos na conquista de si mesmos.

Numa reunião mediúnica séria, não há lugar para dissimulações, ressentimentos, antipatias, censuras, porque todos os elementos que a constituem têm caráter vibratório, dando lugar a sintonias compatíveis com a carga emocional de cada onda mental emitida.
Desse modo, não há porque alguém preocupar-se em enganar o outro, porquanto, se o fizer, a problemática somente a ele próprio perturbará.

À equipe de apoio se reservam as responsabilidades da concentração, da oração, da simpatia aos comunicantes, acompanhando os diálogos com interesse e vibrando em favor do enfermo espiritual, a fim de que possa assimilar os conteúdos saudáveis que lhe são oferecidos.

Nunca permitir-se adormecer durante a reunião, sob qualquer justificativa em que o fenômeno se lhe apresente, porque esse comportamento gera dificuldades para o conjunto, sendo lamentável essa autopermissão...

Aos médiuns passistas cabem os cuidados para se manterem receptivos às energias saudáveis que provêm do Mundo Maior, canalizando-as para os transeuntes de ambos os planos no momento adequado.

Todo o movimento entre as duas esferas de ação deve acontecer suavemente, como num centro cirúrgico, que o é, de modo a refletir-se na segurança do atendimento que se opera.

Os círculos mediúnicos sérios, que atraem os Espíritos nobres e que encaminham para os seus serviços aqueles desencarnados que lhes são confiados, não podem ser resultado de improvisações, mas de superior programação.

Os membros que os constituem estarão sempre atentos aos compromissos assumidos, de forma que possam cooperar com os Mentores em qualquer momento que se faça necessário, mesmo fora do dia e horário estabelecidos.

Pontualidade de todos na frequência, cometimento de conduta no ambiente, unção durante os trabalhos e alegria por encontrar--se a serviço de Jesus, são requisitos indispensáveis para os resultados felizes de uma reunião mediúnica séria à luz do Espiritismo.

Manoel Philomeno de Miranda

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Página psicografada pelo médium Divaldo Pereira Franco, na reunião mediúnica da noite de 28 de agosto de 2007, no Centro Espírita Caminho da Redenção, em Salvador, Bahia. 
Publicada em Reformador. Rio de Janeiro: FEB. Ano125. Nº 2.144. Novembro 2007, p. 414-416

quarta-feira, 15 de junho de 2016

É possível que tenhamos vindo do nada ?

Capítulo XVII do livro "Um Destino Seguindo Cristo", de Pietro Ubaldi.




XVII 



O ULTIMO ATO, O HOMEM PERANTE A MORTE


Neste mundo, a carne, plasmada pelo espírito para agir e se desenvolver, torna-se fatalmente, cedo ou tarde, uma prisão onde a alma fica sufocada. Para os orga­nismos naturais, pertençam ao indivíduo ou à humani­dade, só há uma saída para a vida maior: a morte. (A Grande Mônada, Pierre Teilhard de Chardin)


O Cristianismo afirma solenemente o fato da sobrevivên­cia do espírito, mas apresenta-nos o fenômeno de forma racionalmente não admissível. E isto pelas seguintes razões:

1)  A alma não pode ter origem numa criação do nada, porque tal fenômeno não existe, nem pode existir em todo o uni­verso, seja no estado de S, seja no de AS. Há apenas uma possibi­lidade de transformação da substância de uma forma em outra. Aquele conceito de criação é puramente antropomórfico, admissível somente no relativo, onde o ato de criar, transformar de um estado em outro, derivando pela criação o novo estado de um precedente, que em relação a ele é o nada. A lógica confirma o absurdo do conceito de uma criação do nada. Esta criação produziria qualquer coisa de novo que se acrescentaria a Deus. Se isso fosse possível, Ele não seria mais o todo, outra coisa poderia existir fora e além Dele. Então, Ele não seria mais Deus.

2)  Com a criação da alma no ato da concepção física, Deus deveria estar à disposição do homem que a exigisse, obrigado a criar somente quando e se este quisesse.

3)  Dado que Deus não pode ser injusto, as almas criadas, ao nascer, deveriam ser todas iguais, com as mesmas qualidades e destino. Ao contrário, sem justificação alguma, os tipos de perso­nalidade e ambiente nos quais se nasce são diferentes, estabelecidos antes que o indivíduo possa conhecê-los e, portanto, tornado respon­sável pela maior parte das causas e efeitos que lhe vão trazer uma eternidade de alegria ou de dor.

4)  A criação da alma ao nascer significa uma quantidade de tempo infinita no futuro, e nenhuma no passado, a menos que não se queira admitir nenhuma, também no porvir, negando a imortalidade. O que tem um início deve ter um fim. E, se este não exis­te, também aquele não pode haver. Não é admissível o desequilí­brio resultante de tal desproporção de partes. A natureza do fenô­meno deve ser uma só, a mesma de ambos os lados, e não apenas na parte de tipo oposto àquela que ela é do outro lado.

5)      É absurdo, porque fora de toda proporção entre causa e efeito, que, com uma vida de uma centena de anos no máximo, se possam determinar as causas suficientes para justificar como conseqüência uma eternidade de prêmio ou de castigo, de alegria ou de dor. Uma só vida, conduzida em particulares e limitadas condições, não é suficiente, para completar a construção de uma personalida­de, não mais sujeita à evolução por ter atingido o estado final des­ta.      Como pode o indivíduo, possuindo somente o resultado de uma tão escassa experiência, ter alcançado uma forma em que possa fi­car definitivamente fixado para toda a eternidade?

6)  Se o mal é devido à queda no AS, sem o que a sua exis­tência não se explica, pois não pode ser obra de Deus, é absurdo que a redenção desse mal com o retorno ao S se possa cumprir: ou com o sacrifício de outros não culpados — neste caso, de Cristo — em vez de o ser com o esforço próprio, ou de um golpe com uma breve vida apenas, fugindo à longa maturação evolutiva, que é lenta transformação, a única que pode logicamente permitir o regresso ao estado de origem no S. Que dizer então, quando essa vida é só de poucos meses, totalmente insuficiente para experimentar ou apren­der? Em suma, a criação da alma ao nascer exclui a evolução, sem a qual não se pode realizar uma justa e merecida redenção.

7)  A construção da personalidade humana se explica ape­nas como resultado de uma transmissão e acumulação de qualidades adquiridas. Ora, isto é possível somente por via espiritual através da reencarnação, não podendo acontecer pelas vias da hereditarie­dade fisiológica, porque esta se transfere na juventude, quando os genitores não viveram ainda experiências para transmitir; nem su­cede na velhice, quando eles, tendo-se enriquecido, teriam material para propagar.

8)  Em nosso universo tudo deriva de um seu precedente que lhe é a causa e do qual é o efeito. Também a personalidade humana é um fato positivo. Ora, se ela existe, deve ter um seu pre­cedente do qual ela deriva e que é a causa da sua existência. Se nada se cria e nada se destrói, ela deve preexistir ao nascimento físico e continuar a existir depois da morte. Sem reencarnação a personalidade humana seria um efeito sem causa. E esse efeito não é genérico, mas bem definido nas suas qualidades individuais, que revelam uma história passada.

Aqui sustentamos o fato de que vivemos num universo dirigido por uma lógica que exclui a possibilidade de absurdos que a violem. Eis que o problema da sobrevivência, que estamos colocan­do, implica o da preexistência, que o desencarnar traz consigo o en­carnar, que a saída e a entrada na forma de vida terrestre se con­dicionam reciprocamente, compondo um fenômeno único, visto em duas posições diversas. Tivemos de esclarecer estes conceitos, por­que, somente desta forma, é logicamente concebível a sobrevivên­cia do espírito.

Do lado oposto ao das religiões, vemos que a ciência, de­pois de ter negado, na sua fase materialista, a existência do espírito, agora que se pôs seriamente a indagar no campo psicológico e parapsicológico, permanece ainda titubeante e longe de saber con­cluir. É  certo que a ciência tinha o dever de ser positiva, portanto de ficar no terreno objetivo, experimental. Mas isto tornou inevitável a limitação do seu campo de indagação ao aspecto material do fenômeno. Ora, o fato de lhe ter escapado a parte psíquico-espiri­tual dele, que, realmente, existe, não reduzível ao plano físico, não a deixou obter senão uma visão unilateral e incompleta.

Além disso, no próprio ato da observação, é bem estranho ter em conta somente o fato exterior, que representa a sua metade, e não também a outra, constituída pelo lado interior, isto é, da vi­são e interpretação daquela parte exterior obtida em função da na­tureza psíquica e espiritual do observador. Portanto, a atual obje­tividade científica é incompleta, e uma técnica experimental mais perfeita deveria abraçar ambos os momentos no ato da observação. A análise do fenômeno psíquico pode-se logicamente fazer não ape­nas por via extrovertida, observando uma vasta casuística, ou reco­lhendo de fatos acontecidos, ou procurando descobrir as leis regu­ladoras do seu funcionamento, mas também por via introvertida, pela qual o indivíduo pensante observa como nele está funcionan­do o seu pensamento enquanto está pensando.

Nos tratados de Psicologia e Parapsicologia usa-se em ge­ral o primeiro método. No presente escrito usamos o segundo. Po­der-se-ia dizer que, no primeiro caso, vê-se o fenômeno nos seus efeitos; no segundo, nas suas causas. É natural que a ciência tenha preferido a primeira via, porque a sua objetividade a torna exterior, enquanto a subjetividade do segundo caminho a converte em inte­rior. Mas é evidente que se trata de dois métodos complementares para atingir o conhecimento do mesmo fenômeno, que será visto na sua totalidade e completo somente se observado de ambos os lados e penetrado pelas duas vias. Assim, o método do psíquico-espiritual pode ser concebido de forma cérebro-cêntricas e psicocêntrica, e uma sua visão total não pode ser dada senão através de uma observação ampla que os abrace em toda a sua extensão, de um ao outro dos seus dois pólos.

Perguntamo-nos: por que a ciência deve limitar-se apenas ao uso do primeiro sistema de observação e, na pesquisa, não uti­liza também os recursos da intuição? É certo que esta deveria dar somente a orientação, mas com isso teríamos uma investigação guiada, e não cega como hoje, abandonada à tentativa das hipóteses lan­çadas ao acaso. Assim se faria mais completo o método da sondagem do ignoto. Por que se recusar a ajuda que pode vir deste lado? Por causa do conceito materialista que diz: mover-nos no cam­po metafísico nos conduz fora da realidade? É  verdade que tudo seria controlado de maneira que a intuição não se resolvesse em fantasia. Trata-se de juntar duas vias de pesquisa complementares, de as ligar em colaboração, para funcionar cada uma na sua justa posição. Não foi dito que a metafísica não seria uma realidade, mes­mo que diversa daquela objetiva e experimental da ciência. Se se trata de dois pontos de vista e métodos complementares, não há ra­zão para que, com vantagem comum, eles não devam auxiliar-se re­ciprocamente: o primeiro ponto de vista utilizado para a visão de conjunto é abstrata; o segundo, para o exame particular é concreto. Deste modo, lançar-se-ia a antena que explora o ignoto, para encon­trar, paralelamente, uma confirmação experimental e analítica no terreno concreto. Faremos a seguir uma aplicação desses conceitos.

O problema da sobrevivência depois da morte física não é facilmente solúvel, permanecendo-se na parte externa do fenômeno, realizando-se observações de casos nos seus efeitos exteriores sem se penetrar na sua íntima estrutura psíquica, por via extrovertida, em lugar daquela introvertida.  Tomemos como exemplo as recentes investigações de Rhine neste campo. Ele utiliza o primeiro destes dois métodos. Em seu longo caminho por via analítica, não chegou senão a conclusões parciais. Limitou-se a confirmar a presença de uma percepção extrasensorial (ESP) e de uma psicocinética (PC) isto é, de modificações extramotores no ambiente devidas à energia psíquica (o espírito que atua diretamente sobre a matéria). Cir­cunscreveu-se, assim, a constatar que penetrou num terreno que transcende as leis físicas, isto é, extrafísico.

