DO LIVRO EVOLUÇÃO E EVANGELHO
CAPÍTULO IX
O PROBLEMA DA MORAL II
Como age a nova moral? Mundo de luta. Evolução por ação e
reação entre dirigentes e súditos, por comum abrandamento de
costumes. Progressiva eliminação da luta, e da dureza das
leis. Em direção a uma moral cada vez mais amiga. A vida, estado de
guerra. A ética que se vive nos fatos, e suas conseqüências. A
função biológica da mentira. A virtude como astúcia. A liquidação
do simples e honesto. Ética emborcada. A psicologia do selvagem e do
civilizado. Inteligência prática, para a luta, e não especulativa,
para o conhecimento. A moral da nova civilização do espírito.
Dadas as condições atuais do mundo, como fazê-lo evoluir ainda,
levando-o a viver a nova moral? Aplicando-a ao real estado de fato,
que reações excitará e recebera em resposta, quando se trata de
passar seriamente de uma ética pregada a uma ética realmente
vivida? Não podemos esquecer que se trata de um mundo em que
tudo se baseia na luta, um mundo em que a norma ética teve de
aparecer até agora como imposição armada de sanções, resultando
como conseqüência o desenvolvimento da arte de escapar delas. Há
luta entre o evoluído que quer subir e o involuído que não quer
subir, luta entre duas leis diferentes que aspiram ao domínio
absoluto sobre o homem.
Ora, é lógico que, nesse ambiente, qualquer inovação tem de ser
iniciada de cima, isto é, por parte dos vencedores, que são os
únicos, nesse plano, e têm o direito de mando. Se nesse plano tudo
funciona assim, se esses são os princípios que estabelecem a
conduta dos que aí vivem, não podemos sair deles nem mesmo quando
queremos estabelecer uma norma ética, embora desça ela de
planos superiores, regidos por princípios diferentes. As normas
concebidas nos ambientes mais elevados constituem o que se chama
a teoria. O modo com que são recebidas, adaptadas e até invertidas
no ambiente humano terrestre constitui o que se chama a prática.
A teoria é bela, resplandecente, mas a tendência é que seja
deturpada e corrompida logo que desce á prática.
A realidade apresenta-nos, então, um espetáculo bem diferente do
que se poderia imaginar.
Quem faz as leis é a camada social superior, que tem o direito de mandar porque venceu a batalha da vida.
Se essa camada não faz a lei ética, porque só poucos e excepcionais evoluídos conseguem intuí-la, pode todavia formulá-la em artigos de lei, dosá-la e, sobretudo, enchê-la de sanções que, na terra, são as coisas mais importantes, se não quisermos permanecer no campo teórico. E então a ética, que no Alto é outra coisa — ou seja, norma espontânea de convicção — também se torna luta, para adaptar-se à lei da terra em que desceu.
É sob esse aspecto que a moral aparece em nosso mundo, fato que pode parecer estranho e contraditório, mas do qual compreendemos as razões. A ética resolve-se assim, na prática, numa luta entre a classe superior que impõe as leis, e as classes inferiores que devem aceitá-las, luta entre a classe dos juizes que estabelecem a culpabilidade e condenam, e a dos julgados culpados, que são condenados se não obedecem.
Quem faz as leis é a camada social superior, que tem o direito de mandar porque venceu a batalha da vida.
Se essa camada não faz a lei ética, porque só poucos e excepcionais evoluídos conseguem intuí-la, pode todavia formulá-la em artigos de lei, dosá-la e, sobretudo, enchê-la de sanções que, na terra, são as coisas mais importantes, se não quisermos permanecer no campo teórico. E então a ética, que no Alto é outra coisa — ou seja, norma espontânea de convicção — também se torna luta, para adaptar-se à lei da terra em que desceu.
É sob esse aspecto que a moral aparece em nosso mundo, fato que pode parecer estranho e contraditório, mas do qual compreendemos as razões. A ética resolve-se assim, na prática, numa luta entre a classe superior que impõe as leis, e as classes inferiores que devem aceitá-las, luta entre a classe dos juizes que estabelecem a culpabilidade e condenam, e a dos julgados culpados, que são condenados se não obedecem.
Podemos perguntar-nos agora:
como consegue a vida evoluir, se a descida dos ideais á terra está submetida a esse sistema que a converte em luta e assim paralisa seu efeito mais importante, que é o de provocar uma melhoria?
Eis então o que acontece:
o progresso é um impulso íntimo, que age de dentro, indistintamente sobre todos, tanto em quem manda, como em quem obedece.
A evolução não pode submeter-se ao contraste entre os dois impulsos opostos em luta; então, ao invés de ficar dominada por ele, domina-o e o utiliza. Não podendo caminhar em linha reta, avança tortuosa como um rio, por impulso e contra-impulso, por ação e reação entre as duas partes contrárias que, assim, acreditando eliminar-se, colaboram substancialmente na mesma direção, que é a da evolução.
Os dois grupos opostos influenciam--se mutuamente Logo que um progrida um pouco, o outro recebe e assimila os benefícios, civiliza-se, abranda seus costumes, obedece com um pouco mais de consciência e conhecimento, mais espontaneamente convencido porque experimentou as vantagens de viver na ordem. São a luz e a bondade que começam a chegar, desmantelando aos poucos o castelo das coações e sanções, duro ônus que pesa sobre todos, e de que agora é possível começar a libertar-se, porque cada vez se torna menos necessário.
Isto permite aos dirigentes a mitigação das penas, abandonando cada vez mais o método psicologicamente impositivo de terrorismos, indispensável para disciplinar seres rebeldes e ferozes.
Antes, não se podia assim proceder sem prejuízo destes, que teriam interpretado qualquer ato de bondade como sinal de fraqueza e autorização à devassidão.
A idéia do inferno não foi criação de um grupo sacerdotal, mas uma necessidade psicológica, imposta pelo estado de involução em que se achava o homem no passado. Sem esses terrorismos hoje inaceitáveis, o edifício ético, em virtude de sua estrutura mental, teria caído na anarquia. Mas é lógico que tudo isso deva ir desaparecendo, automaticamente, sem danos, logo que o homem, por ter-se civilizado mais, o permita.
como consegue a vida evoluir, se a descida dos ideais á terra está submetida a esse sistema que a converte em luta e assim paralisa seu efeito mais importante, que é o de provocar uma melhoria?
Eis então o que acontece:
o progresso é um impulso íntimo, que age de dentro, indistintamente sobre todos, tanto em quem manda, como em quem obedece.
A evolução não pode submeter-se ao contraste entre os dois impulsos opostos em luta; então, ao invés de ficar dominada por ele, domina-o e o utiliza. Não podendo caminhar em linha reta, avança tortuosa como um rio, por impulso e contra-impulso, por ação e reação entre as duas partes contrárias que, assim, acreditando eliminar-se, colaboram substancialmente na mesma direção, que é a da evolução.
Os dois grupos opostos influenciam--se mutuamente Logo que um progrida um pouco, o outro recebe e assimila os benefícios, civiliza-se, abranda seus costumes, obedece com um pouco mais de consciência e conhecimento, mais espontaneamente convencido porque experimentou as vantagens de viver na ordem. São a luz e a bondade que começam a chegar, desmantelando aos poucos o castelo das coações e sanções, duro ônus que pesa sobre todos, e de que agora é possível começar a libertar-se, porque cada vez se torna menos necessário.
Isto permite aos dirigentes a mitigação das penas, abandonando cada vez mais o método psicologicamente impositivo de terrorismos, indispensável para disciplinar seres rebeldes e ferozes.
