domingo, 14 de março de 2021

A INDULGÊNCIA


Hoje, para reflexão, venho trazer uma  mensagem de um desencarnado, o Espírito  João, que foi Bispo em Bordéus. É uma mensagem datada de 1862 e que foi inserida por Kardec no item 17 do Capítulo X do Evangelho Segundo o Espiritismo. 


 17. Sede indulgentes com as faltas alheias, quaisquer que elas sejam; não julgueis com severidade senão as vossas próprias ações e o Senhor usará de indulgência para convosco, como de indulgência houverdes usado para com os outros.

Sustentai os fortes: animai-os à perseverança.

Fortalecei os fracos, mostrando-lhes a bondade de Deus, que leva em conta o menor arrependimento; mostrai a todos o anjo da penitência estendendo suas brancas asas sobre as faltas dos humanos e velando-as assim aos olhares daquele que não pode tolerar o que é impuro. 

Compreendei todos a misericórdia infinita de vosso Pai e não esqueçais nunca de lhe dizer, pelos pensamentos, mas, sobretudo, pelos atos:

“Perdoai as nossas ofensas, como perdoamos aos que nos hão ofendido.” 

Compreendei bem o valor destas sublimes palavras, nas quais não somente a letra é admirável, mas 
principalmente o ensino que ela veste.

Que é o que pedis ao Senhor, quando implorais para
vós o seu perdão? 

Será unicamente o olvido das vossas ofensas? Olvido que vos deixaria no nada, porquanto, se Deus se limitasse a esquecer as vossas faltas, Ele não puniria, é exato, mas tampouco recompensaria. 

A recompensa não pode constituir prêmio do bem que não foi feito, nem, ainda menos, do mal que se haja praticado, embora esse mal fosse esquecido.

Pedindo-lhe que perdoe os vossos desvios, o que lhe pedis é o favor de suas graças, para não reincidirdes neles, é a força de que necessitais para enveredar por outras sendas, as da submissão e do amor, nas quais podereis juntar ao arrependimento a reparação.

Quando perdoardes aos vossos irmãos, não vos contenteis com o estender o véu do esquecimento sobre suas faltas, porquanto, as mais das vezes, muito transparente é esse véu para os olhares vossos.

Levai-lhes simultaneamente, com o perdão, o amor; fazei por eles o que pediríeis fizesse o vosso Pai celestial por vós. Substituí a cólera que conspurca, pelo amor que purifica. 
Pregai, exemplificando, essa caridade ativa, infatigável, que Jesus vos ensinou;  pregai-a, como ele o fez durante todo o tempo em que esteve na Terra, visível aos olhos corporais e como ainda a prega incessantemente, desde que se tornou visível tão-somente aos olhos do Espírito.

Segui esse modelo divino; caminhai  em suas pegadas; elas vos conduzirão ao refúgio onde  encontrareis o repouso após a luta. Como ele, carregai todos vós as vossas cruzes e subi penosamente, mas com coragem, o vosso calvário, em cujo cimo está a glorificação.
– João, bispo de Bordéus. (1862.)




1936 Primeira Visita de Chico Xavier ao Grupo Ismael

 

Primeira Visita de Chico Xavier

ao Grupo Ismael


Foi a 7 de junho de 1936 que o médium Francisco Cândido Xavier veio, pela primeira vez, ao Rio de Janeiro, a serviço da Repartição de Pedro Leopoldo, onde trabalhava.


Aqui chegando, foi recebido por Manuel Quintão, que o levou a ver as belezas naturais da terra carioca, o mar principalmente, que o médium sempre sonhara em ver, frente a frente.

Solucionados os problemas da Repartição, e após outros passeios pela cidade maravilhosa e visitas a pessoas de suas relações, Chico Xavier compareceu, na quarta-feira, ao Grupo Ismael, célula-máter da FEB.


Antes, porém, o Diário da Noite descobre que o médium se achava hospedado na casa do Quintão. O repórter do conhecido jornal carioca invade o “esconderijo” e obtém, após séria resistência, uma reportagem com o médium, boa no todo, apesar de algumas omissões e cincas do repórter. Fez o mesmo, a seguir, o jornal Pátria.