A respeito da sobrevivência, diz J. B. Rhine no seu vo­lume: The Reach o/ the Mind (O Alcance do Espírito), Cap. XII:

"A única espécie de percepção possível no estado de desencarnado seria a extrasensorial (ESP);  e a ação psicocinética (PC) seria o único meio para influir, fosse qual fosse o universo físico" (. . . .). "Rhine coloca o problema da sobrevivência em função da ESP e da PC e o enfrenta por essas duas vias. Ele permanece em nosso pla­no de existência, fora daquele em que se realiza o fenômeno; assim trabalha em forma sensória extrovertida, em vez da espiritual intro­vertida; indaga na matéria, onde aquele fenômeno não aparece se­não incidentalmente, porque aquele não é o seu meio, nem investiga no espírito, onde o fenômeno funciona normalmente, viste que este é o seu ambiente natural. Assim, Rhine vê somente o aspecto negativo do fenômeno, a sombra que ele projeta no plano físico. Desta forma, não vai além da constatação do fato de que a ESP e a PC revelam que existe, na profundidade, um funcionamento que não pertence ao mundo material em que vivemos. Mais além ele não vê, e o aspecto positivo do fenômeno lhe escapa.
Rhine, para ser coerente, não podia colocar o problema senão no plano da existência humana, isto é, o material, e não no nível próprio do fenômeno, que é espiritual, porque, se o tivesse feito, não teria sido positivo como deve ser um cientista. A ciência, para ser fiel aos seus métodos, neste caso ficou longe do centro do fenômeno, que, por mais que ela procure agarrá-lo, foge-lhe na sua essência. Aqui vemos como são grandes os limites da ciência e dos seus métodos positivos de pesquisa.

Isto nos faz pensar numa incompetência "a priori , con­gênita, na ciência oficial, para penetrar na substância dos fenôme­nos, o que a constringe a permanecer na superfície deles. É assim que se explica como ela pode chegar, como sucede de fato, a cons­truir uma técnica praticamente utilitária para desfrutar, para van­tagem sua, as leis da natureza, enquanto não sabe chegar à compre­ensão da substância dos fenômenos e a uma orientação universal que resolva o problema do conhecimento.

Com o método intuitivo, nós não estamos a observar os reflexos que da profundidade do fenômeno irradiam na superfície exterior em nosso ambiente terrestre e em nossa respectiva forma mental periférica e analítica, para deduzir o que acontece no inte­rior. Ao contrário, aprofundamos o olhar e, com outros sentidos e instrumentos mentais, olhamos o que acontece por dentro e por quê. Isto pode parecer fantasia às mentes positivas. Mas aqui, apli­cando os princípios expostos no capítulo precedente, explicamos a que conclusões se chega com este outro método introspectivo e co­mo o mesmo problema é enquadrado e resolvido. Podem-se, assim, confrontar os resultados dos dois sistemas de pesquisas.
O método da intuição não nos conduz, através de uma casuística e de um processo analítico, a uma interpretação do fe­nômeno em forma de hipótese e tentativas de formulação de uma teoria. Explica-nos simplesmente como ele funciona, oferecendo-nos o resultado final da pesquisa com a solução do problema. Trata-se de um produto-síntese obtido com uma outra técnica de pensamen­to. Enquanto a comum psicanálise se ocupa dos fenômenos que acontecem nos substratos do inconsciente, aqui se trata de uma psi­cossíntese que lhe observa os aspectos superiores. Segundo Jung, "a intuição é a função mediante a qual surgem percepções por via in­consciente (. . . .). Na intuição um conteúdo qualquer se apresenta como um todo completo.  O conhecimento intuitivo possui tal ca­ráter de segurança e de certeza, que induziu Spinoza a considerar a ciência intuitiva" como a mais alta forma de conhecimento

Similarmente Assagioli admite "a existência de uma fun­ção cognoscitiva superior com a qual se consegue uma direta e ínti­ma compreensão da realidade. Este órgão de conhecimento direto é a intuição. Ela não é irracional, mas super-racional. Não obstante a cooperação da mente normal é necessária para o seu correto em­prego. E é bom possuir uma idéia clara do que constitui as justas relações de cooperação entre as duas. A esse respeito as funções da mente são: 1) reconhecer a intuição e as suas mensagens; 2) interpre­tá-las corretamente; 3) formulá-las e expressá-las em palavras. A Nova Era atestará o florescer da intuição"
Estas palavras de Assagioli confirmam plenamente o mé­todo da intuição que eu usei na composição da Obra, exatamente nas suas três fases, como foi explicado no capítulo precedente. Esta coincidência, de que só agora me apercebi, é uma nova con­firmação. Assim, posso dizer que apliquei, experimentalmente. sem ter conhecido, a teoria do Dr. Assagioli. O meu caso não é, por­tanto, mediunidade no comum sentido da palavra, mas se pode an­tes definir como penetração consciente na esfera do superconsciente.
Ora, mesmo que tudo isso pudesse parecer não científico. poderia ser utilizado de forma subordinada como método de inda­gação para formular hipóteses de trabalho, e submetê-la depois a controle experimental, verificando-se com a observação e os fatos con­firmariam a intuição, concordando com ela. A investigação poderia ser orientada em parte, não como preconceito, mas como hipótese, o que pouparia o trabalho que a pesquisa implica quando avança por tentativas. Esta poderia constituir a primeira parte da investi­gação, consistindo numa projeção do pensamento antecipador da solução do problema tomado em exame, projeção obtida lançando para a frente os tentáculos da intuição, para depois avançar, com mais segurança, com os meios positivos do normal controle racional e experimental.

Apresentemos agora um exemplo no qual aplicaremos os princípios acima expostos. Enfrentamos o problema da sobrevivên­cia depois da morte com o método da intuição, segundo um caminho diverso do seguido pela ciência. Vamos expor aqui os resulta­dos traduzidos em termos de raciocínio normal. O fenômeno é, em primeiro lugar, enquadrado no sistema filosófico exposto e demonstrado em outro lugar, utilizando dele aqui as conclusões. Assim, o problema é orientado desde o princípio e isto em relação a pontos de referência estáveis, já fixados em outros escritos. Já sabemos que nenhum fenômeno é completamente insolúvel, nem compreensível, se não for visto em relação aos outros. Tomemos, então, para depois proceder por sucessão lógica, como ponto de partida, o fato de que espírito e matéria são os dois pólos do ser, opostos e comple­mentares, interdependentes e comunicantes. Eles são um aspecto do dualismo universal despedaçado, mas reconstituído em unidade no mesmo ciclo. O pólo espírito significa também S, e o pólo matéria quer dizer AS, que são os dois extremos do ciclo involutivo-evolutivo, que solda a fratura do dualismo, tudo reconduzindo á unidade originária no S.
O método do ciclo é universal e corresponde ao sistema rotativo, segundo o qual se move o universo físico. Este é feito de elementos de tipo esférico, de retornos cíclicos, de trajetórias fechadas, de espaço curvo. Este método do ciclo consegue compensar a complementaridade e conciliar a oposição dos dois termos do dualismo, chegando, assim, a reconstruir em unidade a cisão e a pôr de acordo os dois opostos modos de existir em um dualismo unitário constituído por um circuito que, fechando-se em si mesmo, reúne as duas metades na unidade oferecida pelo próprio ciclo. Assim, a cisão se resolve em uma pulsação de ida e volta, pela qual o afastamento do ponto de partida é compensado e equilibrado por um movimento de retorno em sentido que lhe é oposto, movimento inverso que, apesar de ser a continuação do primeiro no mesmo rumo tem o poder de o anular em direção contrária.
Este modelo universal repete-se na série vida-morte e morte-vida, na qual ecoa o circuito maior S e AS. O primeiro período do ciclo, que corresponde à fase involutiva, é representado pela des­cida no plano físico, na forma de um corpo, à guisa de queda na matéria, no AS, para ali realizar o esforço de evoluir e redimir-se, dele voltando a subir para o espírito e para o S. Deste modo, en­carnar-se representa a condenação do decaído, porque conduz para a matéria, em forma de vida de obscurecimento do espírito ao nível sensório no plano físico. Ao contrário, desencarnar-se tende para o lado oposto, isto é, a elevar-se no plano espiritual, caminhando em direção ao S. A fase terrena da vida é feita de luta, de provas, de fadiga para subir, deslocando para o alto a própria posição ao lon­go da escala da evolução. O período de vida no além é, entretanto, de tipo contrário. Ele representa a segunda parte da esfera, que corresponde à fase evolutiva, ou seja, não de queda na matéria, mas de ascensão para o espírito.

Depois de haver vivido uma existência em forma extrover­tida, é necessário um período de introspecção: 1) para compreender por que se viveu e o que, num mundo de ilusões, se fez de substan­cial, seja em bem, seja em mal; 2) para avaliar o sentido das experiências atravessadas e apossar-se do fruto, assimilando-o e fixando-lhe os resultados na própria vida como continuação do trabalho já realizado. Em suma, nas duas etapas, temos uma mesma elaboração com finalidade evolutiva, a qual se cumpre de formas opostas dentro do mesmo ciclo de ida e volta, isto é, como vida que cami­nha para o plano matéria e como existência que se dirige para o nível espírito. Temos uma fase de trabalho na matéria, feita de lu­ta, e outra de trabalho no espírito, composta de reflexão e com­preensão.

Estas observações tratadas pelos nossos escritos precedentes permitem orientar-nos perante o fenômeno da sobrevivência, for­necendo-nos os princípios sobre os quais ele se baseia. Não corresponde à realidade considerá-lo isolado no seio da fenomenologia de que organicamente ele faz parte. É necessário ter resolvido primei­ro o problema maior, se se quiser depois solucionar as questões me­nores nele contidas. Neste caso da sobrevivência, trata se de uma oscilação do pólo matéria ao do espírito e ao contrário Tal flutuação matéria-espírito, que neste caso toma a forma de vida-morte, é possível, porque, no fundo, neste dualismo, está contida a unidade fundamental do ser. É essa unidade que permite o trasbordamento do espírito, no âmbito da matéria, com ESP e a PC. Mas também existe um contato em sentido oposto, porquanto o pensamento para manifestar-se no plano material tem necessidade do órgão ce­rebral. Assim, espírito e matéria são dois aspectos extremos de uma fundamental unidade de substância, tanto que nesta a involução constitui o processo de transformação: espírito-energia-matéria, e a evolução o inverso: matéria-energia-espírito.  (V. A Grande Síntese).

Então, psique e corpo, isto é, a parte espiritual e o lado material, dos quais resulta constituído o nosso ser, não são senão duas fases diversamente avançadas do transformismo, posições en­tre as quais, ao longo da escala da evolução, está situado e contido o ser humano. A psique está à cabeça e se move para a conquista dos estados mais avançados; o corpo fica na cauda, representando um passado do qual a vida tende a afastar-se, conservando-o, mas retornado em sínteses sempre mais rápidas e destilado em forma de valores sempre mais concentrados. É sempre a mesma substância do ser que se transforma ao longo do seu caminho ascensional. Neste processo a psique representa a parte alta do fenômeno, onde se está operando a construção futura com a subida em direção ao S, e o corpo constitui o lado inferior do mesmo fenômeno, o cami­nho já percorrido nos mais baixos planos da evolução situados em direção ao AS. Quanto mais tendemos para o alto, por sermos evoluti­vamente avançados, tanto mais vivemos no nível espírito, mais vizi­nhos do S; quanto mais nos inclinamos para baixo, por sermos in­volutivamente atrasados, tanto mais existimos no estágio matéria, mais próximos do AS. Assim, cada ser, em alturas diversas, ocupa um trecho do caminho ascensional. E, evoluindo, desloca-o em su­bida, distanciando-se sempre mais do AS e avizinhando-se do S. Veremos, agora, como se verifica este deslocamento para o alto.