Antes, não se podia assim proceder sem prejuízo destes, que teriam interpretado qualquer ato de bondade como sinal de fraqueza e autorização à devassidão.
A idéia do inferno não foi criação de um grupo sacerdotal, mas uma necessidade psicológica, imposta pelo estado de involução em que se achava o homem no passado. Sem esses terrorismos hoje inaceitáveis, o edifício ético, em virtude de sua estrutura mental, teria caído na anarquia. Mas é lógico que tudo isso deva ir desaparecendo, automaticamente, sem danos, logo que o homem, por ter-se civilizado mais, o permita.
Caminho lento, gradual e difícil, mas caminho fatal. Sem dúvida
os dirigentes, por causa da natureza de seus súditos, têm
necessidade de defender-se e não podem abandonar-se a excessivos
atos de bondade, sem que seja invertida a ordem que a lei ética
deseja, tornando-se anti-ético, porque impediria que a vida
atingisse seus objetivos.
Para o involuído, a ética precisa estar armada de chicote, pois só assim o levará ao bem. Mas não restam dúvidas de que o dever da iniciativa dos melhoramentos cabe à classe dos dirigentes (abolição da pena de morte, da escravidão, melhoramentos no sistema de prisões, mitigação da pena, justiça econômica, previdência social etc.)., Essa iniciativa deverá ser levada até ao limite máximo possível, como grau de bondade que o estado de civilização atingido já permite.
Dentro desses limites, as classes menos evoluídas da sociedade poderão restituir à classe superior o bem que recebem, na forma de um abrandamento de costumes.
A finalidade da lei é sobretudo de educar, ensinando, à força de sanções, a viver mais civilizadamente, pronta a abandonar esse sistema, logo que os súditos aprendam a lição, e demonstrando assim não mais necessitarem desses métodos.
Na feroz Idade Média realizavam-se as execuções capitais e as punições corporais nas praças, à vista de todos, usando o sistema terrorístico, julgando-se educar o povo no respeito para com os detentores do poder. Mas isto também educava o povo no gosto do crime, nunca dominado com esse sistema que, no fundo, só demonstrava o medo que os dominadores tinham de ser derrotados. Com o tempo, o trabalho subterrâneo da evolução abrandou tudo, tanto que esses espetáculos aos quais a multidão acorria com satisfação, agora gerariam nojo e condenação.
Para o involuído, a ética precisa estar armada de chicote, pois só assim o levará ao bem. Mas não restam dúvidas de que o dever da iniciativa dos melhoramentos cabe à classe dos dirigentes (abolição da pena de morte, da escravidão, melhoramentos no sistema de prisões, mitigação da pena, justiça econômica, previdência social etc.)., Essa iniciativa deverá ser levada até ao limite máximo possível, como grau de bondade que o estado de civilização atingido já permite.
Dentro desses limites, as classes menos evoluídas da sociedade poderão restituir à classe superior o bem que recebem, na forma de um abrandamento de costumes.
A finalidade da lei é sobretudo de educar, ensinando, à força de sanções, a viver mais civilizadamente, pronta a abandonar esse sistema, logo que os súditos aprendam a lição, e demonstrando assim não mais necessitarem desses métodos.
Na feroz Idade Média realizavam-se as execuções capitais e as punições corporais nas praças, à vista de todos, usando o sistema terrorístico, julgando-se educar o povo no respeito para com os detentores do poder. Mas isto também educava o povo no gosto do crime, nunca dominado com esse sistema que, no fundo, só demonstrava o medo que os dominadores tinham de ser derrotados. Com o tempo, o trabalho subterrâneo da evolução abrandou tudo, tanto que esses espetáculos aos quais a multidão acorria com satisfação, agora gerariam nojo e condenação.
Assim, por golpes e contragolpes, realiza-se a evolução e a
humanidade progride para formas de vida que contêm cada vez menos o
mal e cada vez mais o bem.
As massas, educando-se cada dia mais no bem, permitem aos dirigentes e às leis que sejam melhores, e estes, tornando-se melhores, educam as massas cada vez mais no bem. Esse é o sistema utilizado pelo progresso num mundo de luta, onde isto pareceria impossível, precisamente por causa da luta. O progresso, paradoxalmente, realiza-se por meio da luta, isso nos mostra como é profunda a sabedoria da vida.
As massas, educando-se cada dia mais no bem, permitem aos dirigentes e às leis que sejam melhores, e estes, tornando-se melhores, educam as massas cada vez mais no bem. Esse é o sistema utilizado pelo progresso num mundo de luta, onde isto pareceria impossível, precisamente por causa da luta. O progresso, paradoxalmente, realiza-se por meio da luta, isso nos mostra como é profunda a sabedoria da vida.
A repressão forçada é um mal necessário nos tempos
involuídos; mal que se destina, porém, a ser superado. Não é a
repressão que liberta a sociedade de seus males, mas a mecânica
progressiva que acabamos de ver.
Ao contrário, a repressão aumenta a reação, a violência gera a violência e, em última análise, o mal só pode ser combatido com o sistema da não-reação, e só pode ser vencido verdadeiramente se o neutralizamos com igual medida de bem.
Muitos abusos e delitos nascem, freqüentemente, de um abuso e delito maior, o de não reconhecer nos dominados os direitos que os dominadores reconhecem para si mesmos. Os princípios superiores da ética são tanto mais dificilmente aplicados, quanto mais poderoso e ativo é o sistema de luta que vigora na terra, para a qual eles são trazidos.
Ao contrário, a repressão aumenta a reação, a violência gera a violência e, em última análise, o mal só pode ser combatido com o sistema da não-reação, e só pode ser vencido verdadeiramente se o neutralizamos com igual medida de bem.
Muitos abusos e delitos nascem, freqüentemente, de um abuso e delito maior, o de não reconhecer nos dominados os direitos que os dominadores reconhecem para si mesmos. Os princípios superiores da ética são tanto mais dificilmente aplicados, quanto mais poderoso e ativo é o sistema de luta que vigora na terra, para a qual eles são trazidos.
A humanidade futura será mais inteligente e compreenderá a
enorme vantagem de comportar-se de modo diferente.
No fundo, os conceitos de moral e evolução coincidem, como os de anti-moral e involução. Ao evoluir, o indivíduo torna-se espontaneamente moral, como ao involuir se torna anti-moral. Por natureza o evoluído é mais moral que o involuído. Moral é evoluir, anti-moral é involuir, como viver uma vida estéril que nada produz de bom nem para si, nem para os outros. Moral lógica e utilitária, baseada no utilitarismo da vida, que não é de superfície nem míope visando a efeitos imediatos, mas profundo e de longo alcance, substancialmente frutífero.
Definimos a dor como um estado de desarmonia, devido à própria posição da desordem. A dor deriva, com efeito, da desordem, que leva os indivíduos a luta, fazendo-os chocar-se uns contra os outros.
É lógico, pois, que ela tenda a desaparecer com a evolução que leva à ordem, que pacifica os indivíduos, fazendo-os caminhar disciplinadamente, cada um em seu lugar, sem mais chocar-se com o vizinho, ofendendo-o.
No fundo, os conceitos de moral e evolução coincidem, como os de anti-moral e involução. Ao evoluir, o indivíduo torna-se espontaneamente moral, como ao involuir se torna anti-moral. Por natureza o evoluído é mais moral que o involuído. Moral é evoluir, anti-moral é involuir, como viver uma vida estéril que nada produz de bom nem para si, nem para os outros. Moral lógica e utilitária, baseada no utilitarismo da vida, que não é de superfície nem míope visando a efeitos imediatos, mas profundo e de longo alcance, substancialmente frutífero.