À noite, no Grupo Ismael, Chico Xavier psicografou sucessivamente sonetos de Cruz e Souza, Auta de Souza e Hermes Fontes, bem como excelente página doutrinária, em prosa, do Espírito Bittencourt Sampaio.


Na quinta-feira, em casa de Quintão, onde Chico Xavier já havia recebido espontaneamente a significativa crônica – “A Casa de Ismael”, do Espírito Humberto de Campos, escrito que na ocasião foi estampado nos jornais acima citados e que se acha publicado no livro Crônicas de Além-Túmulo –, realizou-se uma sessão íntima, na qual, por intermédio

do jovem de Pedro Leopoldo, uma filha de Quintão, desencarnada, se identificou nos mais mínimos detalhes, só conhecidos dos membros da família, trazendo a todos a inabalável certeza de sua presença.


Sexta-feira, Chico Xavier passou o dia a passear e a visitar alguns confrades, e, à noite, participou da reunião pública da Federação Espírita Brasileira, em sua sede à Avenida Passos.

Perante um milhar de assistentes, o médium recebeu o soneto

Templo da paz”, do Espírito João de Deus, e, logo a seguir, a magistral mensagem de Emmanuel intitulada – “Pela Revivescência do Cristianismo”, incluída, posteriormente, no livro – Emmanuel.

No dia imediato, Chico Xavier se despedia, na antiga gare Pedro II, dos diretores da Federação, levando os abraços e os votos de felicidades da família espírita carioca.

Em complemento a essa súmula recordativa da primeira visita de Francisco Cândido Xavier ao Rio de Janeiro, inserimos, em seguida, a mensagem de Bittencourt Sampaio, a que acima nos referimos [...]:


Meus amigos.

Glória a Deus nas alturas e paz na Terra aos homens de boa vontade. Meu coração se afoga subitamente no pranto, lembrando-me de que todos nos poderíamos encontrar no divino banquete. O mundo, porém, atraiu grande parte dos nossos companheiros com as seduções de seus

efêmeros prazeres. Entretanto, os baluartes do templo de Ismael permanecem inabaláveis, edificados na rocha das grandes e consoladoras verdades do Evangelho de Jesus.

Minha voz, amigos, é hoje mais familiar e mais íntima. Substituindo, no momento, aquele cuja tarefa vem sendo penosamente cumprida, está o nosso irmão Xavier, para vos transmitir a minha palavra de companheiro e de amigo. Não me dirijo a vós senão para vos falar ao coração,

muitas vezes despedaçado, ao longo do caminho, pelas perfídias atrozes de todos aqueles que concentram suas energias no ataque ao instituto do Bem, à palavra do Evangelho e ao estatuto da Verdade.

Mas, filhos, se o espaço que vos é vizinho está cheio de organizações poderosas do mal, objetivando a destruição da obra comum, há uma esfera divina, de onde partem os alvitres valiosos, a inspiração providencial, para quantos aqui mourejam com o propósito de bem servirem à

causa da luz e da verdade.


Não necessito alongar-me em considerações sobre a grande e sublime tarefa do Brasil, como orientador, no seio dos povos, da revivescência do Cristianismo, restabelecendo-lhe as verdades fecundas, nem preciso encarecer a magnitude da obra do Evangelho, problemas esses de elevado interesse espiritual para as vossas coletividades e cuja solução já procurei indicar, trazendo-vos, espontaneamente, a minha palavra humilde de miserável servo de Jesus.


Agora, amigos, cabe-me solicitar a vossa atenção para a continuidade do nosso programa, traçado há mais de cinquenta anos.


A Federação não pode prescindir da célula primordial do seu organismo, representada pelo Santuário de Ismael, onde cada um afina a sua mente para a tarefa do sacrifício e da abnegação, em prol da causa da Verdade, nem pode desviar-se do seu roteiro, delineado dentro do Evangelho, com o objetivo da formação da mentalidade essencialmente cristã.

Todas as questões científicas, no seio da doutrina, repetimo-lo, têm caráter secundário, servindo apenas de acessórios na expansão das realidades espiritualistas.


Na atualidade, mais do que tudo, necessita-se da formação dos espíritas, da disciplina cristã, da compreensão dos deveres individuais, ante as excelências da doutrina, a fim de que se possam atacar os grandes cometimentos.