Estas observações permitem-nos focalizar melhor o pro­blema do inconsciente. Por que ele existe? O que significa a sua presença tão extensa em comparação com a zona muito menor co­berta pelo consciente? Só com a orientação exposta por uma filoso­fia universal que se reconstitui nas primeiras origens, como a desen­volvida nos volumes precedentes, pode-se dar uma resposta a esta pergunta. O ente não podia ser criado por Deus senão conscien­te. O inconsciente, ao contrário, é negativo, está do lado oposto à origem, que, sendo derivação direta de Deus, não pode ser senão positiva. Eis que o inconsciente só pode ser o produto de um des­moronamento, inversão ou queda, fenômeno que explicamos larga mente nos volumes O Sistema e Queda e Salvação. O inconsciente. então, é um obscurecimento da luz da consciência, uma sua inversão ao negativo, é o resultado de um desfazimento desta com a queda do S no AS.

Este fenômeno se explica em função daquele universal, já admitido: a evolução. Podemos ver todo o caminho percorrido pe­lo consciente de origem, seja na sua fase involutiva, de descida, até chegar à posição de inconsciente total na plenitude do AS, seja no seu período evolutivo, de retorno, até reconstruir-se na sua originá­ria situação de consciência e conhecimento total na plenitude do S. Podemos saber porque existem no ser essas duas posições opos­tas  —  uma ao positivo e outra ao negativo — do fenômeno da consciência. E podemos responder a quem nos pergunte: por que, com a evolução, muda a amplitude do campo compreendido pelo consciente em relação ao dominado pelo inconsciente? É fato que o maior resultado da evolução é a conquista de consciência, isto é, o desenvolvimento nervoso, cerebral, mental, através do qual ela se dilata sempre mais, no campo da personalidade, conquistando espa­ço até sua total inversão, repelindo gradualmente o inconsciente até eliminá-lo. O período involutivo do grande ciclo é representado pe­la descida espírito-energia-matéria até a plenitude do AS e da nega­tividade do inconsciente. O oposto período evolutivo é representa­do pelo regresso ascensional matéria-energia-espírito até a reconstrução do S e da positividade do consciente. Sabemos que o trabalho da existência serve para o desenvolvimento da consciência, que a vida evolui espiritualizando-se. O grau de evolução atingido é de­monstrado pela extensão da zona de consciência conquistada no cam­po do inconsciente. Por isso, falamos tanto aqui de superconsciente, são forças positivas que querem a evolução. O escopo desta é destruir a zona negativa do inconsciente, levando-nos à sua me­ta, que é a plenitude da consciência e conhecimento em Deus. Se­mente a intuição, e não a ciência, pode dar-nos esta orientação e nos diz porque existe o inconsciente e qual é o significado da sua presença e o desenvolvimento do fenômeno. Sabemos também que o consciente no seu nível atual representa aquela zona da originá­ria centelha divina que, apagando-se até ao inconsciente total — na fase matéria, no fundo da involução no AS — foi acordada e rea­cesa pelo ser com o trabalho da sua evolução até formar a peque­na luz: a nossa consciência atual, em expansão até retornar à sua plenitude no S, isto é, em Deus.

Julgo que somente assim orientados, conhecendo a íntima natureza das coisas que se estão estudando, e não apenas observando as suas manifestações exteriores, se possa resolver estes problemas da psique, do espírito, da sobrevivência. Conhecendo, desta forma, o fenômeno até as suas raízes, pode-se melhor entender-lhe o signi­ficado e tirar suas conseqüências e aplicações. É  devida a esta fundamental unidade do ser, a qual se estende de um a outro dos seus dois pólos, espírito-matéria, que pode existir u’a Medicina psicossomática  e a capacidade do espírito curar o corpo com o qual está unido. A psicocinética (PC) prova que existe uma possibilidade para o espírito de penetrar no campo oposto da matéria. Há uma força psicocinética no espírito, como existe uma força atômica na matéria. Mas, se em dadas circunstâncias, entre os dois estados opostos, há possibilidade de intercâmbio, pelo fato de constituí­rem os extremos da mesma unidade, isto não suprime a sua recí­proca independência e separatividade no momento da morte. Tan­to mais que essa separatividade é apenas uma manifestação do vi­ver por turnos nas duas formas contrárias de uma única longuíssima vida, uma em estado de repouso, enquanto o lado oposto trabalha. Trata-se de uma oposição de modos de existir em posições diversas, para se permanecer sempre vivo e ativo em cada uma das duas, li­gadas em colaboração, visto que o sistema é dualístico e único ao mesmo tempo. Há apenas uma bipolaridade da mesma unidade. O ser humano é precisamente essa unidade bipolar, na qual na fase de encarnado prevalece o lado inferior ou matéria, isto é, a posição involutiva em direção ao AS, enquanto no período de desencarnado predomina o aspecto superior ou espírito, ou seja, a projeção evo­lutiva para o S. A emersão da parte baixa realiza-se através desta oscilação por ondas desde o vértice sempre mais alto  Sucede que, em toda encarnação, se desce cada vez menos para a matéria e, em cada desencarnação, se ascende a uma posição mais elevada no espírito.
Ora, como negar a sobrevivência, quando, deste modo, se vê o seu mecanismo em ação, as suas razões, a sua função equili­bradora perante o oposto tipo de vida terrena e, finalmente, a ne­cessidade lógica de tal sobrevivência, dada a estrutura do fenômeno vida e sua evolução no seio do organismo do todo? Não será essa convergência de argumentos mais convincente do que a casuística, na qual se dilui o pensamento da ciência? Vemos, assim, que tudo tem a sua causa no esquema geral do ser. As duas vidas, de encar­nado e desencarnado, alternam-se, sustentando-se  reciprocamente, para subir em direção ao S, uma no estado matéria para executar o trabalho complementar ao que é realizado pela outra em posição espiritual. Cada encarnação é, à guisa de um recuo involutivo, uma descida na matéria para lhe suportar as provas, aprender e assim progredir. Cada vida de desencarnado destina-se a dar um salto pa­ra a frente, digerindo e assimilando as experiências vividas. O pri­meiro tipo de vida vai para o AS, repetindo em descida, embora sempre de forma mais fraca em cada encarnação, o motivo da queda e experimentando os castigos numa forma de vida dura. O se­gundo modo de existência caminha para o S, como tentativa de as­censão, colocando-se sempre mais alto em cada desencarnação, pro­vando as alegrias do novo estado em uma forma de vida melhor. Ora, sem a sobrevivência depois da morte, não se poderia realizar o longo caminho da evolução, necessário para que se possa regressar ao S, atingindo, assim, a salvação final, o que constitui o objetivo da vida. Com estes conceitos tudo tem um sentido lógico, justo, convincente. Se os suprimirmos, a vida tornar-se-á um duro esforço inútil e o universo um organismo funcionando com imensa sapi­ência, mas sem significado, nem objetivo, no caos. É impossível que esta sapiência, que os maiores intelectos humanos vão fatigan­temente descobrindo, se resolva naufragando, deploravelmente no absurdo; que a lógica e a profundidade do pensamento que vemos presente em tantos fenômenos se desmintam depois no plano geral que deve coordená-los para uma finalidade única.
É esta visão de conjunto que nos impede de cair na con­cepção unilateral do materialismo científico, que faz do homem um autômato cérebro-cêntricos, permitindo-nos ver também o homem psicocêntrico, regido por leis de outro tipo, superfísicas, eu se­ja, psicológicas, em vez de fisiológicas, não como extensão destas, mas baseadas em princípios independentes no seu campo. Em su­ma, opomos uma ciência do espírito à da matéria e podemos atingi­-la com meios próprios de pesquisa, penetrando em terreno que se encontra além do da matéria.

A este respeito Rhine, no seu citado volume The Reach of  the Mind (O Alcance do Espírito), Cap. XII, diz-nos: (. . . .) "a telepatia figuraria como o único meio de intercomunicação do qual poderiam dispor as personalidades desencarnadas, seja com os vivos, seja com os não vivos . No seu livro: New World of  the Mind (O Novo Mundo do Espírito), Cap. X, Rhine diz: (....) "qualquer transmissão do pensamento de uma pessoa desencarnada a outra, ou a uma encarnada, deveria realizar-se de forma telepática" (....). Então, se o fenômeno da comunicação com os desencarnados se ve­rifica telepaticamente, ele é independente do transe mediúnico, não mais necessário para comunicar. Nós sempre fugimos persistentemente de toda forma de perda de consciência. Isto porque a maior finalidade da vida é evoluir, e não nos quisemos opor a tal. De fato, evolução significa cada ampliação, desenvolvimento ou ex­pansão de consciência, enquanto involução significa cada diminuição, restrição, ou supressão dessa consciência. Por isso, cair nas trevas da inconsciência é um retrocesso.  A evolução consiste em fazer-se mais consciente em vez de menos, se possível subindo ao superconsciente, pelo que abandonar o controle consciente para per­der-se no inconsciente, como sucede no transe, significa descer in­volutivamente. Quem é mais evoluído não tem necessidade do tran­se para se comunicar com os desencarnados, porque ele, sendo sen­sibilizado, pode fazê-lo em plena consciência, sabendo perceber a sua presença espiritual como pensamento e sentimento. E isto sin­tonizado, telepaticamente, por afinidade.

Eis, então, que Rhine confirma as nossas conclusões ex­postas no capítulo precedente sobre o fenômeno inspirativo, a res­peito do contato telepático com a fonte de pensamento geradora de nossa Obra, como a respeito da possibilidade de continuar a manter aquele contato também depois da morte. Pudemos obser­var experimentalmente, neste caso, o funcionamento de um pensa­mento por via não cerebral, independente do seu órgão físico e da morte deste, em vez de estar ligado à matéria e à sua decadência senil. Ter experimentado, durante quase quarenta anos, o funciona­mento de um pensamento supercerebral e, agora, constatar que ele não envelhece com o corpo nos indica que tal pensamento deverá sobreviver, também, depois do desfazimento do cérebro. É certo que, se este estiver cansado ou doente, o pensamento não consegui­rá expressar-se. Mas isto não implica que o pensamento seja um produto cerebral. Também um automobilista, se o seu carro estiver muito usado, não poderá desenvolver muita velocidade. Mas isto não quer dizer que ele não saiba dirigir, nem viajar acelerado. Ele poderá fazer isso, logo que dispuser de outro automóvel que não esteja naquelas condições.

Por estas vias chegamos à conclusão de que a personalida­de sobrevive depois da morte. Para quem está escrevendo estas pá­ginas não se trata somente de fé, de esperança, ou de simples resul­tados de raciocínio, mas de uma sensação da indestrutibilidade do eu pensante. Hoje estamos habituados a querer verificar tudo antes de admiti-lo. A aceitação pela fé, ou pela autoridade, está fora de moda. Impor verdades dogmáticas, como durante tantos séculos se usou, sem provas racionais positivas, já não serve como defesa da verdade. Diz Rhine no seu citado volume: New World of the Mind (O Novo Mundo do Espírito), Cap. VII: "Se assim (impor verdades dogmáticas), em vez de um grupo, se comportasse um simples indi­víduo, ele seria julgado louco, dado que se recusa ao contato com a realidade e se aceitam fantasias não verificadas". As nossas afir­mações aqui expostas respondem à lógica de um plano universal. Foram controladas por longa experimentação, de acordo com aque­la lógica em contato com uma realidade vivida, e são agora confir­madas por quem aqui as sustenta através de um íntimo sentido da verdade, dado pela sensação da indestrutibilidade da parte espiritual da pessoa, não obstante o fim já iniciado da sua parte material. O re­sultado a que chegamos não é uma hipótese ou teoria, mas a segu­rança de que as coisas são como aqui afirmamos.