Definimos a dor como um estado de desarmonia, devido à própria posição da desordem. A dor deriva, com efeito, da desordem, que leva os indivíduos a luta, fazendo-os chocar-se uns contra os outros.
É lógico, pois, que ela tenda a desaparecer com a evolução que leva à ordem, que pacifica os indivíduos, fazendo-os caminhar disciplinadamente, cada um em seu lugar, sem mais chocar-se com o vizinho, ofendendo-o.
Como a fera que se torna menos feroz e perde as garras ao evoluir, ou
seja, como a evolução realiza uma progressiva eliminação da
luta pela vida, assim a moral, à proporção que evolui, se torna
menos opressora, menos terrorística, menos armada de duros
castigos. Com a evolução tudo tende à harmonia, à alegria, à
bondade. Torna-se o homem mais livre e ao mesmo tempo adquire maior
sentido de responsabilidade. Quem quiser subir aproveitará, depois
as vantagens; quem não quiser subir, permanecerá em seu nível de
vida, com todos os males inerentes a ela.
Em substância, a nova moral diz apenas: civilizai-vos e
vivereis muito melhor.
E se agrada a todos viver melhor, é lógico que, descoberta a estrada para atingir isto, se ache conveniente submeter-se ao esforço indispensável para percorrê-la. A ética atualmente em vigor na prática, embora teoricamente bela, é torcida pelos instintos elementares, cheia de trasbordamentos do subconsciente e de ilusões psicológicas, devidas a perspectivas erradas, produzidas pela forma mental que dirige o homem em seu atual plano de vida. Moral em que reaparece a cada passo, nos fatos, o cálculo do próprio interesse, o medo do patrão, o desejo de evitá-lo, enganando-o com escapatórias, o contínuo sentido de luta para tornar-se o mais forte e assim vencer a todos.
E se agrada a todos viver melhor, é lógico que, descoberta a estrada para atingir isto, se ache conveniente submeter-se ao esforço indispensável para percorrê-la. A ética atualmente em vigor na prática, embora teoricamente bela, é torcida pelos instintos elementares, cheia de trasbordamentos do subconsciente e de ilusões psicológicas, devidas a perspectivas erradas, produzidas pela forma mental que dirige o homem em seu atual plano de vida. Moral em que reaparece a cada passo, nos fatos, o cálculo do próprio interesse, o medo do patrão, o desejo de evitá-lo, enganando-o com escapatórias, o contínuo sentido de luta para tornar-se o mais forte e assim vencer a todos.
Esse triste estado deve ser abandonado e superado com formas de
vida mais altas e felizes. Não mais tantas condenações, que
sufocam a vida, mas esforços inteligentes para melhorar,
andando ao encontro dela.
U'a moral amiga, que nos levará ao bem querendo-nos bem, e não u'a moral inimiga, em que o instinto humano de luta e agressão encontra desafogo. É preciso afastar-se cada vez mais dos grandes absurdos e aberrações do passado, como as guerras santas, as inquisições., os infernos eternos, a benção das armas e as condenações em nome de Deus, como de toda coação espiritual que leva à aceitação forçada, como substituto da aceitação espontânea, por convicção.
U’a moral fraterna e pacífica de onde desapareceu a luta, em que, sendo tudo lógico e claro, não pode aparecer a mentira, porque é contraproducente. Para eliminar todos esses efeitos maus é mister eliminar as causas. Não é uma moral para uso dos vencedores, em detrimento dos vencidos, mas uma moral de justiça em que há lugar para os direitos e à vida de todos. Então a classe dos rebeldes à ordem social não teria mais razão de existir e desapareceriam essa praga, essa luta e esse perigo. Mas, enquanto dominar u’a moral de classe, ao invés de u’a moral biológica imparcial, a humanidade terá de continuar a luta, e não poderá purificar-se de seus elementos mais daninhos.
U'a moral amiga, que nos levará ao bem querendo-nos bem, e não u'a moral inimiga, em que o instinto humano de luta e agressão encontra desafogo. É preciso afastar-se cada vez mais dos grandes absurdos e aberrações do passado, como as guerras santas, as inquisições., os infernos eternos, a benção das armas e as condenações em nome de Deus, como de toda coação espiritual que leva à aceitação forçada, como substituto da aceitação espontânea, por convicção.
U’a moral fraterna e pacífica de onde desapareceu a luta, em que, sendo tudo lógico e claro, não pode aparecer a mentira, porque é contraproducente. Para eliminar todos esses efeitos maus é mister eliminar as causas. Não é uma moral para uso dos vencedores, em detrimento dos vencidos, mas uma moral de justiça em que há lugar para os direitos e à vida de todos. Então a classe dos rebeldes à ordem social não teria mais razão de existir e desapareceriam essa praga, essa luta e esse perigo. Mas, enquanto dominar u’a moral de classe, ao invés de u’a moral biológica imparcial, a humanidade terá de continuar a luta, e não poderá purificar-se de seus elementos mais daninhos.
Estas são as regras do jogo e não podemos sair delas:
se semearmos justiça, colheremos ordem e paz; mas se semearmos injustiça só poderemos colher revolta e mentira.
Se, no próximo, quisermos enganar a vida, a vida, através do próximo, nos enganará. Esta é uma realidade à qual não podemos escapar, mesmo se tudo fizermos em nome de Deus, da pátria, de um ideal, do bem da humanidade.
Esta é a verdade a que tudo se reduz, para além dos esquemas filosóficos, religiosos, ideais e sociais. As aparências não contam. Se não formos sinceros, teremos mentira; se oprimirmos teremos revolta; se não soubermos mandar para o bem alheio, não obteremos obediência.
se semearmos justiça, colheremos ordem e paz; mas se semearmos injustiça só poderemos colher revolta e mentira.
Se, no próximo, quisermos enganar a vida, a vida, através do próximo, nos enganará. Esta é uma realidade à qual não podemos escapar, mesmo se tudo fizermos em nome de Deus, da pátria, de um ideal, do bem da humanidade.
Esta é a verdade a que tudo se reduz, para além dos esquemas filosóficos, religiosos, ideais e sociais. As aparências não contam. Se não formos sinceros, teremos mentira; se oprimirmos teremos revolta; se não soubermos mandar para o bem alheio, não obteremos obediência.
* * *
O ponto fraco da moral vigente é sempre o de permanecer imersa no
plano da luta, de ser uma expressão dela, de existir em função
dela, permanecendo assim uma moral de involuídos. A causa
primeira dos males daí derivados é o princípio do mais forte, que
domina nesse plano, princípio que leva à derrota. Segundo esse
princípio a verdade é estabelecida pela maioria, com suas
idéias, para satisfazer a seus instintos e interesses. Cabe-lhe esse
direito, porque ela é numericamente mais forte. Mas quais são as
idéias da maioria, que certamente não pode representar uma elite
selecionada? São as que correspondem aos impulsos mais
elementares da vida. E é a essa altura, própria dos involuídos,
que os evoluídos são constrangidos a nivelar-se. E então, mesmo
que a verdade possa descer do Alto pela revelação, o que a
humanidade aceita, aplica e vive, é estabelecido pelos limites
impostos pela capacidade de compreensão das massas, que não sabe ir
além de um consentimento instintivo do subconsciente, que
representa a parte mais involuída, a animal do ser humano.