Firmai-vos na orientação que vindes observando, sem embargo das ideologias ocas que vos espreitam no caminho das experiências penosas.


Somente dentro das características morais e religiosas pode o Espiritismo cooperar na evolução da Humanidade.


As criaturas humanas se envenenaram com o excesso de investigações e de empreendimentos científicos, para os quais não prepararam seus corações e seus espíritos.


Derivativo lógico dessa ânsia mal dirigida de conhecer a verdade é o estado atual de confusionismo, em que

se debatem todos os setores das atividades terrenas, no campo social e político. Não que condenemos a curiosidade, porquanto ela representa os pródromos de todos os conhecimentos; mas, é que acima de tudo se faz necessário o método e a legitimidade da compreensão individual e

coletiva.


Preparai-vos, portanto, preparando simultaneamente os vossos irmãos em Humanidade, dentro do ensinamento cristão, e amanhã compreendereis, se não puderdes entender ainda hoje, a sublimidade da nossa tarefa comum e a grandeza dos seus objetivos.

Que Maria derrame sobre os vossos Espíritos a sua bênção e que o divino Mestre agasalhe sob o manto acolhedor da sua misericórdia todas as esperanças e anseios de vossos corações.

F. L. Bittencourt Sampaio”

(Fonte: Reformador, ano 85, n. 7, p. 21(161)-22(162), jul. 1967. Transcrito de Reformador, ano 126, n. 2.156, p. 16(414)-17(415), nov. 2008).

terça-feira, 9 de março de 2021

OS EVANGELHOS - ESCLARECIMENTO DE SABEDORIA DO EVANGELHO - CARLOS TORRES PASTORINO

 

 

Trago para os irmãos, alguns ensinamentos básicos, contidos na Introdução à obra SABEDORIA DO EVANGELHO, a saber:


INTRODUÇÃO

Antes de penetrarmos no comentário dos Evangelhos, há necessidade de serem explicados certos termos técnicos e de fazer-se ligeiro apanhado histórico, para boa compreensão do que se vai ler .


EVANGELHO

A palavra grega Euaggélion significa .BOA NOTICIA. , e já era empregada nesse sentido pelos autores clássicos, desde Homero. Jesus a utiliza pessoalmente, segundo os testemunhos de Mateus (24: 14 e 26: 13) e de Marcos (1:15; 8:35; 10:29; 13:10; 14:9 e 16:15), Além dessas passagens, a palavra .Evangelho. aparece mais 68 vezes em o Novo Testamento.


TESTAMENTO

A palavra .Testamento., em grego diathéke, apresenta dois sentidos: 1.0 o .testamento. em que alguém designa seus herdeiros; 2.0 a .aliança. que define os termos de um contrato, a que se obrigam as partes que se aliam. Neste sentido de .aliança entre Deus e os homens. é empregado, dividindo-se em

duas partes: o VELHO ou ANTIGO TESTAMENTO, escrito antes da vinda de Jesus; e o NOVO, onde se reúnem os escritos a respeito de Jesus.

Essa distinção foi feita por Jesus: .este cálice é o NOVO TESTAMENTO em meu sangue, que é derramado

por vós. (Lc.22:20) ; c Paulo também opõe o Novo ao Velho: .fez-nos ministros idôneos do NOVO TESTAMENTO. (2 Cor.3:6) e adiante: .até o dia de hoje, na leitura do VELHO TESTAMENTO, permanece o mesmo véu. (2 Cor. 3:14).


CÂNONE

A palavra cânone significa .regra ., e designa o exemplar perfeito e completo das Escrituras. O cânone

do Novo Testamento é constituído de 27 obras, assim divididas:

A) Livros históricos:

1. Evangelho segundo Mateus (Mt)

2. Evangelho segundo Marcos (Mr)

3. Evangelho segundo Lucas (Lc)

4. Evangelho segundo João (Jo)

5. Atos dos Apóstolos (At)

B) Epístolas Paulinas (de Paulo de Tarso) :