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Todos estamos enquadrados dentro da lei do ciclo vida-mor­te e não podemos existir senão como transformismo. Tudo é feito da divina substância incriada e indestrutível. Nada se cria, nada se destrói, tudo se transforma. Como poderia, então, a personalida­de humana, entidade definida por si própria, e como poderia o es­pírito, forma de energia superior, anularem-se com a morte? Como poderia aquela personalidade, quando aparece na vida, ser um efei­to sem causa, um fato sem continuação e conseqüência? Mas em que outro lugar vemos os fenômenos funcionarem nesse sentido Não acontece sempre que o sucedido no passado seja abandonado, esmagado pelo futuro, que surge para lhe tomar o lugar, por sua vez rapidamente consumido pelo presente para tornar-se subitamen­te passado e ceder passo a novo amanhã que se lhe quer substituir? Assim ocorre com a morte. Como é possível mutilar no seu desen­volvimento o transformismo de um fenômeno? Como se pode parar o fluir do tempo, que, inexoravelmente, marca o ritmo daquele trans­formismo? Como pode existir um fato sem amanhã, fechado em si mesmo, completo em uma só fase do seu desenvolvimento, ou que se esgota sem deixar resíduos, traços, conseqüências, ou que detém o seu curso sem qualquer continuação? A estas leis universais a morte teria de fazer exceção. Por que este desvio à fenomenologia universal? Que justifica tão flagrante violação da ordem das coisas? Como pode somente este caso fugir à aplicação dos princípios vi­gentes? lá dissemos que o conceito do nada não pode existir senão relativamente ao modo precedentemente assumido pela substância, que continua a existir sempre a mesma através de todas as formas.

Cada um nasce com a sua personalidade já elaborada e, conforme a natureza desta, escolhe o ambiente e plasma a sua vida depois, segundo o que escolheu e viveu, tem morte diversa e en­frenta o além. Assim, cada um realiza a seu modo o princípio geral transformista do fenômeno vida-morte, e cada tipo de personalidade realiza-se de maneira diferente. Acontece que, se para os extrovertidos, para quem é fácil viver projetado para o exterior no ambiente terrestre, faz-se escuro quando o tipo de vida com a morte se inverte em direção ao interior, para o introvertido, para quem é difícil viver nas condições oferecidas por aquele ambiente, faz-se luz quando sai da prisão da matéria, para se lançar no mundo in­terior. Colocar-se ao nível da vida humana pode, para um indivíduo proveniente das proximidades da animalidade, significar um salto em frente, uma ascensão espiritual, mas para um evoluído pode querer dizer um retrocesso. No primeiro caso, a existência terrestre pode ser uma alegre expansão vital, no segundo uma dolorosa sufo­cação. Por isso a vida pode ter, para os indivíduos, significados, fi­nalidades e resultados vários. Para quem nascer leva a ascender. isto pode querer dizer entrar num paraíso, mas para quem nascer significa descer, isto pode representar ir para o inferno. A alegria da vida está em seguir a lei da evolução, que conduz ao S. Por isso, quando a vida no nível humano constitui uma subida, porque se parte de mais baixo, ela pode ser tida como alegria, apesar de ser alegria de primitivo; porém, quando a vida é uma descida, porque' se inicia de um nível mais alto, então ela se torna sofrimento, mes­mo que seja padecimento de evoluído. Tudo é relativo à posição que se ocupa ao longo da escala evolutiva.
Assim se compreendem as diversas atitudes dos indivíduos. Do comportamento de cada um, conforme a sua natureza, depende o seu tipo de vida e de morte. Se para o involuído o nascimento no plano físico pode significar uma melhoria, podendo vi­ver em mais alto estágio evolutivo e, portanto, constituindo a morte uma perda, para o evoluído tal nascimento pode comportar con­dições piores de vida em um mais baixo ambiente evolutivo, poden­do a morte ser considerada uma libertação. É natural que se en­contrando eles em posições opostas, aquilo que para um é afirmação, para o outro é negação de si próprio, e ao contrário. Para quem é matéria aqui se acha a vida e, para quem está no plano do espírito, aquele nível significa a morte. Para quem é espírito a vi­da encontra-se neste âmbito e, para quem está na matéria, aquele nível representa a morte. Há um abismo insanável entre o homem do mundo e o do espírito. O primeiro vive para realizar no meio terreno; o segundo, no campo ideal. Eles enfrentam a vida de ma­neiras opostas. O primeiro quer multiplicar-se na carne para viver satisfeito no máximo bem-estar deste mundo; o segundo dirige-se para formas de vida mais altas, superando a terrestre. Para aquele esta aspiração é sonho e utopia, para o último constitui a mais alta realização, porque corresponde ao maior impulso da vida, que é a evolução. O primeiro quer gozar no presente, o segundo pretende ascender, projetado para o futuro. Aquele triunfa em vida, quando se encontra no seu ambiente, mas é derrotado pela morte, quando tem de sair desta existência. O último luta e sofre em vida, exila­do na Terra, embora vença na morte, quando pode libertar-se desse mundo E este segundo caso que aqui estamos narrando.
É lógico e justo, para quem a vida é positiva no plano ter­reno e negativa no espiritual, que a morte se apresente negativa; e, para quem a vida se mostra positiva espiritualmente e negativa no ambiente terreno, que a morte seja positiva. Esta para ele não é o fim, mas o início de outra vida maior. É lógico e justo que as po­sições favoráveis e contrárias se compensem e que, nas relações en­tre os bons oprimidos e os prepotentes dominadores, elas se inver­tam. Se a existência atual constituísse toda a vida, o mundo teria razão. Mas seria um absurdo que, se ela fosse completa, se exau­risse num espaço de tempo tão breve. Então, vencer na Terra seria algo só momentâneo. Será que a existência pode ser anulada? Não. E pode-se deter o tempo? Também não. É necessário forçosamente continuar e prever, preparando essa continuação. Que sucederá a quem não o tiver feito, ou, pior, tenha-o realizado de modo embor­cado? Não queremos com isso depreciar o homem de ação dirigido a finalidades práticas. Tudo isso não significa inevitavelmente que ele esteja em erro, mas apenas que o seu campo de trabalho cobre um espaço limitado, além do qual existem outras possibilidades imensas em bem e em mal que ele não leva em conta e que lhe es­capam, porque as ignora. Assim, aquele homem permanece fechado no ambiente terrestre, sem vislumbrar a vida maior que existe além deste.

O homem da Terra identifica-se com o corpo e prende-se àquilo que este pode possuir, anexando-o a si O homem do espírito sente-se como personalidade distinta do seu corpo e daquilo que a este se pode juntar com a posse, a que, portanto, não se liga como coisa própria. Trata-se de duas formas mentais diferentes. Para o primeiro tudo aquilo que a vida oferece constitui um fim, para o segundo é apenas um meio. Para aquele a morte é morte, isto é, o fim, uma anulação; para o último ela é o início de uma nova vida, uma passagem, uma transformação. Apenas este sente-se ficar ínte­gro na sua personalidade, completamente vivo na morte, porque e impossível morrer. Então, ele se libertará do escafandro que teve de vestir para poder descer até a profundidade do plano físico, a fim de poder entrar em contato com ele. O involuído identifica-se com o escafandro e se interessa apenas por este tipo de vida, como se fosse o único e o melhor. Em vez de apressar-se a subir à super­fície, procura tornar-se mais pesado ainda, carregando-se de todas as possíveis revestiduras, como riqueza, honras, poder terreno, sempre mais vastos domínios em todos os campos. Mas estas coisas são acrescentadas do exterior, portanto destinadas a serem abandonadas com a morte Com o indivíduo fica somente aquilo que é verdadei­ramente seu, as suas qualidades, ou seja, não aquilo que ele possui, mas o que ele é.

Acreditar que se possa crescer e se tornar maior só com possuir é uma ilusão, porquanto, em realidade, a existência é um transformar-se sem cessar. Querer subir é um impulso evolutivo sa­dio, mas não é aquele o caminho. Onde tudo continuamente se transforma, a estabilidade de uma posse definitiva é utopia, um absurdo, porque se torna uma atadura que paralisa a ascensão, atraiçoando o escopo da vida.  No seio de tal sistema, onde tudo muda sempre — e se nasce e se morre — pode-se ter apenas ou um usufruto temporário, ou um empréstimo, não uma propriedade definitiva  Somos viajantes ao longo do caminho da evolução, cons­trangidos a mover-nos incessantemente em direção ao seu vértice. As bagagens constituem-se um obstáculo ao avanço; aquelas comprometem, enquanto este é o que tem mais valor, porque é nele que está a salvação. A prisão às coisas é produto do AS, precisamente para frear a ascensão ao S. Trata-se de um método emborcado de crescer, porque se pretende engrandecer aprisionando-se, em vez de libertando-se para poder voar. O verdadeiro enriquecimento se al­cança pela via oposta. Quanto mais nos livramos de uma prisão particular, tanto mais nos enriquecemos com a capacidade de possuir universalmente. Seguindo o primeiro método, as coisas se afastam de nós, porque, desejando agarrá-las, queremos constrangê-las à nossa vontade, fora da natural corrente das suas leis. Aplicando o segundo método, as coisas vêm a nós, por nos colocarmos no fluxo das suas leis, na via do seu natural traçado. A nossa avidez nos afasta do sucesso, o nosso desprendimento as atrai. A posse de uma coisa qualquer, enquanto parece que nos engrandece e nos dá po­der, de fato tende a fazer-nos seus servos. Então, isso em vez de ser útil à pessoa para evoluir, prende-a, paralisando-lhe os movi­mentos e o progresso.
Aquilo que verdadeiramente podemos possuir são as nos­sas virtudes. Elas representam o nosso maior tesouro, é por meio delas que verdadeiramente podemos ser donos das coisas, somente sabe produzi-las e conservá-las quem tem aquelas qualidades. Estas são a nossa única verdadeira propriedade, inalienável, indissoluvel­mente ligada à nossa pessoa, enquanto as coisas vão e vêm à mer­cê dos acontecimentos. Toda atividade humana para apropriar-se do mundo se reduz a dispor diversamente o material que se encontra na superfície da Terra, sem lhe poder acrescentar um só grama que seja. Depois de nossa temporária intervenção, tudo fica mais ou menos onde estava, para retomar o curso das suas espontâneas trans­formações estabelecidas pelas suas leis. E assim que de todas as grandes obras humanas não fica outra coisa dentro do homem senão a técnica que ele aprendeu para construí-las, como se elas fos­sem só um material de exercitação para aprender. Das coisas edifi­cadas; de estável restam unicamente as qualidades adquiridas para construí-las. É por isso que temos o direito de moldar-nos na esco­la da vida, mas apenas como meio, isto é, temos o direito de dispor de tudo aquilo que é necessário para a nossa evolução, e só até aí.  Tudo vale e nos é dado enquanto serve de instrumento para cami­nhar rumo ao ponto final da evolução, a que tudo tende e à volta da qual gira o universo, ou seja, serve para o regresso ao S.

Estamos explicando as razões da renúncia e o justo senti­do em que ela deve ser entendida e praticada. Se isto não acon­tece, ela pode representar somente um impulso negativo, dirigido a construir qualidades de ócio e inaptidão. A renúncia pode ser en­tendida como uma indiferença em relação a problemas terrenos pa­ra nos eximirmos do esforço de enfrentá-los e resolvê-los, numa san­ta preguiça, evitando que nos construamos através da luta pela vi­da. O ginásio das nossas exercitações é a Terra, e devemos atraves­sá-la para depois subir ao céu, e não fugir-lhe nas solidões do de­serto. Ausentar-se da vida com a renúncia não é um atalho para evoluir, saltando para um plano superior de vida, livrando-se de percorrer toda a transformação evolutiva. É necessário entrar em contato com as dificuldades terrenas para lhes suportar as respecti­vas provas. Portanto, voltar as costas à Terra, acreditando que bas­ta isso para ganhar o céu, sem primeiro haver amadurecido por ter aprendido todas as duras lições de nosso baixo mundo, é levianda­de de inexperientes, ignorantes da técnica progressiva da evolução. Voltar as costas à Terra representa só o lado negativo do fenômeno, que deve ser completado pelo outro positivo, constituído pelo traba­lho da construção espiritual, de maneira que nos tornemos capazes de saber viver em um nível evolutivo mais alto.