São estas as forças que, através dos fatos, tendem a dirigir
a atividade humana e com a qual a ética tem de contar, pagando
o seu tributo, ainda que, na teoria, essa atividade pretenda
justificar-se proclamando-se conseqüência e aplicação de
princípios absolutos, e sendo praticada em nome de Deus e dos mais
altos ideais. A realidade positiva que aparece nos fatos é a
satisfação do imperativo dos interesses da vida, que quer atingir
sua finalidade. Constrói-se assim o castelo da ética sobre bases
escusas, que se enterram nas vísceras do mundo biológico e que
pouca afinidade tem com abstrações lógicas e teológicas, onde a
ética pretende fundamentar-se para assumir valor absoluto, acima de
nosso contingente. Como o homem construiu para si uma idéia toda
antropomórfica da Divindade, para seu uso e consumo; como se colocou
na posição de único objetivo da criação, num planeta que estava
no centro do universo, em função de valores considerados absolutos,
por exemplo a imobilidade da terra e a solidez da matéria; do mesmo
modo o homem construiu para si uma ética na base de ilusões
psicológicas, que a observação acurada das mentes mais adiantadas
vai gradualmente desfazendo com a análise, à proporção que,
com a evolução, se abre a inteligência humana.
Justifica-se essa forma mental, responsável pelo conceito de verdade
absoluta, através do desejo instintivo de atingir a última meta do
conhecimento Acreditam assim que a atingiram e a possuem, ao passo
que para o homem, situado no futuro, só são possíveis verdades
relativas e em evolução. De fato é. isto o que a realidade nos
mostra apesar das mais absolutas e dogmáticas afirmações em
contrário. Diante do transformismo universal, a que nenhum ser
pode escapar porque está imerso no fenômeno da evolução, o
absoluto imutável só é admissível como distante meta final, ainda
não tocada, e só atingível no término do processo evolutivo. Até
esse momento, tão distante que escapa à avaliação de nosso
concebível, só podemos admitir para o ser uma progressiva sucessão
de diversas aproximações da verdade, como etapas da contínua
conquista do conhecimento. A ética é apenas um dos aspectos dessa
verdade e, como tal, também só pode ser relativa e em evolução.
Eis então que a ética, como o conhecimento e tudo o mais, é
dada pela posição que o homem atingiu ao longo da escala da
evolução, e existe em função desta, ou seja, do grau de
desenvolvimento alcançado, o que estabelece, em todos os campos, os
limites do
concebível humano.
concebível humano.
Surge, então, na terra, a possibilidade de existirem diversas
éticas, relativas ao grau de evolução atingido.
É verdade que a maioria estabelece um nível médio, proporcional à sua sensibilidade e compreensão, adaptado às massas que, nele se encontram à vontade. Mas é também verdade que os mais evoluídos podem considerar essa ética como altamente imoral, já que encara como lícito e natural o que a eles pode parecer até mesmo um crime.
A moral dos selvagens atinge a antropofagia. A moral do homem civilizado admitiu, até há pouco tempo, a escravidão, e ainda admite, em vários casos, o direito de matar o seu semelhante. Quanto mais civilizado é o ser, e ilícitas, muitas coisas que a moral comum permite, mais é evoluído e mais fica horrorizado como os seus semelhantes realizam, sem nenhum sentimento de culpa, atos que seriam, para ele, inadmissíveis.
Esse tipo biológico poderia então fazer uma lista de crimes que a ética comum, tanto religiosa como civil, admite tranqüilamente, sem perceber a sua atrocidade, com a mesma ingenuidade com que — em proporção — o antropófago devora o seu inimigo.
É verdade que a maioria estabelece um nível médio, proporcional à sua sensibilidade e compreensão, adaptado às massas que, nele se encontram à vontade. Mas é também verdade que os mais evoluídos podem considerar essa ética como altamente imoral, já que encara como lícito e natural o que a eles pode parecer até mesmo um crime.
A moral dos selvagens atinge a antropofagia. A moral do homem civilizado admitiu, até há pouco tempo, a escravidão, e ainda admite, em vários casos, o direito de matar o seu semelhante. Quanto mais civilizado é o ser, e ilícitas, muitas coisas que a moral comum permite, mais é evoluído e mais fica horrorizado como os seus semelhantes realizam, sem nenhum sentimento de culpa, atos que seriam, para ele, inadmissíveis.
Esse tipo biológico poderia então fazer uma lista de crimes que a ética comum, tanto religiosa como civil, admite tranqüilamente, sem perceber a sua atrocidade, com a mesma ingenuidade com que — em proporção — o antropófago devora o seu inimigo.
Vejamos alguns desses casos.
1) Julgarmos não em função da justiça, imparcialmente, mas
em função da força de que o julgado dispõe: seja em posição
social, poder econômico, capacidades bélicas etc., chegando
assim a uma justiça que funciona de modo exemplar apenas para o
faminto e inerme ladrão de pão ou de galinhas
2) Julgarmos e condenarmos o próximo sem conhecer suas
condições reais e só em função deles mesmos. Sermos
tolerantes quando nos outros encontramos os nossos próprios
defeitos, pelos quais também nós poderíamos ser condenados
primeiro, se os
condenássemos; e tornarmo-nos desapiedadamente intransigentes e modelos de virtude, quando nos outros podemos apontar defeitos que não temos, pelos quais, portanto, não podemos ser alvo do retorno de acusação.
condenássemos; e tornarmo-nos desapiedadamente intransigentes e modelos de virtude, quando nos outros podemos apontar defeitos que não temos, pelos quais, portanto, não podemos ser alvo do retorno de acusação.
3) Servirmo-nos das altas coisas do espírito e de Deus como meio
para alcançar vantagens materiais, para vencer na vida e nos
afirmarmos no mundo, prostituindo-as até fazer delas instrumento de
astúcia de guerra. Em outros termos, servirmo-nos da política para
satisfazer o próprio orgulho ou para nos tornarmos uma potência
social e econômica, e não para ajudar a nação; servirmo-nos
da religião para assegurar uma posição e não para cumprir a
missão de levar o bem às almas; trairmos os princípios que dizemos
professar, usando-os para outros fins, enganando a respeito
dos verdadeiros métodos de vida, bem camuflados sob um belo
manto de hipocrisia, e, praticando na realidade, sob tão belas
aparências, o jogo duplo do Maquiavelismo.
4) Segundo a moral em vigor, é lícito vivermos no desperdício do
supérfluo, enquanto outros nossos semelhantes carecem do
estritamente necessário, assim como é lícito entrarmos na posse de
bens que não foram ganhos com o próprio trabalho.
5) É lícito roubarmos quando com isto damos prova de uma
inteligência, que sabe enganar a justiça estabelecida pelas leis.
Saber escapar astuciosamente, aos castigos, pode até merecer
como prêmio a velada estima da opinião pública, que não a
regateia a quem saiba vencer e tornar-se poderoso, e que se torna
incondicionalmente admirado só por isso, relegando ao
esquecimento os meios utilizados, desde que atingiu resultados tão
brilhantes e invejados.
6) É lícito, com a benção de Deus e as honras da pátria,
matarmos quando isto corresponde aos interesses do próprio país
ou dos detentores do poder. Aos maiores carrascos da humanidade, que
realizaram as maiores matanças bélicas, foram tributadas as
maiores honras da história.
A lista poderia continuar. Estes são alguns dos delitos que a ética
humana atual reconhece como lícitos, na realidade, embora os condene
teoricamente; delitos que qualquer um pode tranqüilamente cometer,
continuando pessoa de bem e cidadão estimado na sociedade, como bom
cristão, ao qual as religiões prometem o paraíso. Assim a maioria
cria a própria ética, satisfazendo seus instintos, aos quais
obedece de boa fé, acreditando permanecer na verdade e na justiça.