6. Aos Romanos (Rm)

7. Aos Coríntios 1.1\ (1 Cor)

8. Aos Coríntios 2.1\ (2 Cor)

9. Aos Gálatas (Gal)

10. Aos Efesios (Ef)

11. Aos Filipenses (Fp)

12. Aos Colossenses (Co)

13. Aos Tessalonicenses 1.11 ( 1 Tes)

14. Aos Tessalonicenses 2.a (2 Tes)

15. A Timóteo 1.a ( 1 Tim)

16. A Timóteo 2.a (2 Tiro)

17. A Tito (Tt)

18. A Filemon (Fm)

19. Aos Hebreus (autoria discutida)

C) Epístolas Universais:

20. De Tiago (Ti)

21. De Pedro 1.a (1 Pe)

22. De Pedro 2.a (2 Pe)

23. De João l.ª (1 Jo)

24. De João 2.a (2 Jo)

25. De João 3.a (3 Jo)

26. De Judas (Ju)

D) Livro Profético

27. Apocalipse

MANUSCRITOS

Os primeiros exemplares do Novo Testamento eram copiados em papiros (espécie de papel) , material frágil e facilmente deteriorável. Mais tarde passaram a ser escritos em pergaminho (pele de carneiro) , tornando-se mais resistentes e duradouros.

Os manuscritos eram grafados em letras .capitais. ou .unciais. (ou seja, maiúsculas) . Só a partir do 8.0 século passaram a ser escritos em .cursivo., ou letras minúsculas.


ROLOS

As cópias eram feitas em folhas coladas umas às outras, formando uma tira enorme, que era enrolada em .rolos’. ou .volumes.


CÓDICES

Quando as páginas permaneciam separadas e eram costuradas como os nossos livros atuais, por uma das margens, tinham o nome de .códices..


COPISTAS

Os encarregados de copiar os manuscritos chamavam-se . copistas. ou .escribas.. Mas nem sempre conheciam bem a língua, sendo apenas bons desenhistas das letras. Pior ainda se tinham conhecimento da língua, porque então se arvoravam a .emendar. o texto, para conformá-lo a seus conhecimentos.

Não havia sinais gráficos para separação de orações, e as próprias palavras eram copiadas de seguida, sem intervalo, para poupar o pergaminho que era muito caro. Dai os recursos empregados, como:


ABREVIATURAS

ou reunião de várias letras numa SIGLA, por exemplo: pq, para exprimir porque. Algumas abreviaturas eram perigosas, como: OC, que significa .aquele que.. Mas se houvesse um pequenino sinal no meio do O, fazendo dele um .theta., passaria a significar .Deus., (cfr. I Tim. 3:16).



COLAÇÃO

A colação de códices é a comparação que se faz entre dois ou mais códices, escolhendo-se a melhor .lição. para cada .passo..


CUSTOS LINEARUM

A expressão latina .custos linearum. (guarda das linhas) era empregada para designar uma letra que se escrevia no fim das linhas, para .encher. um espaço que ficasse vazio. Por vezes o .custos. era interpretado como uma abreviatura. ,e entrava como uma .interpolação.; doutras vezes era realmente uma

abreviatura, e era interpretada como ’custos., não se copiando.


HAPAX LEGÓMENA

São duas palavras gregas que indicam uma palavra usada por um só autor, isto é, um neologismo criado pelo autor e desconhecido antes dele, e que vem empregado uma só vez na obra, como por exemplo a palavra .epiousion. em Mt. 6;)1, que não foi traduzida na Vulgata.


HARMONIZAÇÃO

Tentativa que faziam os copistas para .harmonizar. o texto de um livro com o de outro, acrescentando ou tirando palavras.


INTERPOLAÇÃO

Quando um leitor anotava, na entrelinha ou na margem, um comentário seu, e o copista, julgando-o um esquecimento. do copista . anterior, introduzia esse comentário como parte do texto.

LIÇÃO

Diz-se da maneira especifica de dizer uma frase, Isto é, da forma exata pela qual está escrita.


PASSO

É o .trecho. citado de um autor, por exemplo: .este passo de Mateus está diferente do de Marcos..



SALTO

Quando o copista pula uma letra, uma silaba, uma palavra ou até uma linha, por distração ou confusão.

SIGLAS

Abreviações usadas para poupar espaço e tempo.