Pode-se cair nesse erro, renunciando-se à vida e às suas provas, como acontecia freqüentemente com os religiosos medievais, que se isolavam em penitências, julgando que se espiritualizavam apenas com atormentar o corpo. Não basta morrer em baixo. É necessário saber reviver mais no alto. A ascensão ao céu não é uma fuga, mas uma lenta preparação através de aproximações graduais. Eis, então, que para ali entrar faz-se mister ter atravessado e supe­rado todas as fases do caminho que conduz até lá. Só alguns indi­víduos isolados estão maduros para tais superações. As massas en­contram-se no seu elemento, na Terra, proporcionado ao seu ambi­ente, onde acham as provas adaptadas, necessárias para evoluírem. Entre os dois tipos, maduros e imaturos, é difícil a compreensão. Por isso os primeiros devem sair da Terra e os segundos ali ficarem para continuar a construir, com os seus próprios esforços, cada vez mais altas formas de civilização. Cada elemento tende e acaba por colocar-se no lugar que lhe compete, conforme a sua natureza, me­recimento e trabalho a realizar.

A herança do homem é ser condenado a construir nas areias movediças, traído pela ilusão e pela paixão de produzir obras estáveis. A caducidade de todas as coisas é a regra neste planeta. À sua natural deterioração, para o que necessita de certa manutenção que lhe conserte o contínuo transformismo, acrescenta-se o instinto de agressividade e o sistema de luta em que o homem vive para melhor destruir tudo. Nem o fruto de nosso trabalho é estabilizado e pacificamente nosso. Dele não resta senão o fato de que tê-lo realizado nos constrangeu a aprender. Esta é a única coisa que, fixan­do-se na personalidade como qualidade adquirida, resta do passado, isto é, ao lado dos escombros e ruínas, uma habilidade criadora sempre crescente. Ora, o que interessa é o que permanece em nós, não o que desaparece; o que transportamos conosco não é o que re­gressa ao depósito das coisas; é a lição aprendida, não o instrumen­to usado para aprendê-la. O progresso, de fato, não consiste em acumular os produtos do trabalho do passado, mas em aprender a arte de produzi-los sempre mais, melhores e com menor fadiga. Às vezes as obras do passado e os métodos usados para produzi-los representam até um obstáculo de que é útil libertar-nos. Aquilo de que verdadeiramente somos donos não são, portanto, as coisas, que, mais cedo ou mais tarde, acabam por cair na ruína, mas é a capa­cidade de saber construí-las. O progresso consiste não em reunir em posses, porém em apropriar-se de uma sempre mais rica e per­feita técnica produtiva que, utilizando os recursos do ambiente, su­pra o nosso consumo.

Então, a coisa mais produtiva de que nos tornamos donos é a técnica construtiva, isto é, um bem em movimento que se enxerta no transformismo universal, na corrente do qual nos coloca­mos. O domínio maior consiste em possuir as causas, que geram as coisas, mais do que estas, que delas são o efeito. E as causas estão dentro de nós. São as nossas habilidades. Assim, um rico pregui­çoso e inepto é mais necessitado do que um pobre ativo e inteligen­te, porque o primeiro acabará pobre e o segundo rico. Que se nas­ça para gozar, ou que se possa obter seja o que for não merecido, porque não ganho à sua custa, é algo em que só os primitivos po­dem crer. A vida, pelo contrário, é uma escola para os voluntario­sos, como pode ser uma penitenciária para os rebeldes, uma casa de correção onde a Lei de Deus ensina com os trabalhos forçados e o chicote.
Quem conceber a vida conforme esta ordem de idéias sa­be que a morte não lhe pode levar coisa alguma, se ele se en­riquecer de valores seguros, que são os inerentes à personalidade. Mas isso pode suceder apenas quando se compreender que o verda­deiro escopo da vida é construir-se a si próprio. Então, tanto mais se vale e se é poderoso, quanto mais se sabe e se é melhor, e não quanto mais se possui. Quando se soube viver, morre-se satisfeito levando consigo o fruto do próprio trabalho. Quando não se soube viver, morre-se tristemente com as mãos vazias, sem levar coisa al­guma consigo. Em cada vida se aprende mais e, quanto mais se aprende, tanto mais nos tornamos sabedores e potentes. Quando, no fim do caminho da vida, chega-se perante a morte, fazem-se as con­tas e se fecha o seu próprio balanço, tanto no ativo como no passi­vo. Se tivermos escolhido as coisas ilusórias, poucos serão os valo­res verdadeiros que ficarão conosco. Se nos tivermos dedicado aos tesouros da Terra, teremos de os restituir todos, inclusive o nosso corpo, que é parte do material vivo tido em usufruto para a dura­ção de nossa vida. Tanto maior será a ruptura e o engano quanto maior for o apego. Mas a dor dessa ruptura constituirá o ensinamento mais útil que trouxermos da posse das coisas da Terra, porque assim aprendemos a não nos ligar mais a elas e a libertar-nos da ilusão que elas representam.

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Caminhando, caminhando, chega-se ao fim da vida. Ela, então, fica pertencendo toda ao passado, onde permaneceu cristalizada. Doravante ela representa algo já realizado que não está mais em nosso poder. É que ela se encontra em nossas mãos enquanto necessitamos dela como instrumento de trabalho, fugindo-nos, uma vez terminada a construção. Incumbia-nos apenas atravessá-la pa­ra realizar algumas experiências e aprender algumas lições. A jor­nada terminou, aquela vida não é mais nossa. É nosso apenas aqui­lo que ela produziu. Agora já tudo foi feito e ficou para trás no nível das coisas passadas, de que nos restam nas mãos apenas os efeitos, semente que é fruto de nossa planta, a qual voltará a nas­cer para gerar novos efeitos na forma de outras plantas e frutos.

Àquilo que foi feito nem Deus pode mudar. É sua Lei que as conseqüências das nossas ações sejam fatalmente nossas. No final chega a hora em que  escolher e querer não valem mais. Já foi suficientemente selecionado e desejado em plena liberdade. A saída está fechada. Entra-se no domínio da Lei, na sua corrente e por ela se é arrastado conforme a posição em que nela nos coloca­mos e as reações que provocamos. O que constituiu livre escolha se torna de agora em diante fatal determinismo, que nos cairá nas cos­tas e nos ligará como destino em nova vida. Poderemos ainda, livre­mente, escolher, mas ficamos dominados pelos impulsos dos movi­mentos já iniciados no passado e que, por inércia, tendem a conti­nuar na sua direção.

Caminhando, caminhando, chega-se ao último ato. Apare­ce o extremo horizonte para além do qual cai o pano. Na velhice quem viveu apenas para o presente, na matéria, olha para trás com saudade, agarrando-se ao passado que lhe foge. Quem viveu em função do futuro, no espírito, olha para a frente cheio de esperança na direção de nova vida que o espera. O primeiro é verdadeira­mente velho, espírito e corpo O segundo é velho apenas no corpo, mas é jovem na alma. Para quem viveu preso à Terra, é o fim. Para quem viveu olhando para o alto, é o princípio.

Na corrente universal do transformismo evolutivo físico-di­nâmico-psíquico, a função da vida é mudar a energia em psiquis­mo. É assim que se nasce inexperiente, mas cheio de energias jo­vens, ansiosas de fazer experiências; e se morre cansado, porém pleno de conhecimento adquirido com aquelas experiências. Isto é o que cada um faz no seu nível: um trabalho de tipo mais elevado para o mais evoluído e de natureza mais baixa para o menos evoluí­do. Mas para todos a vida é escola de experiências. Este é o seu escopo, isto é, cada um realiza, à altura do seu plano evolutivo, um trecho do seu transformismo dinâmico-psíquico. De fato, na ve­lhice, executado o labor extrovertido da experimentação, o indiví­duo espontaneamente se prepara para aquilo que depois cumprirá ap6s a morte, ou seja, o trabalho introvertido de elaboração do material ingerido, para assimilar e com ele construir a própria personalida­de. Por isso, na velhice, não se traga novo alimento, rumina-se o velho, vivendo não de experiências, mas de recordações.

A juventude é a alvorada na qual se inicia a tarefa cheio de forças; a velhice é o ocaso da vida, quando se repousa, cansado. Na juventude encontramo-nos cheios de energia, com todo o serviço ainda para fazer. E temos necessidade das coisas materiais para fazê-lo; na velhice achamo-nos esgotados, mas com o trabalho fei­to. E precisamos das coisas espirituais para uma faina em sentido oposto em outro tipo de vida. Ao nascer estamos ricos de potencia­lidades, ansiosas de explodir no plano físico e pobres de conheci­mento e qualidades mentais em confronto com aquelas que adqui­rimos; na velhice somos mais ricos dessas virtudes, mas pobres de energia. Este princípio aplica-se igualmente para todos. Os fatos confirmam a nossa interpretação do escopo da vida. Ela manifesta-se como uma descarga dinâmica (atividade no plano físico) e uma recarga psíquica (aquisição de conhecimento). A vida no além de­verá ser o contrário, isto é, uma recarga dinâmica no repouso e uma descarga psíquica na meditação, no sentido de que o consciente se verá aliviado do material mental acumulado em vida, transmitindo-o ao subconsciente, depósito de experiências adquiridas. Acontece à guisa do estômago, que, com a digestão, enquanto se esvazia para enfrentar outra refeição, leva o organismo a assimilar o alimento, transformando-o em sangue.

Quanto mais o ser é involuído, tanto mais se sente vivo nos planos que se dirigem para o AS; e, quanto mais é evoluído, tanto mais se sente vivo nos estágios que caminham para o S. Pa­ra o primeiro a posição de encarnado na matéria aparece positiva e a de desencarnado, negativa. Para o segundo a situação de encarna­do é negativa e a de desencarnado, positiva. Assim para o encarna­do é vivo quem existe no seu plano físico e morto quem vive só como espírito; enquanto para o desencarnado é vivo quem existe como espírito e morto quem vive no ambiente físico. Isto será tan­to mais verdadeiro quanto mais o encarnado for involuído e quanto mais o desencarnado for evoluído. É por isso que a morte inspira tanto mais medo quanto mais se é involuído e tanto menos quanto mais se é evoluído. Isto também porque, quanto mais se é evoluí­do, tanto mais se é espiritualmente forte e, assim, tanto menos a morte é queda no inconsciente, o que significa perder consciência isto é, a sensação de viver. E, ao contrário, quanto mais se é invo­luído, tanto mais se é fraco espiritualmente.  Consequentemente, tanto mais a morte é queda no inconsciente, constituindo perda de consciência, ou seja, da sensação de viver. É assim que potenciali­zar-se espiritualmente, subindo em direção ao S, implica uma pro­gressiva vitória sobre a morte, no sentido de que ela perde o poder de nos mergulhar nas trevas do AS, tolhendo-nos a consciência e com isso a sensação de ficarmos vivos. Se a morte é potente ao má­ximo no pólo negativo do ser, no AS, o é a zero no pólo positivo, no S.
No momento da morte, não há mais nada a fazer senão abandonar-se no seio da lei de Deus, que sabe fazer e prover para que tudo seja feito em perfeita justiça. Não seremos defraudados de nenhum mérito. Tudo o que foi ganho nos será pago com exati­dão, em bem como em mal, em forma de alegria ou de dor. Desa­parecem, então, as distâncias, sempre mais débeis e longínquas, os juízos do mundo, os seus louvores e as suas condenações, que ou­trora pesavam tanto e que agora não valem nada. O que presentemente conta é apenas o juízo de Deus, com o qual nos encontramos, finalmente, sós. Todo o resto não nos serve, não nos interessa mais. Então, passa-se em revista o passado, que retorna perante a consciência, no fundo da qual está Deus, que fala e julga, porque a cen­telha originária que a criou no S se ofuscou, mas não se extinguiu com a queda no AS. Faz-se, então, a soma do dar e do haver pe­rante a Lei. Deste modo, cumpre-se espontâneo, automático e fatal o juízo de Deus por sobre todos os do mundo. Vê-se, então, afastar­-se e perder-se, a distância, a esfera da Terra com o seu formigueiro humano. Torna-se pequeno o que parecia tão grande e importante: as suas glórias, as suas riquezas, o seu poder, os seus tribunais! Pe­rante a eternidade, visto em função de outros pontos de referência, tudo adquire um valor diverso.