Não tendo atingido ainda o nível evolutivo suficiente para perceber
o que está fazendo, a pessoa se julga honesta e sincera. Nada mais
se pode fazer, então, senão repetir com Cristo: “Perdoa-lhes,
porque não sabem o que fazem”. E para compreender o
comportamento desses seres, temos de raciocinar com a inteligência da vida, que os faz movimentar-se por meio desses instintos, sem que eles saibam o porque. Eis que então aparece, além da ética pregada e teoricamente professada — artificiosa construção do pensamento — esta outra moral biológica e realística, em que a vida impõe as férreas leis de seu plano de evolução.
comportamento desses seres, temos de raciocinar com a inteligência da vida, que os faz movimentar-se por meio desses instintos, sem que eles saibam o porque. Eis que então aparece, além da ética pregada e teoricamente professada — artificiosa construção do pensamento — esta outra moral biológica e realística, em que a vida impõe as férreas leis de seu plano de evolução.
Esta realística moral biológica pode parecer mais livre, porque
permite muitas coisas que são proibidas mais acima; entretanto nem
por isso é menos dura. Justamente porque mais involuída, está
armada com reações férreas, para manter na linha o involuído,
menos sensibilizado. O homem comum sente-se livre e por isso acredita
que lhe é permitido poder realizar impunemente qualquer desejo, não
imaginando que vive constrangido nas malhas de uma rede de ferro,
estabelecida pela Lei. Como esta lhe deixa liberdade de ação
ele acredita poder fazer o que quer e não percebe que a cada
movimento seu corresponde uma inexorável reação. Assim o homem faz
o que quer, mas a lei é um sensibilíssimo organismo de forças que,
à mínima violação de sua ordem, responde com um proporcionado e
adequado contragolpe, que coloca cada coisa em seu lugar, de acordo
com a justiça. Essas forças são como tentáculos que atingem quem
errou contra a lei, sem possibilidade de fuga, em qualquer tempo ou
lugar que ele se encontre. O homem, acreditando-se totalmente
livre, está imerso nessa atmosfera de ordem imposta pela lei;
faz parte desse organismo de forças que o vinculam de todos os
lados e no qual precisa saber manobrar com sábia retidão, se não
quiser depois ser coagido a suportar tremendos contragolpes como
reação da lei.
Justamente nesse ambiente — de cuja verdadeira natureza o
homem não pode tomar conhecimento por causa da ignorância — é
que o homem gosta de mover-se, segundo seus loucos caprichos,
perseguindo miragens de dominador, que pretende impor-se a tudo. É
fácil imaginar que dilúvio de dores daí resulte. E é isso
que de fato vemos acontecer no mundo. É como se um aviador
quisesse voar sem conhecer nem respeitar as leis do vôo, e ao
contrário, pretendesse impor-se a elas, para dobrá-las,
obrigando-as a funcionar segundo sua vontade. O resultado lógico
seria que, ao invés de mudar as leis do vôo, o aviador caísse ao
solo pagando as conseqüências fatais de sua louca pretensão.
Qualquer técnico que conheça aquelas leis poderia matematicamente
explicar-lhe a necessidade lógica das conseqüências.
As primeiras características do involuído são a sua ignorância e
o instinto de revolta, de modo que, aumentando essas qualidades com a
involução, aumenta proporcionalmente a força dos golpes
recebidos. Mas é justamente desses golpes maiores que a
insensibilidade maior do involuído precisa, para aprender a conhecer
a lei e a não ofendê-la com a própria revolta. Os meios para
educar são enérgicos, na medida adaptada à capacidade perceptiva
dos alunos. Estes podem semear a desordem que quiserem, mas só
para si, e para depois pagarem os prejuízos, à própria custa.
Ninguém pode impedir que tudo esteja proporcionado em perfeita
ordem, na lei.
O objetivo da escola da dor é ensinar a obediência, ensinar a saber
movimentar-se seguindo a ordem da lei e não chocando-se com ela,
provocando reações. Todavia o homem é um rebelde por
natureza, e julga-se honrado e sábio, quando sabe impor-se a todos,
e se gaba da arte de violar a lei, conseguindo depois escapar às
suas reações. Entre o involuído e a Lei estabelece-se assim não
um regime de consentimento e harmonia, mas como um duelo em que o
homem desejaria superar a Lei, a qual lhe aparece não como uma
norma de sua felicidade, mas como um inimigo que deva ser dobrado e
enganado. Acredita-se desta forma dar prova de inteligência,
usando de astúcia ao querer lograr nas barbas de Deus e dos homens.
Trágico mal-entendido, que escancara as portas à dor, necessária
para corrigir esse erro. A lei não é um obstáculo que valha a pena
superar com bravura, mas um guia amigo que quer levar-nos à
felicidade que procuramos destruir, quando nos rebelamos contra
a Lei. Com a desobediência semeamos dor, onde a lei, se fosse
obedecida, faria nascer alegria.
E' assim que, através dos oceanos de todos os sofrimentos, o
homem aprende a conhecer os artigos da Lei. É assim que, pagando
pela desobediência, se aprende a arte de obedecer. Desse modo a Lei,
duplamente sábia, compensa a loucura do homem, impelindo-o,
apesar de tudo, a realizar a própria evolução. E quanto, mais o
homem, na sua luta contra a lei, procura escapatórias para fugir de
seu castigo, tanto mais esta o chicoteia para trazê-lo à sua ordem.
O jogo que vale para as leis humanas, que é possível enganar,
não vale para a Lei de Deus, que não se pode lograr. Nossa
ignorância pode ser tão grande que nos faça crer seja isto
possível. Mas não muda a realidade dos fatos. Quando julgamos
que fomos mesmo sabidos, conseguindo burlar a Lei e escapar
de suas sanções, explode a sua reação maior, com a tempestade
corretiva. Aprende-se, então, a lição mais salutar, a que nos
ensina que o erro maior, que se paga mais caro, é justamente o de
julgar seja possível impor-se à Lei com a força e escapar das
conseqüências da desobediência com a astúcia.
As estradas de fuga abrem-se diante de nossos olhos, amplas e
convidativas. Os ingênuos acreditam que fizeram a grande
descoberta e encontraram os atalhos da felicidade. Lançam-se a eles
aos montões, como moscas ao mel. Que convite: ganhar a bom
preço, com pequeno esforço Como resistir a isso. Mas a Lei é justa
e não admite se possa obter uma vantagem sem ser conquistada e
merecida. Essas soluções cômodas são uma ilusão; esses caminhos
fáceis que parecem conduzir à felicidade são redes de fundo sem
saída, becos cheios de dor, e para sair deles, é mister
caminhar para trás, engolindo o erro e tornando a percorrer a
íngreme subida por todo o caminho percorrido na descida fácil.
Há uma estrada que não engana e verdadeiramente resolve o
problema, sem trazer-nos sofrimentos. Mas esta é pequena,
estreita, lateral, e ninguém lhe dá importância; é íngreme e
incômoda, e não atrai os caçadores de vitória, fáceis. Termina
numa passagem muito estreita, e para entrar nela é preciso
estar nu, sem nenhuma roupagem de mentiras, despido dos enfeites das
coisas terrenas, sutil e leve, espiritualizado e livre do peso da
matéria. Aquela passagem estreita é a honestidade. Sé passam por
ela os justos, os sinceros, os obedientes à Lei. Seria possível
sair por ali sem chocar-se com as reações da Lei, mas é difícil e
ninguém pensa nisso. Para consegui-lo são necessárias
qualidades que não se tem e que são duras de conquistar;
requerem-se esforços que não são agradáveis fazer. Por isso
ninguém olha para esse lado, onde, no entanto, está o caminho de
saída a todos os sofrimentos. E são preferidas as outras
estradas, amplas e convidativas, mesmo que depois não conduzam, como
é lógico, senão ao engano. É justo, está de acordo com a
Lei, que quem quer enganar seja enganado; que quem se glorie do
saber lograr, seja logrado. Depois diz que a vida é ilusão.