VARIANTE

Quando existe uma diferença entre dois códices, diz-se que há uma .variante..

PRINCIPAIS MANUSCRITOS

Os códices gregos unciais (ao todo, pouco mais de cem existem) , são bastante antigos. Os principais são:

A - (alef) ou Sinaítico, no Museu Britânico (séc. IV)

A - Alexandrino, no Museu Britânico (séc. V)

B - Vaticano, no Museu Vaticano, (Séc. IV)

C - É irem, na Biblioteca Nacional de Paris (séc. V)

D - Beza, na Universidade de Cambridge, (séc. VI)

D2 - Claromontano, na Bibl. Nac. de Paris (séc. VI)

Dos códices gregos cursivos ainda existem 1.825 cópias.

Os principais códices latinos, com o texto da .vetus latina., isto é, da primitiva tradução anterior a Jerônimo, são:


a - Vercellensis (séc. IV) na catedral de Vercelli

b - Veronensis (séc. V) na Biblioteca de Verona

c - Colbertinus (séc V) na Bibl. Nac. de Paris

d - Beza (séc. V) na Univ. de Cambridge

e - Palatinus (séc. V) na Bibl. Nac. de Viena

f - Brescianus (séc. VI) na Bibl. de Brescia

h - Claromontanus (séc. IV/V) na Bibl. Vaticana n.o 7.223.

Quanto aos códices da Vulgata, existem mais de 2.500, remontando os mais antigos aos séculos VI e VU.


OS TEXTOS

Já no século II escrevia Orígenes: .Presentemente é manifeste que grandes foram os desvios sofridos pelas cópias, quer pelo descuido de certos escribas, quer pela audácia perversa de diversos corretores, quer pelas adições ou supressões arbitrárias. (Patrologia Grega, Migne, vol. 13, col. 1.293).

Quanto mais se avançava no tempo, mais crescia o número de cópias e de variantes, aumentando sempre mais o desejo de possuir-se um texto fixo e autorizado. Chegávamos ao 4.0 século. Constantino estabeleceu que o Bispo de Roma devia ser o primaz da Cristandade. O imperador Teodósio deu mão forte aos cristãos romanos, declarando o cristianismo .religião do Estado., e firmando, desse modo a autoridade do Bispo de Roma. Ocupava o Bispado o então Papa Dâmaso (português de nascimento) , devendo anotar-se que, naquela época, todos os Bispos eram denominados .papas.. Desejando atender ao clamor geral, Dâmaso encarregou Jerônimo de estabelecer o TEXTO DEFINITIVO das Escrituras.

A tarefa era ingente, e Jerônimo tinha capacidade para desempenhá-la, pois conhecia bem o hebraico, o grego e o latim. Ele devia re-traduzir para o latim todas as Escrituras, já que as versões antigas (vetus latina) eram variadíssimas.


VULGATA

A tradução latina de Jerônimo é conhecida com o nome de Vulgata, ou seja, edição para o vulgo, e tem caráter dogmático para os católicos romanos.


LÍNGUA ORIGINAL

A língua original do Novo Testamento é o grego denominado Koiné, ou seja, comum, popular, falado pelo povo. Não é o grego clássico.

O grego do Novo Testamento apresenta um colorido francamente hebraista, e bem se compreende a razão: todos os autores eram judeus, com exceção de Lucas, que era grego.


OS EVANGELISTAS

MATEUS (nome grego, Matháios, que significa .dom de Deus., o mesmo que Teodoro). Seu nome em hebraico era LEVI.

Diz Papias que .Mateus reuniu os .Logía. de Jesus (ou seja os discursos) , e cada um os traduziu como pôde do hebraico em que tinham sido escritos.

Todavia, jamais foi encontrada nenhuma citação de Mateus em hebraico, nem mesmo em aramaico.

Com efeito, em hebraico é que não escreveu ele, já que desde 400 anos antes de Cristo o hebraico não era mais falado, e sim o aramaico, que é uma mistura de hebraico com siríaco. Parece, pois, que Papias não tinha informação segura.

Um argumento em favor do hebraico ou aramaico de Mateus original são seus numerosíssimos hebraismos.