Caminhando, caminhando, também estou chegando ao fim do percurso terreno. A longa vivência está para terminar. O meu trabalho está feito. A Obra está chegando ao fim Cumpri a minha promessa e realizei a missão. Por mais de oitenta anos, até hoje, ti­ve de ficar imerso no pântano do mundo. Mas, finalmente, chegou a hora da libertação. Cada um andará pela sua estrada, conforme as suas obras. Os aproveitadores do ideal continuarão nas suas façanhas. Eu me retraio ao seio da fonte de pensamento que me ilu­minou por toda a vida. Cada um conforme o destino que desejou. Afasto-me sempre mais do mundo. Cada um pela sua estrada. A qualquer um deixo a Obra. Por isso foi feita a oferta. Fiz a minha parte. Cada um é responsável apenas pelas próprias ações.
A Obra é um plano de trabalho que pode ser usado como recurso para subir, ou como um ideal a explorar. No primeiro ca­so, será um precioso instrumento de evolução; no segundo, para quem quiser usá-lo emborcado, um perigoso meio de involução. Tudo na Terra pode ser usado em duas direções: ao positivo, ca­minhando para o S, como ao negativo, aproximando-se do AS. A Obra não é um cômodo ascensor para nos elevarmos sem esforço, mas é o traçado que mostra a escada que cada um tem de subir com as próprias pernas. Todas as tentativas de desfrutar a Obra pa­ra finalidades humanas recairão em cima de quem quiser fazê-lo, para seu dano. Isto já ocorreu e continuará a verificar-se. Com isso não se realiza senão o que a própria Obra explica quando demonstra o funcionamento da Lei. Quem quiser manejar esta Obra terá pri­meiro de a ler toda e a compreender, para não cair nos erros e da­nos de que ela própria nos adverte. Esta será uma conta dos con­tinuadores com Deus, na qual não entro. Cada um é livre, mas de­ve depois recolher conforme as suas ações. Será perigoso, como se costuma fazer com os ideais e como já foi tentado, emborcar para outras finalidades a função da Obra. Quantos já foram jogados ao chão ao longo do seu caminho! É perigoso ignorar e desafiar a po­tência invencível dos defensores das coisas do espírito.
A Obra está aí escrita. As pessoas têm quanto tempo qui­serem para compreendê-la. Isto já não é trabalho meu, o qual era apenas expor tudo para que pudesse ser compreendido. Tarefas e responsabilidades estão bem definidas. A cada um o seu. Eu vou­-me embora, com o meu esforço realizado, para recolher o fruto em outro lugar. Os outros ficam com o seu trabalho para fazer, se lhe quiserem recolher o resultado. No final se dividem os campos, e cada um permanece só diante da Lei, na posição que lhe compe­te. Os princípios expostos na Obra não são somente teorias. A Lei não pode ficar em vão e, também, neste caso, põe-se logo a funcio­nar. As minhas contas com Deus são coisa minha, e ninguém pode imiscuir-se; delas ninguém pode retirar nem acrescentar coisa algu­ma; bem assim as contas do mundo são com Deus e delas ninguém pode também subtrair ou adicionar nada. As contas do mundo são com Deus, não comigo, como as minhas não são com o mundo, mas apenas com Deus. O momento histórico é grave para todos, e cada um deve chamar a si as suas responsabilidades.

Nestes volumes conclusivos da Segunda Obra, falei tam­bém do Cristianismo, dos seus deveres e destinos, examinando as suas responsabilidades perante o problema moral e espiritual que o espera em nossa civilização ocidental. O primeiro impulso espon­tâneo de quem ama uma religião é defendê-la. E estranho, porém, como fui mal interpretado. Foi tomado por alguns como um assalto contra a religião aquilo que constituía uma defesa da mesma con­tra os falsos religiosos — e são tantos! — para que ela fosse levada a sério num momento tremendamente crítico, sobretudo para a cris­tandade, no qual se prestam as contas e, portanto, se devem pagar tantos erros e abusos acumulados no passado, dos quais ela é res­ponsável.

Em virtude deste mal-entendido, quem observar aonde fa­talmente conduz o desenvolvimento da trajetória deste fenômeno deve antes calar-se. E isto porque os bem pensantes, falsos crentes, cobertos de religiosidade e com isto persuadidos de terem sabido conciliar Cristo e Evangelho com as suas comodidades e negócios, não desejam ser perturbados  Eles sentem-se ofendidos por quem lhes parece ter a intenção de descobrir as suas mentiras para os de­nunciar, quando, na verdade, a preocupação é, apenas, a de sal­vá-los.

Que fazer então? Salvá-los não se pode: 1) porque não o querem e o impedem reagindo, como se se tratasse de resistir a um ofensor; 2) porque se trata de grandes fenômenos históricos sobre os quais um indivíduo isolado não representa nada; 3) porque a respeito deles não espera erigir-se em juiz e condenar, mas somente perdoar e tolerar; 4) porque incumbe só a Deus fazer justiça. Estas grandes responsabilidades não pertencem a quem não tem os corres­pondentes poderes e autoridade. O indivíduo não é obrigado a res­ponder além dos limites do seu caso e posição individual.
Conclui-se daí que assim ele está proibido de cumprir o de­ver de intervir, enquanto lhe é imposto o de abandonar os irmãos ao juízo de Deus e à reação de Sua Lei. Será esta uma dura fatali­dade imposta pela tremenda justiça daquela Lei? Dependerá isto do fato de que Deus não permite uma fácil e gratuita evasão das conseqüências merecidas, pelo que tudo deve ser pago por quem o me­receu? É assim que Deus torna os homens surdos aos conselhos com que desejaria salvá-los, de modo que, quando for chegada a hora do ajuste de contas, eles não possam fugir, não usufruindo de aju­da alguma.

A minha posição, então, é respeitar, calar, deixar os res­ponsáveis entregues ao seu destino, permanecendo imparcial, antes benévolo espectador, mas separado da responsabilidade deles. Da­do que avisar pode ser mal interpretado, devo, sem me envolver, ficar só a olhar como Deus disporá as coisas, como acontece com a dura lição da dor. É triste não poder gritar que a casa está pegan­do fogo, para salvar quem lá habita. Mas, em consciência, não se pode fazer de outra maneira. Portanto, constitui dever o mais com­pleto respeito pela liberdade de escolha do próximo.

De minha parte a Obra foi feita e oferecida. O que res­tar ficará para os outros. O trabalho de a compilar foi executado nas mais difíceis condições, porque a Terra não é lugar para con­templações idealistas e realizações evangélicas. Aqui domina a lei da luta pela vida. O mundo é um campo de batalha, onde para sobre­viver se torna indispensável possuir uma forma mental adequada completamente diversa da que é necessária para saber executar um trabalho espiritual. Quem é feito para este trabalho deve adaptar-se a viver em tal ambiente, que não o poupará por isso. O homem votado às coisas do espírito, se quiser sobreviver, deve entrar em guerra e fazê-la como todos, porque, se ele se distrair olhando para o céu, o mundo aproveitará para devorá-lo. Eis o que espera quem se perde na visão dos grandes problemas e esquece a realidade tor­turante de cada dia. Esta exige capacidade de assalto e defesa, muito mais do que qualidades intelectuais e morais.
É lógico que tudo seja assim. Na Terra são negativas as virtudes evangélicas, que, num plano superior de organicidade, são positivas, enquanto são negativas neste último nível as qualidades do animal lutador e egoísta, as quais, neste mundo, são positivas. Isto porque o nosso planeta ainda gravita, em grande parte, em di­reção ao AS, baseando-se, portanto, em princípios e métodos invo­luídos deste, em vez de se fundamentar nos mais evoluídos do S. Assim, para viver no ambiente terrestre, está mais adaptado o invo­luído egoísta e lutador do que o evoluído altruísta e pacífico.
A Obra foi escrita no meio dessa tempestade, aproveitan­do os momentos de trégua em que ela afrouxava para golpear nou­tro lugar, mas sempre vivendo em estado de tensão. Isto implicava um desperdício de energias, subtraído à produção. Que rendimento maior não teria sido, se tivesse trabalhado num ambiente de tranqüilidade, como seria necessário para poder pensar! Talvez o fato mais prodigioso fosse que a composição da Obra pudesse ter sido le­vada a cabo em tais condições. Daí se pode ver em que dificuldades deve encontrar-se submergido na Terra quem luta pelas coisas do espírito, e como é justificada a sua alegria ao avizinhar-se a hora da libertação. É lógico e biologicamente justo o sistema da luta pela vi­da, como sucede no plano humano, por um biótipo que deve reali­zar a seleção do mais forte ou astuto, porque esta, no seu nível, é a forma de evolução proporcionada que ele deve executar. Mas é absurdo tal sistema contraproducente, já que paralisa o trabalho de quem quer realizar uma tarefa de outro tipo, porque lhe é mais adaptada.

Todavia, quase como conforto em hora de desalento, che­ga-me, enquanto escrevo esta página, uma carta de uma pessoa capaz de julgar[1], e emite o seu julgamento sobre o primeiro volume da Obra, A Grande Síntese, do seguinte modo: "Ao finalizar a leitura desta Obra (A Grande Síntese), temos a impressão de haver ressurgido, no século XX, um dos grandes profetas bíblicos. Igualá-la é difí­cil. Superá-la, impossível.  Negá-la, absurdo.  Discuti-la, loucura. Mas aceitá-la e senti-la são a prova de que em nós há uma centelha da divindade. Merece realmente ser encadernada no mesmo volu­me que o Novo Testamento, como coroamento das obras dos gran­des e primeiros apóstolos. A força e a segurança fazem desta Gran­de Síntese uma continuação natural das Epístolas e do Apocalipse, nada ficando a dever a eles (....). Quanto à confirmação de sua Obra, a cada dia que passa sinto que cresce em todos os pormenores. Re­almente a sua Obra é toda inspirada na espiritualidade maior, fil­trando com fidelidade o pensamento crístico, que constitui a noos­fera mais elevada do nosso planeta".
Permanece, no entanto, o fato de que a diminuição de pro­dução representa um dano ao interesse coletivo, que assim obtém uma produção útil menor.  O indivíduo  que executa o trabalho, porque tem de realizá-lo em condições tão adversas, devendo ven­cer dificuldades, fortifica-se espiritualmente, o que o torna mais apto a ascender. No final da vida, termina-se a partida, e a Lei se apossa de nosso destino qual o quisemos construir. Então, já não podemos funcionar como causa determinante de acontecimentos. Devemos antes, fatalmente, continuar como conseqüência de nosso passado. Termina a hora da livre experimentação, uma vez que está exaurido o seu escopo. O passado retorna a nós, vivo, gigante, mas agora já imobilizado na forma em que foi vivido, e nele fica­mos suspensos como se estivéssemos fora do ciclo da transforma­ção. Parece que o tempo tenha parado, porque não sabe criar mais nada de novo. Inclinamo-nos sobre o passado, e ele agora pleno de outros significados recônditos, antes não suspeitados, enche a  nossa vida. Vivemo-lo de novo, mas agora interiormente; não mais nas vicissitudes materiais, mas no seu significado; não mais como conquista terrena que já não nos interessa, porém como construção de personalidade.  A vida assume, então, outro sentido. Fazem-se as contas do que realmente produziu o tanto que se correu. E, se não derivaram valores construtivos em sentido evolutivo, mas somente sucessos terrenos, que agora são abandonados, não resta ou­tra coisa senão um vazio e o sentido da inutilidade de tanta fadiga. A vida só será plena e bela no seu final, se a tivermos enchido de valores substanciais, os que servem para evoluir. E será oca e tris­te, se a tivermos recheado de falsos valores de tipo AS, que ser­vem para descer involutivamente. No primeiro caso, sentimos que nos dirigimos para a luz, no segundo, que caminhamos para as trevas.