Mas esta foi desejada pela psicologia de astúcia que ilude
primeiro quem acreditou poder iludir a Lei.
Quando depois, por obra de seres mais adiantados, desce do Alto
uma ética, norma de conduta que nos leva a evitar esses males, mesmo
assim o homem, como fazia com a Lei, procura todas as escapatórias
para lográ-la. O involuído primitivo não sabe responder de
outra forma. Quando, por maturidade evolutiva, falta a
consciência das próprias ações, a ética poderá impor normas
mecânicas e exteriores, mas não poderá improvisar essa
consciência. Nesse nível, a ética reduz-se então, à prática
formal daquelas normas e, realizadas elas, o indivíduo
sentir-se-á tranqüilo em sua consciência, convencido de que nada
mais se deva nem se possa fazer. Nesse nível não se pode exigir
mais que esse cumprimento formal, já que falta a sensibilidade
necessária para perceber o peso das coisas espirituais. Para chegar
a percebê-las, os imaturos as revestem de formas materiais,
procurando assim segurá-las, ao dar-lhes corpo concreto, porque
de outro modo ficariam inatingíveis, perdidas no mundo do
super-concebível. É assim que se pode chegar a uma ética formal
exterior, que os involuídos praticam de perfeita boa-fé, julgando-a
uma ética de substância, mas que não pode deixar de aparecer aos
olhos do evoluído como uma mentira e uma traição de
princípios. E no entanto não se pode culpar ninguém, porque
ninguém pode dar o que não tem, nem ser mais do que é. Não se
pode exprobrar a planta de ser planta, o animal de ser animal,
nem a qualquer criatura de só saber existir conforme as
qualidades que possui. A condenação ou o prêmio cada um o traz em
si, com a própria inferioridade ou com a própria
superioridade. Aos involuídos não se pode culpar se a vida, no
seu nível, não sabe funcionar de forma mais adiantada Na realidade
não há nenhuma vantagem em ser involuído, e quem não sabe viver
melhor, merece compaixão pela sua desgraça. Ninguém mais do que o
ignorante é vítima, e, acreditando mandar, é obrigado a
obedecer a leis que não conhece. Não é a eles mas apenas
ao evoluído consciente, que se pode pedir que compreenda o mecanismo
de seus instintos e reações, que constituem a chave de seu
comportamento, a verdadeira moral íntima que o ser sente e é
levado a viver, não lhe importando qual seja a moral oficial
que, por outros motivos sobrepostos, teve de aprender a representar,
formalmente, na prática. Só assim pode compreender-se o verdadeiro
jogo da vida, que, de modo geral, é duplo, porque a primeira coisa
que o instinto ensina ao involuído que tem de viver em regime de
guerra, é esconder suas próprias e verdadeiras intenções, como
ensina o Maquiavelismo: parecer sincero e honesto, sem o ser.
Assim, o sistema da luta, índice seguro que estabelece a
inferioridade do plano evolutivo humano, não é eliminado pela ética
para dar lugar a um regime de justiça, como se presume; mas é
apenas escondido nos subterrâneos da vida, onde a luta continua
mais exacerbada que nunca, mais sutil e astuta, e nem por isso menos
feroz. Esta é a ética verdadeira, com a qual é preciso, em
última análise, fazer as contas, a que rege o mundo e constitui a
substância de todos os problemas. Enquanto permanece no campo
teórico e, embora muito alta, não lesa interesses concretos;
enquanto não aborrece e nada custa respeitá-la, é respeitada. Se
por isso pôde formar-se e dominar uma ética feita de altas teorias
e belas práticas, sem tocar na substância da vida, porque aí a
coisa muda de figura e recrudesce a luta. Mas logo que a ética quer
tocar na realidade dos interesses tangíveis, que todos sentem, então
afloram aquelas verdades que são na prática as verdadeiras
verdades da vida, acima das belas aparências. Acaba então o
jogo das belas palavras e chega-se aos fatos. Se aparece um
interesse ou um prejuízo concreto, toca-se na realidade da
vida, que reage, e surge o verdadeiro jogo. O outro, o das belas
teorias e das exterioridades formais, pode continuar imperturbável,
pois todos sabem que não é o verdadeiro. Mas se tocarem no ventre e
no sexo, nos bens e nas satisfações materiais, todos
compreenderão que se age seriamente. Não são os problemas do
conhecimento, mas estes é que constituem os grandes problemas do
subconsciente das massas, aqueles segundo os quais caminham as
correntes da psicologia coletiva, aqueles de que mais se ocupa o
pensamento da maioria — o que estabelece a verdade dominante. Só
quando, alem das palavras e práticas convencionais, soubermos
ver esse outro recôndito pensamento escondido entre as dobras
da aparência, só então poderemos compreender a verdadeira
natureza do jogo da vida e da ética, e a verdadeira razão das ações
humanas.
A ética do mundo faz muita questão de distinguir um grupo do outro,
seja por fé, religião, partido etc., e não a distinguir honestos
de desonestos, onde quer que estejam. Isto justamente porque o maior
interesse destes últimos, que são os mais espertos, é
permanecer misturados em todos os grupos com os honestos,
que são os mais fáceis de serem subjugados.
Assim, sob outras aparências, pode fazer-se o verdadeiro jogo
da vida, que é o de vencer na luta, e pode aplicar-se a verdadeira
ética vivida, que é ética de guerra, pela qual os mais fortes e
astutos podem atingir os altos postos, dominando os mais fracos e
simples. Eis a verdadeira ética, que vigora sob as aparências da
moral oficial, ética que oferece a palma do vencedor a quem
souber fazer o jogo da vida as expensas de quem não sabe fazê-lo.
Essa é a verdadeira face da verdade na terra. O honesto faz todas as
despesas e parece injustiça. Mas nem tudo acaba aí. Os melhores são
expulsos do ambiente da terra, o que constitui, em última análise,
uma grande vantagem para eles, pois lhes permite tornar-se
cidadãos de mundos mais evoluídos, enquanto os piores, que se
acreditam vencedores, continuam empilhados no pântano terrestre,
para agredir-se mutuamente, segundo seu instinto de luta, fazendo
assim com as próprias mãos o seu inferno. Saber triunfar no mundo,
pela força ou pela astúcia é, na verdade, o maior prejuízo,
porque significa fazer parte de planos inferiores de vida e ser
condenado a permanecer aí, suportando todos os seus males E eis
que, em última análise, quem vence na vida é a justiça de Deus,
pela qual cada um volta segundo o seu lugar e merecimento. Quem
acredita chegar em melhor situação que antes, por seguir vias
transversas, na realidade, chega em pior condição. Quem pratica o
mal, acreditando com isso vencer, faz mal na realidade a si mesmo e
perde, devendo ainda por cima pagar o próprio dano. Só a
ignorância do involuído pode acreditar seja possível tal
absurdo uma derrota para Deus, pela impotência de sua Lei de justiça
ou que Ele pudesse ser vencido pela prepotência ou pela astúcia
da criatura.