Entretanto, qualquer tradutor teria o cuidado de expurgar a obra dos hebraísmos. Se eles aparecem em abundância, é mais lógico supor-se que o autor era judeu, e escrevia numa língua que ele não conhecia bem, e por isso deixava escapar muitos barbarismos.

Supõe-se que Mateus haja escrito entre os anos 54 e 62.

Dirige-se claramente aos judeus (basta observar as numerosas citações do Velho Testamento e o esforço para provar que Jesus era o Messias prometido aos judeus pelos antigos Profetas) . Mateus mostra-se até irritado contra seus antigos correligionários.


MARCOS, ou melhor, JOÃO MARCOS, era sobrinho de Pedro. O nome João era hebraico, mas o segundo nome Marcos era puramente latino. Não deve admirar-nos esse hibridismo, sabendo-se que os romanos dominavam a Palestina desde 70 anos antes de Cristo, introduzindo entre o povo não apenas a língua grega, como os nomes latinos e gregos. (Os romanos impuseram a língua latina às conquistas do ocidente e a grega às do oriente, daí o fato de falar-se grego na palestina desde 70 anos antes de Cristo, por coação dos dominadores) .

Marcos escreveu entre 62 e 66, e parece que se dirigia aos romanos, tanto que não vemos nele citações de profecias; apenas uma vez (e duvidosa) cita o Velho Testamento. Mais: se aparece algo de típico dos costumes judaicos, Marcos apressa-se a esclarecer, explicando com pormenores o de que se trata, como estando consciente de que seus leitores, normalmente, não no perceberiam.

LUCAS, abreviatura grega do nome latino Lucianus, não tinha sangue judeu: era grego puro, de nascimento e de raça. Escreveu em linguagem correta, entre 66 e 70, interpretando o pensamento de Paulo a quem acompanhava nas viagens apostólicas, talvez para prestar-lhe assistência médica, pois o próprio Paulo o chama .médico querido. (cfr. 2.a Cor. 12:7) .

Todo o plano de sua obra é organizado, demonstrando hábito de estudo e leitura e de pesquisa.


JOÃO, chamado também .o discípulo amado., e mais tarde .o presbítero., isto é, o .velho.. Filho de Zebedeu, e portanto primo irmão de Jesus, acompanhou o Mestre no pequeno grupo iniciático, com seu irmão Tiago e com Pedro.

Clemente de Alexandria diz ter João escrito o .Evangelho Pneumático.. Sabemos que .pneuma Significa .Espírito.. Então, é o Evangelho espiritual. Em que sentido? Escrito por um Espírito?

Pneumografado ? Tal como hoje dizemos .psicografado.?

João escreveu entre 70 e 100, tendo desencarnado em 104.

Seu estilo é altaneiro, condoreiro e seu Evangelho está. repleto de simbolismos iniciáticos, tendo dado origem a uma teologia.

Linguisticamente, Lucas é o mais correto e Marcos o mais vulgar testando Mateus e João escritos numa linguagem intermediária.


OS SINÓPTICOS

Mateus, Marcos e Lucas seguem, de tal forma, o mesmo plano e desenvolvimento, que podem ser abarcados num só olhar (ópticos) de conjunto (sin) . Verifica-se com facilidade que Mateus foi o primeiro

a publicar o seu, tendo Marcos resumido a seguir. Muitos outros seguiram o exemplo desses dois, tendo aparecido talvez uma centena de resenhas dos atos do Mestre. Foi quando Lucas resolveu, conforme declara, .organizar. uma narração escoimada de falhas.


A INSPIRAÇÃO

Aceitamos que a Bíblia, e de modo particular o Novo Testamento, tenham sido inspirados, direta e sensivelmente, por espíritos, se bem que nem todos com a mesma elevação.

Pedro, com toda a sua autoridade de Chefe do Colégio Apostólico, afirma categoricamente, referindo-se aos escritores do Velho Testamento: .homens que falaram da parte de Deus, e que foram movidos por algum espírito santo. (2 Pe. 1 :21) . E ainda: .o Espírito de Cristo, que estava neles, testificou. (1 Pe. 1: 11) .

E no discurso de Estêvão, narrado em Atos 7:53, o proto-mártir afirma: .’vós que recebestes a Lei por ministério de anjos., isto é, por intermédio de espíritos.