No fim eis-me sozinho perante a Lei. Refugio-me nos bra­ço S de sua justiça. Através de toda a Obra observei o funcionamen­to dessa Lei. Sinto-a operar à minha volta, dentro de mim. Ela me expressa o pensamento e a vontade de Deus. Estou imerso ple­namente nesta atmosfera feita de vida, da qual se alimenta o res­piro do universo. Os sentidos físicos se extinguem, fecham-se as por­tas que eles abriam para o exterior, rompem-se os contatos com o mundo da matéria, e eu continuo a sentir e a pensar. O cérebro envelhece e desaparece. Eu fico. O corpo morre. Eu vivo. A mi­nha vida se desloca do plano físico ao espiritual e se concentra na sua parte mais alta, que não morre. O meu ser se enfraquece em um nível e se fortalece em outro, no qual sobrevivo. Quanto mais o corpo definha, tanto mais me fortaleço no espírito. Morro de um lado para ressuscitar do outro. Tenho a sensação de morrer só na parte inferior de mim mesmo. E uma separação que não dá nenhu­ma sensação de perda, porque vale mais a parte que se adquire. Como é belo morrer quando se viveu assim! Fica-se na parte mais profunda e vital do próprio ser!

Ao concluir o meu ciclo terrestre, depois de tanto pensar e escrever para executar o trabalho que me tinha sido confiado, vol­ta a amiga voz interior, que agora já bem conheço, a fazer-se dire­tamente sentir como no início da Obra. Sinto esta voz emergir da profundidade da alma e dizer-me: "Permanece calmo. Sabe que eu sou Deus. Sou Deus dentro de ti, como dentro de todos e de todas as coisas. Quem segue a Lei não tem nada a temer. Confia no meu poder. Seja qual for o assalto do mal, Eu tenho o poder de salvar-te
Pergunto o que essas palavras significam e como aquilo que elas dizem seja possível. E ouço a explicação. A universo está em evolução, o que dá a entender que ele não é perfeito e que se move em busca de perfeição. A meta é Deus, no centro do S; a evolução é o caminho do retorno, depois de ter havido o afasta­mento. A imperfeição é o estado de ruína devido à queda; a evo­lução é o trabalho de reconstrução da perfeição perdida. O homem encontra-se situado na periferia do S; poder-se-ia dizer no seu ex­terior, isto é, na matéria ou forma que envolve o espírito, no plano da ilusão sensória. Várias são as imagens com que se pode expres­sar esta idéia. Tal periferia, que é o AS, é feita de caos, mas, no interior, no centro, no S, ficou a ordem, íntegra, indestrutível. O homem encontra-se do lado do caos, mas dentro deste existe aquela ordem que o rege e lhe guia os movimentos, dirigindo-os para a re­construção da mesma. É por este fato que o caos, embora feito de negatividade — e, naturalmente, por isso não poderia conduzir se­não à autodestruição — é animado, contra a sua vontade, de um impulso de positividade que o leva por fim a reconstruir-se na or­dem. Esta é a razão pela qual o mal, nascido como contradição, porque representa o emborcamento do bem no AS, é constrangido a continuar sempre a seguir este tipo de trajetória, isto é, a contra­dizer-se, pelo que no fim acaba por um instrumento de bem nas mãos de Deus. É evidente que, mesmo assumindo uma posição em­borcada da revolta, ninguém pode fugir ao poder de Deus, centro e origem de tudo. Deste ponto, que permaneceu vivo e ativo tam­bém no mais íntimo do AS, deriva o impulso da evolução que leva todos a ascender.

O AS não está só. Dentro da sua casca podre reside uma alma sã e potente que o sustenta e o guia para a salvação. Ele não é senão um membro corrompido de um grande organismo que per­maneceu sadio, o S, que continua a irradiar saúde para a parte do­ente, a fim de curá-la. O AS não se separou de Deus, fonte primei­ra do existir. Os raios divinos chegam também aonde a criatura quis colocar-se em posição emborcada. E tudo o que existe os re­cebe. A grande consolação do indivíduo condenado ao retrocesso espiritual, com ter de se encarnar no ambiente terrestre, é reencon­trar esta íntima ligação sua com Deus, é rever na profundidade das trevas do AS um raio da luz divina, é ouvir a voz de Deus e sentir a Sua presença.
Vão-se embora as formas instáveis, ultrapassadas pela cor­rente do transformismo batido pelo ritmo do tempo, acossadas pelo contínuo movimento do relativo, à volta do absoluto, eterno, imó­vel. A evolução não avança ao acaso. Dirige-lhe o desenvolvimen­to, regendo-a interiormente, o pensamento de Deus, fio condutor do transformismo, ao qual é dado um desenrolar-se lógico desde um ponto de partida até outro de chegada. É feliz, mesmo que esteja mergulhado na profundidade dolorosa da vida terrena, quem com­preendeu que um Pai celeste nos espera no final do longo calvário da evolução redentora. É feliz quem sabe vê-lo vir ao nosso encon­tro com os braços abertos, incitando-nos a ascender, para reencon­trar Nele a felicidade.
"Eu sou apenas uma gota num oceano e, por isso, não sou nada no oceano; no entanto, faço parte dele e, por esse moti­vo, sou um seu elemento constitutivo; eis de que maneira sou ocea­no". Isto é o que cada um de nós pode dizer, aquilo que somos perante Deus. Mas não basta sê-lo. O problema é sabê-lo e senti-lo. Ora, se Deus está dentro de tudo o que existe, sem o que ne­nhuma coisa poderia existir, Ele lá está de modo tanto mais eviden­te e perceptível, quanto mais o ser é espiritualmente evoluído, isto e, no regresso, que lhe é mais vizinho, libertando-se dos invólucros obscurecedores, produto da involução. Eis que a fundamental uni­dade da natureza entre criatura e criador é diversamente sentida por aquela, conforme o grau de evolução alcançado. É indiscutível que esta unidade existe e constitua uma qualidade indestrutível que ficou escondida no mais profundo do ser, capaz de resistir a qual­quer erro ou revolta deste. Ela era indispensável para que se pu­desse cumprir o ato da criação, com a qual Deus gerou a criatura extraindo-a de Si próprio, isto é, da Sua própria substância, dado que de outra maneira não podia fazer, porque Ele era tudo. É assim que o evoluído, espiritualizado, às vezes pode encontrar na profun­didade de si mesmo, emergindo do inconsciente em que ficou se­pultado, um eco daquele pensamento divino originário de que de­rivou a sua existência. O fato dele não ser percebido é devido à surdez do ser, por motivo da involução e não porque a voz de Deus silencie. A involução podia mudar o que pertencia ao ser rebelde, mas não aquilo que é de Deus.

Ora, dado que tal é a estrutura do fenômeno, é evidente que ele não pode ser senão de tipo introspectivo. Eis que só podemos encontrar Deus dentro de nós, e isto em proporção ao grau de espiritualização atingido. A sensação da presença e do pensamento de Deus, centro de todas as coisas, encontra-se interiormente, na alma, na raiz do nosso ser, e não exteriormente, por meio dos sen­tidos. Trata-se de escavar nos estratos mais profundos do ser, onde deve ter ficado qualquer recordação das primeiras origens. Do con­trário, não se explicaria como seres provenientes dos planos baixos do AS, onde não se conhece senão morte e dor, procurassem com tanta paixão a felicidade, que, de outra maneira, dever-lhes-ia ser desconhecida. Tal impulso proveniente das profundidades do in­consciente prova que ele se recorda e faz presumir que se trata de coisa conhecida. Então, que se faça uma pesquisa profunda dentro de si mesmo, mas não no inconsciente inferior ou subconsciente, que contém os produtos dos mais baixos planos evolutivos em dire­ção ao AS, percorridos no retorno, porém além deles e mais em profundidade, isto é, no inconsciente superior ou superconsciente. Isto no sentido de ali procurar as bem longínquas reminiscências de outro tipo de existência no altíssimo nível evolutivo do S, as que este tenta fazer reaparecer em forma de pressentimento do maior fu­turo que nos espera. Religião e espiritualidade vêm a ser, então, um ato de profunda auto-análise psicológica que investe sobretudo no superconsciente. Assim, elas significam um trabalho de alta inte­lectualidade, e é neste sentido que aqui as apresentamos. Elas as­sumem um caráter mais racional e positivo, o que as torna mais acessíveis e aceitáveis pela ciência.

Quanto mais o ser evolui, tanto mais ele reencontra estas realidades profundas e se liberta das ilusórias do mundo. O ser hu­mano é uma reprodução em escala microcósmica do grande mode­lo macrocósmico do organismo universal. O nosso espírito eterno está dentro de nosso corpo sujeito a contínuo metabolismo, como o S é imutável no íntimo do AS, submetido a transformismo constante. Depois destas explicações podemos compreender o significado daquelas palavras: "Sabe que Eu sou Deus. Sou Deus dentro de ti". E "permanece calmo" quer dizer: faze silêncio, porque a voz interior é sutil e difícil de ouvir. Isola-te, portanto, dos rumores do mundo que te percutem do exterior e aguça o ouvido para ouvir esta outra voz. O homem ainda ignora o universo interior, que é tão vasto quanto o exterior, do qual não conhece os confins.
Há outro fato que justifica e confirma aquelas palavras. E que São Paulo - Primeira Carta aos Coríntios, 3-16 - diz: "Não sabeis vós que sois o templo de Deus e que o Espírito Santo habita em vós? E (id. 6-19): "Não sabeis vós que o vosso corpo é o tem­plo do Espírito Santo que está em vós (. . . .)?" São Lucas, no seu Evangelho, acrescenta (17-21): "O reino de Deus está dentro de vós". Então, se esta é a realidade, como impedir que ela às vezes aflore e que alguém se dê conta da sua existência?

Perguntamo-nos se tudo isso pode ser entendido como o desejo de tomar uma atitude orgulhosa de superioridade. É certo que, neste caso, se trata de um crescimento, que, naturalmente, não pode deixar de abrir uma distância. Mas é um crescimento positi­vo de tipo S, portanto não simulado, egoísta, separatista, ou seja, antivital para os outros, mas verdadeiro, generoso, unitário, isto é, vital para todos, porque implica um amplexo para elevar juntamen­te consigo os próprios semelhantes. De tal crescimento a sociedade não poderá sentir senão vantagem  A humanidade, toda inclinada para conquistas do mundo exterior, tem necessidade de quem se de­dique à obtenção dos ilimitados continentes do espírito. O ateísmo é simples miopia mental. As construções mitológicas das religiões ameaçam não se manterem mais. Para que elas possam sobreviver é necessário saber ver com outra mente as profundas verdades que elas contêm.