* * *
A pior moral é a de não acreditar no que se prega e,
consequentemente, não o praticar. Com isto se engana a Deus,
incorrendo-se em culpa, e a nós mesmos acarretando prejuízo. A
hipocrisia é a pior conclusão de todas as morais. Então os mestres
ensinam e os discípulos ouvem, mas na realidade tudo se faz por
outras razões. Pode formar-se um acordo tácito, porque de ambas as
partes se sabe que a vida é outra coisa. Os primeiros partem o pão
da verdade, os segundos o aceitam segundo as regras estabelecidas, e
tudo fica na mesma. Respeita-se a tradição, acredita-se no que se
deve, cumprem-se as práticas regulamentares A Que mais pode
exigir-se? Todos sabem por experiência própria que a vida, na
realidade, é bem diferente da teoria que se prega, e, na
prática, domina outra verdade, pela qual não é o melhor, e
sim o mais forte que vence. E desta verdade não se fala, porque é
muito mais honroso aparentar-se um ser superior, cheio de qualidades
nobres. Assim os ideais na terra podem oferecer uma utilidade na
prática. Podem conciliar-se as duas exigências opostas, ou seja,
salvar o espírito, continuando a praticar a outra lei do mundo.
A culpa não cabe toda aos dirigentes. Sendo a minoria, tiveram que
adaptar-se à maioria, que representa o maior impulso. A maioria
suporta de má vontade os moralistas, procurando expulsá-los, e
não os suportaria de modo algum se eles quisessem agir de
verdade. Durante séculos realizou-se, assim, a seleção dos
que perturbam menos, por terem achado a fórmula da convivência,
resolvendo o difícil problema por meio de acomodações. Nem isto
constitui toda a culpa. Se pode parecer traição de princípios,
este é o único modo que torna possível certa dose percentual de
sua aplicação, que em sua totalidade seria impossível num
mundo assim. Desta forma, uma parte da conduta humana está entregue
à hipocrisia. Mas que fazer, se a realidade da vida na terra está
nos antípodas dos ideais?
As próprias religiões partem do princípio de que o mundo é
composto de pecadores. As leis civis também partem do
pressuposto de desonestidade do cidadão, e ao lado de cada
norma colocam de imediato o castigo pelo não-cumprimento. O ponto de
partida é sempre a presunção de que se trata de um rebelde, cuja
vontade de desobediência é admitida implicitamente e presumida
a priori. Tudo isto é a conseqüência lógica da lei que vigora no
plano biológico humano, lei de luta de todos contra todos, baseado
no ataque e na defesa. Se existem essas presunções, porque a
maioria dos indivíduos é feita efetivamente de pecadores e de
cidadãos que gostariam de não obedecer. Eles são, portanto,
proporcionais a tal pressuposto e relativo tratamento, são
adequados a tal mundo e selecionados na arte de defender-se, o
que é indispensável à sua sobrevivência. Prova-o o fato de
que estes, se não são como se presume que sejam — isto é,
se são verdadeiramente bons e honestos — são rapidamente
liquidados na realidade. Quaisquer que sejam os princípios
teoricamente proclamados, a lei vigorante, de fato, é a da luta, do
ataque e da defesa, pela qual a reação do indivíduo contra
qualquer autoridade pode explicar-se com o instinto, como legítima
defesa, provocada pelo fato de que, quem tem em mãos o poder,
costuma usá-lo para vantagem própria ou da classe, e não como
uma função social para o bem de todos. Jamais se poderá impedir
que a vida reaja em defesa própria, ao sentir-se atacada em
qualquer ser. Reaparece aqui o conceito já desenvolvido, da
reciprocidade das posições entre autoridade e dependentes, que
não podem deixar de influenciar-se mutuamente; e o conceito
de que não se podem alegar direitos, se antes não se cumpriram
todos os deveres próprios, em relação àqueles de quem se reclama.
Mas se esta é a nova moral, a atual move-se ainda num terreno de
luta. Então as condenadas acomodações, que escandalizam
porque propiciam o não-cumprimento dos deveres, podem
aparecer-nos sob uma luz diferente, e serem justificados diante
da sabedoria da vida que as permite. Isto aconteceria, de fato,
porque elas cumprem biologicamente uma função útil, isto é,
a de tornar possível uma convivência relativamente pacífica
num ambiente de lutas, o que é utilíssimo para dar tempo a que o
novo seja assimilado e a que a evolução possa amadurecer, para
subir mais um pouco
Contra todas as morais, persiste o fato de que a vida humana é um
contínuo estado de guerra. Esta é o estado normal, ao passo que o
de paz é constituído de intervalos, necessários para preparar
outra guerra. O que mais liga os homens pela amizade, a força de
amor que mais os une, é o ódio contra um inimigo comum. Então os
inimigos se abraçam, mas só para que unidos possam vencer o outro.
Se a mentira floresce, é porque na guerra ela é útil. Pode
convir mostrar-se bons, porque assim se atrai a estima e a
confiança e, com a veste do cordeiro, pode melhor desarmar-se o
próximo e obter-se mais. As virtudes podem tornar-se ótima astúcia
de guerra, para enganar e assim vencer o inimigo. Desse estado
não nasce uma ética única que irmana e une, mas uma ética
de agressão e uma de defesa, conforme se pertença à classe
dos deserdados ou à dos já poderosos. Cada um forja para si a
própria moral, segundo seus interesses e posição social, e muda
essa moral ao mudar sua posição. Há a moral dos vencedores e a dos
vencidos, a moral dos ricos e a dos pobres. Mas quando estes se
tornam ricos, e penetram nas altas classes sociais, assumem a
psicologia delas, os costumes e a ética respectiva.
Esta luta se desenrola sub-reptícia, escondida sob as aparências
obrigatórias de paz e amor, é a substância da vida humana na
terra. A moral, em sentido lato, torna-se um meio para enganar os
simples que acreditam nas aparências. Infelizmente, dado
que no plano humano a vida tende à seleção do mais forte e astuto,
isto não poderá terminar enquanto o biótipo do ingênuo não
for eliminado. Se psicologicamente ele é um fraco, que pode fazer a
vida — segundo a lógica da lei vigente no nível terreno — senão
procurar liquidar esse biótipo, se ele não souber evoluir
conquistando inteligência? Aqui estamos ainda nos primeiros degraus
desta, e tudo consiste em astúcias de guerra. No entanto é
necessário percorrê-los, para chegar aos superiores, nos quais
se compreenderá a estupidez da guerra e de suas astúcias.
Entretanto, enquanto os ingênuos não aprenderem, nada mais lhe
resta senão servir de pedestal aos astutos que sabem emergir,
escapando às sanções das leis humanas, que ficam reservadas
aos simples que não sabem defender-se. Isto é injusto e horrível.
Mas, dados os princípios segundo os quais funciona a vida no plano
animal-humano, não podemos ter resultados diferentes.
Não pode negar-se que seja bela a moral que o mundo apresenta na
vitrine. Em teoria tudo é excelente. Mas seria mister que ela
conseguisse fazer o homem subir a um plano superior de vida, onde
essa teoria se tornasse prática. Resta a realidade biológica, pela
qual o homem vive num nível que não satisfaz o seu ideal. Então,
num ambiente de luta, é natural que os princípios superiores
fiquem torcidos e invertidos, se tudo, ou quase, existe nesse
ambiente em função da luta. Fala-se muito de bens espirituais, mas
o que vale na terra são os bens materiais, tanto que, para ser
compreendido o valor espiritual do homem superior, é necessário que
ele seja demonstrado exteriormente pela riqueza de um monumento
ou de um templo, se ele morreu, ou de alta posição social, se
está vivo. Se Cristo aparecesse hoje na terra, sem nenhum apanágio
terreno, talvez ninguém o percebesse. O homem comum carece de
um sentido próprio para julgar as coisas superiores e só adquire
por imitação o julgamento que o mandam repetir e que circula pela
maioria.