Tudo isso é normal e comum até nossos dias. Mas, desconhecendo a técnica, cientificamente estudada e experimentada por sábios e pesquisadores espiritualistas, a partir de Allan Kardec, os comentadores

se perdem em divagações cerebrinas. Ao invés de admitir a psicografia (direta, mecânica ou semimecânica) e a psicofonia (total ou parcial), a audiência evidência, ficam a conjeturar .como. pode ter-se dado o fato, chegando a afirmar que .as pedras da Lei foram realmente escritas pelo dedo de Deus.

(Dr. Tregelles, Introdução ao N.T.).

Mais modernamente, Joseph Angus (Hist. Doutr. e Interpr. da Bíblia), escreve: .notam-se, nas diversas partes da Bíblia, no conteúdo e no tom, diferenças evidentes; têm sido feitas distinções entre .inspira-

ção de direção. e .inspiração de sugestão. (?) ; entre a iluminação e o ditado; entre .influência dinâmica. e .influência mecânica.. Vê-se que já se está aproximando da realidade, mas o desconhecimento dos estudos modernos o faz ainda titubear.

Ainda a respeito da inspiração, perguntam os teólogos se a inspiração da Bíblia deve ser considerada VERBAL (isto é, que todas as suas PALAVRAS tenham sido inspiradas diretamente por Deus - naturalmente

no original hebraico ou grego) , ou se será apenas IDEOLÓGICA. Faz-se então a aplicação:

em Tobias, 11:9, é dito .então o cão que os vinha seguindo pelo caminho, correu adiante, e como que trazendo a notícia, mostrava seu contentamento abanando a cauda.. Pergunta-se: é de fé que .o cão abane a cauda quando está alegre.? E respondem: .não, mas é de fé Que. naquele momento, um cão abanou a cauda...

Não era assim que pensava Jesus, quando dizia que .o espírito vivifica, a carne para nada aproveita.

(30. 6:63) ; nem Paulo, quando afirmava: .não somos ministros da letra (escravos da letra) , mas do espírito, pois a letra mata, mas o espírito vivifica. (2 Cor. 3:6). E aos Romanos: .de sorte que sirvamos

na novidade do espírito, e não na velhice da letra. (Rum. 7:6.). E mais ainda: quando, em o Novo Testamento se cita o Velho, a citação é sempre feita ad sensum (isto é, pelo sentido) , e não ad lítteram (literalmente) , e quase sempre pela tradução dos Setenta, e não pelo original hebraico, embora fossem judeus.


INTERPRETAÇÃO

Para interpretar com segurança um trecho da Escritura, é mister

a) isenção de preconceitos

b) mente livre, não subordinada a dogmas

c) inteligência humilde, para entender o que realmente está escrito, e não querer impor ao escrito o

que se tem em mente.

d) raciocínio perquiridor e sagaz

e) cultura ampla e polimorfa mas sobretudo:

f) CORAÇAO DESPRENDIDO (PURO) E UNIDO A DEUS.

Os quatro primeiros itens são pessoais, geralmente inatos, mas podem ser adquiridos por qualquer pessoa.

O item e requer conhecimento profundo de hebraico, grego e latim, assim como de idiomas correlatos (árabe, sírio, caldaico. arameu. copto. egípcio. etc.) , Contato com obras de autores profanos da literatura greco-latina, dos .Pais. da igreja, etc. Noções seguras de história, geografia, etnografia, ci-

ências naturais, astronomia. cronologias e calendários. assim como de mitologias e obras de outros povos antigos.

Mas há necessidade, ainda, de obedecer a determinadas regras:

1.ª regra - estudar o trecho e cada palavra gramaticalmente, dentro das regras léxicas, sintáticas e etimológicas, assim como do uso tradicional dos termos e das expressões.