         O homem, como qualquer molécula do todo, traz dentro de si, impressos na sua própria natureza, os sinais do todo, isto é, a sua estrutura bipolar. Sabemos que o dualismo, que está na ba­se da estrutura de nosso universo, é derivado da revolta que despe­daçou em duas a originária unidade do S. Porque o homem se en­contra em um todo bipolar, ele pode avançar por evolução e retro­ceder por involução; elevando-se espiritualmente, pode projetar-se em direção ao S, como, seguindo os seus baixos instintos, inclinar-se para o AS. A função da evolução é justamente levar da cisão dua­lista à unificação de tudo em Deus, através de progressiva reaproxi­mação que tende a encurtar as distâncias entre criatura e criador. E, quanto mais elas diminuem, tanto mais se podem ouvir e com­preender aquelas palavras: "Sabe que eu sou Deus. Sou Deus den­tro de ti". A altura da evolução não é espacial. O alto é o anjo, o baixo é a besta. A ascensão se realiza transformando neste sentido a própria personalidade.

Na Terra vemos os dois pólos flanqueados em expressões paralelas. Nos velhos castelos e cidades as duas realidades encon­travam-se vizinhas. Havia as muralhas, os fossos para se defende­rem e fazer a guerra e a Igreja para falar com Deus. Em escala maior, temos o Estado e a Igreja, o primeiro representando a Terra, isto é, a realidade da vida, a segunda simbolizando o Céu, ou seja, o ideal. Estes são os dois pólos que, coexistindo no mesmo terreno, disputam entre si o homem.

As formas da conduta do idealista perante o mundo po­dem resumir-se em três fases: 

1) a do jovem que, cheio de fé e de entusiasmo, crê sinceramente nas belas coisas que lhe ensinam; 

2) a do homem que, colocado em contato com a realidade, descobre como, nos fatos, o mundo está longe dos princípios ideais que pro­clama, escandalizando-se, portanto, e reclamando contra a mentira, para que os princípios sejam vividos a sério;

 3) aquela em que se compreende a inutilidade dessa boa vontade e desse esforço hones­to que o mundo considera como agressividade e contra a qual rea­ge, porque os acomodados não querem ser perturbados. Assim, re­solve-se aquela boa vontade recaindo na luta geral pela vida. En­tão, o homem honesto termina separando-se do mundo, do destino deste e cuida de se pôr no seu caminho para ir viver em ambientes superiores, longe da Terra.
Quando se chegou a esta fase final, não se perde mais tempo em fazer o trabalho negativo de condenar o mundo, tanto mais que, se se devesse fazer o livro das acusações, não bastaria um milhão de páginas. Trabalha-se em outro sentido, para se despren­der de baixo, afastando-se da Terra. No final da vida, isto é lícito, quando o trabalho a executar foi devidamente cumprido. A liber­tação está na superação. Quanto mais se estiver vizinho do S, tanto mais se tem a sensação com segurança de ser indestrutível e impossível uma anulação. A imortalidade com a evolução não pode levar senão para uma maior felicidade. Que se pode desejar mais? Ape­nas por ignorância de primitivo pode-se acreditar que cair na in­consciência seja tombar no vazio, só porque ele é nada como sen­sação de vida. Isto é natural para quem confunde o existir com a percepção do existir, erro em que caem os extrovertidos, que vivem da vida dos sentidos. Para eles a inconsciência é o nada. Mas não há razão para que o existir não deva ser sujeito ao dualismo, em que tudo se encontra cindido em nosso universo. É assim que esse existir pode oscilar do estado de consciente ao de inconsciente e ao contrário, dado que estes são os seus dois pólos: positivo e negati­vo. E absurdo admitir, porque um fato ou fenômeno entra na sua fase negativa, que ele deva cessar de existir. Evidentemente, trata­-se de um erro de percepção, que a lógica descobre e elimina.

Com este conhecimento do fenômeno vou ao encontro da morte. Não se trata de fé ou de esperança, mas de convicção racio­nal e de segurança positiva. A voz de tudo isso que existe me grita que nada pode ser anulado como verdadeira morte. Vejo-a, assim, avizinhar-se para me abrir as portas de uma vida maior. Não a sin­to como negação, porém como uma mais potente afirmação. O seu verdadeiro conteúdo é: libertação.  Restituirá à Terra tudo aquilo que ela me deu, inclusive o meu corpo dentro do qual fiz tão lon­ga viagem. O que pertence à Terra é justo que fique aí. Mas o que pensei, desejei e fiz neste trajeto é meu e o levo comigo. Como o avizinhar-se da hora suprema, aproxima-se sempre mais a figura de Cristo, que me sustentou neste longo esforço. Sei que o verei na hora da morte, ao cumprir a minha missão, chancela final do meu trabalho, para tudo confiar nas Suas mãos. Ele apareceu no come­ço desta Obra. Reaparecerá no fim. Com Cristo se iniciou a nar­ração deste volume e com Ele se fechará.

Há pouco falei de Deus, agora falo de Cristo. Poderiam perguntar-me como entendo estes dois conceitos e que relação vejo entre os dois, se distantes ou unificados, isto é, se creio em Cristo só como homem, ou em Cristo-Deus. Não tenho dúvida alguma so­bre a divindade de Cristo, fato lógico, racionalmente sustentável quando seja entendido no seu justo significado. Perante o homem, Cristo e Deus representam a mesma meta a alcançar, a mesma direção do caminho evolutivo, o mesmo ponto final deste com a solução do ciclo involutivo-evolutivo, o S. Neste sentido unifico os dois conceitos de Cristo e Deus. Mas os distingo enquanto entendo Deus como o Pai, o Criador, que permaneceu no centro do S, e Cristo como seu derivado, como diz a própria palavra filho, a saber, a criatura que aquele Criador gerou. Mas o unifica de novo o fato de que o Filho é constituído da mesma substância do Pai, de modo que Cristo é também Deus.

Ora, se Cristo é o Filho, o fruto da criação do Pai, o con­ceito de Cristo coincide com o de S, porque a criação do primeiro volta a entrar na do segundo. O nosso universo é tão imperfeito que seria loucura acreditar que ele tivesse saído das mãos de Deus como Sua obra direta. Assim, a primeira criação foi espiritual e per­feita, como é Deus, feita de puros espíritos extraídos exclusivamen­te da Sua substância, porque, além do Todo-Deus, nada podia exis­tir. Deste modo, nasce a terceira pessoa da Trindade, o Filho ou S, sendo a primeira o Espírito ou pensamento, a segunda o Pai ou ação, a terceira o Filho ou a obra realizada. Eis que, na lógica da estrutura da Trindade e do processo criativo, Cristo não pode estar situado senão no S. O resultado da criação foi um só, que se pode chamar Filho, Cristo, Sistema.

Tudo isso é Deus, porque construído com a divina subs­tância do Criador e dela é constituído. O S representa a substância do Pai, transformando-se, com a criação do indiferenciado, em or­ganismo ou unidade coletiva, composta de muitos elementos, que formam aquele organismo, o S, do qual o Pai ficou como centro, co­mo o nosso espírito está no cerne de nosso organismo. Se se pudes­se fazer uma comparação demasiado grosseira, poder-se-ia dizer que, na encarnação de Cristo na Terra, sucedeu como se Deus tivesse deixado que uma célula do Seu corpo se destacasse Dele para fun­dir-se com a nossa carne e, assim, agir em nosso mundo.
Aqui desponta outra diferença. Enquanto os elementos do S, incluindo Cristo, que ficaram isentos da revolta e da queda, per­maneceram na sua pureza originária, as criaturas de nosso universo caíram no pólo oposto e se corromperam no AS. Eis o que nos dis­tingue e nos separa de Cristo. Ele permaneceu verdadeiramente Deus, porque a substância do Pai que o constitui ficou íntegra co­mo no momento da criação, idêntica àquela da qual derivou. É assim para os outros elementos do S. Também as referidas cria­turas decaídas tiveram a mesma origem e foram feitas da mesma substância; esta, no entanto, ofuscou-se com a queda, e a divina centelha se aprisionou no ciclo involutivo-evolutivo, no processo do transformismo necessário para retornar purificada ao S.
Não obstante esta imensa distância que nos separa de Cristo, a que vai do S ao AS, há um fato que nos avizinha Dele: todas as criaturas, mesmo as decaídas, são filhas de Deus. Esta qua­lidade de origem não se pode cancelar. Então, se o ponto de par­tida do nascimento é igual para todos, na base da existência de to­dos os seres há uma fraternidade universal que liga em parentesco, como dentro de uma mesma família, as criaturas do S às do AS. Eis o fato que nos aproxima de Cristo. Assim, temos de um lado, no S, as criaturas sem mácula, que ficaram unidas a Deus, e, do outro, em nosso universo, ou AS, as criaturas culpadas e decaídas, separadas de Deus. Porém todas as criaturas saíram da mesma cria­ção, ainda que se depois, num segundo tempo, tenha surgido a ci­são entre as que permaneceram com Deus e as que se afastaram Dele.

Os cidadãos do S são, no fundo, irmãos dos do AS. Tam­bém Cristo é nosso irmão. É esta fraternidade que nos explica o que provocou e como foi possível a aproximação Cristo-humanida­de. Foi assim que a presença ou imanência de Deus se pôde reali­zar de modo tangível em nosso mundo, como a descida no AS de um dos irmãos não decaídos. A sua função ou missão, como no caso de Cristo, consiste em descer nas várias humanidades dos decaídos, cada vez para um tipo diverso de trabalho, como seja de poder, de inteligência ou de amor, mas sempre para funcionar como ponte entre as criaturas decaídas e o Pai, mantendo, assim, o con­tato sensível e incitando à solução do separatismo com o regresso do S, através da evolução redentora. Eis como entendo o Cristo, co­mo um grande irmão que nos salva, fazendo-nos voltar a subir ao S e reconduzindo-nos a Deus.
Falei de diversos tipos de trabalho. Isto é possível, por­que, sendo o S um organismo, ele resulta composto de elementos especializados em várias funções complementares, integrando-se re­ciprocamente. É assim que, através das diversas criaturas do S, Deus pode realizar-se assumindo inúmeras formas de manifestação, nas diversas humanidades dos decaídos, empenhado com a evolu­ção no caminho do retorno ao S. Para mim Cristo representa o ser ideal, o modelo que a evolução me apresenta e propõe que se realize no retorno ao S. Poderei dizer: é o meu tipo, como para outros indivíduos existem outros padrões, adaptados cada um ao próprio temperamento e especialização pessoal. Estes modelos não são abs­trações fora da realidade. São criaturas de Deus que existem de ver­dade, mesmo que apenas espiritualmente, e são cidadãos do S.
O impulso evolutivo em direção ao S leva o indivíduo a avizinhar-se sempre mais do seu próprio paradigma. Isto até porque a evolução é um processo de unificação. A vida maior que nos es­pera não é mais a do eu separado, mas a do eu unificado. Trans­forma-se, então, a visão da vida e se opera como uma transfigura­ção. A medida fechada de nosso pequeno eu, para nós tão grande,. dentro da qual vivemos, torna-se um tipo de existência restrita, co­mo se fora um cárcere, isolada do pulsar imenso da vida toda do organismo universal. Quanto mais se evolui, tanto mais se sente que todos os seres são verdadeiramente irmãos. Em nosso baixo nível, as outras formas de vida são nossas inimigas, porque estamos do lado do AS, onde domina o egoísmo que divide e a luta entre rivais. Mas, em plano evolutivo mais alto, em direção ao S, prevalece a unificação, pelo que aquelas outras formas de vida são nossas amigas e nos ajudam a viver. E, quanto mais se sobe, no sentido da amplitude desta união em amor recíproco, tanto maior e mais bela se faz a vida. Quando se é lançado nesta direção, a mor­te vem a ser libertação do estágio inferior da vida terrena, de tipo antiunitário, libertação de uma existência de prisioneiros do sepa­ratismo. Entra-se, então, na vida maior que se espraia no Amor universal. Esta não é mais um viver como fragmento da humani­dade despedaçada, mas representa o existir unificado como elemen­tos conscientes da organicidade do todo.



[1] Prof. Carlos Torres Pastorino, diplomado em Filosofia e Teo­logia pelo Colégio Internacional S. A, M. Zaccaria, em Roma; pro­fessor titular de Latim e Grego da Universidade Federal de Brasí­lia. (N. do A.).