Encerremos este assunto com uma anedota significativa, que
resume vários conceitos já expostos. Um missionário que se achava
na África, para civilizar os selvagens, explicara com cuidado a um
grupo deles o sentido do bem e do mal, para fazer nascer neles o
senso moral, base do cristianismo. Para assegurar-se de que havia
ensinado bem e que tinha sido compreendido, tomou à parte um dos
mais inteligentes e perguntou-lhe: "diga-me então o que é o
bem e o mal".
O selvagem pensou algum tempo, e depois formulou claramente a
sua resposta: "mal é quando o vizinho rouba a minha vaca".
O missionário aprovou. Sem dúvida, roubar é mal, e o ato é
moralmente reprovável. E acrescentou: "E o bem, que é?"
O selvagem respondeu muito depressa, convictamente: "Bem é
quando eu consigo roubar a vaca do meu vizinho".
Que vergonha diz, a essa resposta, o homem civilizado, que
certamente não teria respondido assim, porque conhece o conceito de
bem e de mal. Mas, por que o civilizado não a teria dado? Certamente
não seria porque não estivesse convencido de que o selvagem,
do ponto de vista individual, tivesse perfeitamente razão. O
africano respondeu assim porque era um simples e falava com a
ingenuidade do primitivo, que ainda não sabe esconder o próprio
pensamento. Então a diferença está apenas no fato de que o
homem civilizado — que bem gostaria de fazer como o selvagem —
já aprendeu a não dizer o que lhe atrairia as sanções da lei e a
condenação do próximo. A diferença não está no fato que o
civilizado pense diversamente do selvagem — tanto que o
imitaria de boa-vontade — se o próximo lesado, organizado em
sociedade, não o fizesse pagar por isso, anulando a
indiscutível vantagem dessa ação.
O utilitarista, mais refinado, compreendeu que e muito mais fácil
buscar o próprio interesse sem dizê-lo, isto é, sem descobrir os
próprios planos, revelando a sua estratégia de guerra. Então,
a habilidade pode consistir em esconder, e a virtude em falsear, ao
invés de dizer a verdade. Nesse caso, a culpa do selvagem seria a
sua ingenuidade, que o civilizado não lhe perdoaria porque não a
possui, já que se está mais pronto a condenar as culpas que não se
tem, do que as que se tem. Estamos num ambiente de luta e não
pode impedir-se que tudo exista em função desta. É natural que os
ideais também sejam utilizados para esse fim, sendo
transformados num manto de hipocrisia, para melhor enganar o próximo.
Se esta está tão espalhada na terra, deve haver uma razão; é que
nesse plano de vida, ela pode ser vantajosa, ao passo que, nos
planos mais evoluídos ela não é praticada porque é
contraproducente. Assim, na terra, a sinceridade pode ser julgada
ingenuidade de tolo, inábil para a luta. Acontece, pois, que na
prática, a culpa que mais se condena não é a mentira, mas o
fato de ser tão tolo que se deixe descobrir a mentira; não é não
ter defeitos, mas o não saber escondê-los, mostrando assim o ponto
vulnerável onde se pode ser derrotado. Pelo involuído plano
biológico em que isto ocorre, não se trata de maldade, mas de
afloramentos do subconsciente animal na luta para sobreviver.
Acha-se o homem numa fase de transição entre a animalidade e a
espiritualidade. É natural que, em seu mundo, a teoria que se prega
da moral, da bondade e justiça, se ache em contraste com a
prática, da moral de força e astúcia. Com efeito, o que mais se
pune é o erro de deixar-se apanhar em erro. As leis humanas não
punem quem seja tão hábil que não se deixe apanhar. A verdadeira
justiça é só aquela da qual não se pode fugir, como a justiça de
Deus. A humana é uma luta entre legislador e réu, entre acusador e
acusado, entre juiz e julgado e ao contrário, na qual vence o mais
forte e o mais hábil. Na prática, o maior valor do indivíduo não
consiste naquilo que é proclamado em teoria, ou seja, em obedecer à
lei, mas na habilidade de saber escapar dela. Lógico que num
ambiente de luta, onde reina o culto da força, seja fraqueza
obedecer, e valor o rebelar-se.
Como pode uma moral ideal, feita para um mundo orgânico de
ordem, ao qual ela quer levar o nosso mundo humano por meio da
evolução, não ser invertida neste, que é um mundo caótico,
feito de competições? Em nosso ambiente humano, como no caso do
selvagem acima narrado, o bem e o mal são concebidos apenas em
função do próprio eu, ignorando o próximo (o bem é a utilidade
própria, o mal o prejuízo próprio); ao passo que no plano
superior ao qual pertence a moral oficial, o bem e o mal são
concebidos em função de toda a coletividade, levando-se em conta o
próximo (mesmo o bem alheio é utilidade própria, e o prejuízo
alheio é um prejuízo próprio). Também o desenvolvimento mental,
nos dois planos ocorre em sentido diverso. Em nosso mundo a
inteligência mais apreciada é a que dá fruto imediato na luta, a
que serve para. vencer, e não a especulativa, que procura o
conhecimento e leva à consciência da Lei. Quem a possui é
considerado em geral um homem que vive nas nuvens, um simples
que não conhece a realidade prática da vida. Esta exige
astúcias para resolver os problemas imediatos e não sabedoria
que resolva problemas altos e distantes, sabedoria que não
oferece nenhuma utilidade imediata para a defesa da vida.
O estudo de u'a moral positiva, racionalmente demonstrada, presa aos
princípios da vida, não podia deixar de revelar-nos também
esses seus lados negativos. Tínhamos que analisá-los
imparcialmente, para compreender a realidade em toda a sua
amplitude. Fizemo-lo para explicar o nosso mundo e compreendê-lo
em muitos de seus aspectos, não para condenar, o que é inútil,
já que não modifica nada e não é útil a ninguém, gerando apenas
reações. A condenação está em nossas dores. Neste livro, ao
invés dos problemas altos e distantes que tratamos nos outros, nós
estudamos a realidade de nosso mundo, tal qual é. Não devemos
escandalizar-nos com essa realidade, que tem suas razões biológicas
de existir sob essa forma. Cobrir tudo com belas aparências é
o que menos serve para curar o mal. Ter visto claro, quer as razões
pelas quais tudo isto existe, quer a grande vantagem de
melhorar-nos, pode ser um meio de levar-nos ao bem. Os fatos são
fatos. Não podem ser mudados mesmo se forem escondidos, nem pode
impedir-se que produzam os seus efeitos.
Não é esta hora de sentar-nos à beira da estrada, dando-nos
como vencidos. Certamente a salvação está nas mãos de Deus,
mas o homem deve contribuir com todo o esforço para a sua salvação.
Não devemos concluir com o desencorajamento e o pessimismo. Assim
como o presente superou o passado, que era pior, assim como um
futuro melhor superará o presente. Vimos que ninguém jamais
poderá deter a grande marcha ascensional da evolução,
dirigida aos objetivos supremos. Onde tudo evolui, também a moral
não pode deixar de evoluir. E assim que um dia teremos de chegar à
realização vivida da ética ideal, que hoje, na terra, luta para
levar o homem a um plano superior de vida, em que triunfará a
nova civilização do espírito.
Transcrito do livro
"Evolução e Evangelho" - por Pietro Ubaldi.