Por exemplo, a título de ilustração:

a - existem freqüentes hendíades (isto é, emprego de duas palavras unidas pela preposição, em lugar de um substantivo e um adjetivo) , como: .obras de fé. por .obras fiéis.; .trabalho de caridade., por .trabalho caridoso.; .paciência de esperança. por .paciência esperançosa.; .espírito da promessa. Por .espírito prometido.. Ou então, duas palavras unidas pela conjunção .e., ao invés de o serem pela preposição, como: .ressurreição E vida. por .ressurreição DA vida.; .caminho, verdade e vida., por

.caminho DA verdade e DA VIDA ., etc. Isto porque, em hebraico, eram colocados dois substantivos, um ao lado do outro, e isto bastava para relacioná-los;

b - a expressão .filho de. exprime o possuidor de uma qualidade (positiva ou negativa) : filho da paz significa .pacífico.; filho da luz quer dizer .iluminado. (cfr. Lc. 10:6 e Ef. 5:8) ;

c - expressões típicas, como .se alguém não aborrecer. . . . (Lc. 14:26) , exprimindo: .se alguém não amar menos. . ..;

d - os números possuem sentido muito simbólico, assim:

10 – diversos

40 . muitos

7 - grande número

70 - todos, sempre

Então, não devem ser tomados à risca.

e - os nomes de cidade e de pessoas precisam ser observados com .atenção. Basta recordar que .César., em Lc. 2:1 refere-se a Tibério, mas em At. 25:21 refere-se a Nero.

2.ª regra - Interpretar o texto de acordo com o contexto. Por exemplo, .obras. pode significar .boas ações., como em Rom. 2:6, em Mt. 16:27; ou pode exprimir apenas .ritos, liturgia., como em Rom.

3:20, 28, etc.

Neste campo, podemos explicar o texto segundo o contexto, quer por analogia, quer por antítese; ou então, por paralelismo com outros passos.

Não perder de vista, no contexto, que:

a - as palavras podem ser compreendidas em sentido mais, ou menos, amplo, do que o sentido ordinário;

b - as palavras podem exprimir o contrário (por ironia) , como em Jo. 6:68;

c - não havendo sinais diacríticos nem pontuação nos manuscritos e códices, temos que estudar a localização exata das vírgulas e demais sinais, especialmente dos parênteses;

d - podem aparecer diálogos retóricos, como em Rom. cap. 3.

3.ª regra - Quando há dificuldade, consideremos o objetivo do livro ou do trecho, e interpretemos o .pequeno. dentro do .grande., o pormenor dentro do geral, a frase dentro do período. Por exemplo, em Romanos (14:5) Paulo permite aos judeus a observância de datas, enquanto aos Gálatas (4:10-11) proíbe que o façam; isto porque, entre estes, os judeus queriam obrigar os gentios à observância das datas judaicas.

4.ª regra - Comparar Escritura com Escritura, é melhor que fazê-lo com obras profanas.

Por exemplo, a expressão .revestir0 o Cristo. (Gál. 3:27) é explicada em Rom. 13:14 e é descrita em pormenores em Col. 3:10.


Cada Escritura pode apresentar diversas interpretações, no mesmo trecho. A vantagem disso é que, de acordo com a escala evolutiva em que se acha a criatura que lê, pode a interpretação ser menos ou mais profunda.

Os principiantes compreendem, de modo geral, a .letra. e a ela se apegam. Mas, além do sentido literal.

temos o alegórico, o simbólico e o espiritual ou místico.

O sentido alegórico faz extrair numerosas significações de cada representação, compreendendo, por exemplo, a história de Abraão como uma alegoria das relações entre a matéria e o espírito.

A interpretação simbólica é mais elevada: dá-nos a revelação de uma verdade que se torna, digamos assim, .transparente. e visível, através de um texto que a recobre totalmente; basta-nos recordar a CRUZ, para os cristãos: é um símbolo muito mais profundo, que os dois pedaços de madeira superpostos.

A interpretação espiritual é aquela que dificilmente poderá ser expressa em palavras, mas é sentida e vivida em nosso eu mais profundo, levando-nos, através de certas palavras e expressões, à união mística com a Divindade que reside dentro de nós. Quase sempre, a compreensão espiritual ou mística da Escritura leva ao êxtase, e portanto à Convivência com o Todo.

Dadas estas notas introdutórias, iniciaremos um comentário dos Evangelhos, a começar pelo de João, pois procuraremos interpretar os Evangelhos num todo único, a fim de evitar repetições. Fizemos, pois, uma .harmonia. dos quatro evangelistas, e iremos dando os textos para logo a seguir comentá-los.