Correspondência inédita de Laváter
PREÂMBULO
No
castelo grão-ducal de Pawlowsk, situado a vinte e quatro milhas de
Petersburgo, onde o Imperador Paulo da Rússia passou os anos mais
felizes da sua vida e que se tornou depois à residência favorita da
Imperatriz Maria, sua augusta viúva, verdadeira benfeitora da
Humanidade que sofre, acha-se uma seleta biblioteca, fundada por
esses imperantes, na qual, entre muitos tesouros científicos e
literários, encontra-se também um maço de cartas autógrafas de
Laváter, que ficaram desconhecidas dos biógrafos do célebre
fisiognomonista.
Essas
cartas são datadas de 1798 e procedentes de Zurique. Dezesseis anos
antes, em Zurique e em Schaffhouse, Laváter teve ocasião de ser
apresentado ao Conde e à Condessa do Norte (é este o título sob o
qual o Grão-Duque da Rússia e sua esposa viajavam então pela
Europa), e, de 1796 a 1800, ele dirigiu à Imperatriz Maria algumas
cartas sobre os traços fisionômicos, e bem assim algumas outras
sobre o futuro reservado à alma depois da morte.
Nessas
cartas Laváter estabelece que a alma, depois de deixar o corpo, pode
inspirar idéias a qualquer pessoa que esteja apta para receber-lhe à
luz, e assim fazer-se comunicar por escrito a algum amigo que
houvesse deixado na Terra, a fim de lhe dar suas instruções.
Essas
cartas inéditas de Laváter foram descobertas apôs uma revisão que
o Doutor Minzloff, diretor da biblioteca imperial de Petersburgo, ali
fez. Com a autorização do proprietário atual do castelo de
Pawlowsk, sua alteza imperial o Grão-Duque Constantino, e sob os
auspícios do Barão de Korff, atualmente conselheiro do império e
antigo diretor-chefe da biblioteca desse castelo, que lhe deve os
seus mais notáveis melhoramentos, essas cartas foram em 1858
publicadas em Petersburgo, sob o título: Johann-Kaspar Lavater's
briefe, an die kaisserin Maria Feodorawna gemahlin kaisser Paul I Von
Russland (cartas de João Gaspar Laváter à Imperatriz Maria
Féodorawna, esposa do Imperador Paulo I da Rússia). Essa obra foi
editada à custa da biblioteca imperial e oferecida em homenagem à
Universidade de Iena, por ocasião do terceiro centenário da sua
fundação.
A correspondência oferece um duplo interesse, por causa da alta
posição das personagens às quais foi dirigida, e pela
especialidade do assunto. As idéias expressas por Laváter sobre o
estado da alma depois da morte aproximam-se muito das que foram
emitidas pelos teósofos do seu tempo, seita essa que era abraçada
por grande número de homens esclarecidos; sua concordância com a
doutrina espírita moderna é um fato digno de nota.
Essas
cartas provam que a crença nas relações entre o mundo material e o
mundo espiritual germinava na Europa desde o fim do século XVIII, e
que não somente esse célebre filósofo alemão estava convencido
dessas relações, mas também (os próprios termos da sua
correspondência não permitem duvidar) que tais idéias fossem
partilhadas pelo imperador e pela imperatriz, pois, expondo-as,
Laváter não fazia mais do que atender ao desejo que eles haviam
manifestado.
Seja
qual for à opinião que se forme sobre essa correspondência, ela
não deixa de ser muito interessante, mesmo somente do ponto de vista
histórico.
As
cartas vão simultaneamente acompanhadas de notas, inseridas por nós
como explicação complementar às idéias nelas emitidas, e que,
aliás, estão em concordância com a doutrina espírita, que
apareceu ou foi compilada muito depois dessa época.
PRIMEIRA
CARTA
Sobre
o estado da alma depois da morte
IDÉIAS
GERAIS
Muito
veneranda Maria, da Rússia.
Dignai-vos
permitir-me a liberdade de não vos dar o título de Majestade, que
vos é devido pelo mundo, mas que não se harmoniza com a santidade
do assunto sobre o qual desejastes ouvir-me, a fim de eu poder
escrever-vos com franqueza e sinceridade.
Desejais
conhecer algumas das minhas idéias sobre o estado das almas depois
da morte.
Apesar do pouco que é dado ao mais douto conhecer de tal assunto,
apesar de nenhum dos que têm partido para essa região (1) ignota,
ter jamais voltado, o homem pensador, o discípulo dAquele que desceu
até nós, pode, entretanto, dizer quanto é necessário para termos
coragem, tranqüilidade e podermos refletir.
Desta
vez limitar-me-ei a idéias gerais.
Penso
que deve existir grande diferença entre o estado, a maneira de
sentir e de pensar de uma alma separada do seu corpo material, e o
estado em que se achava quando a ele ligada. Essa diferença deve ser
tal, pelo menos, qual a que existe entre uma criança recém-nascida
e o feto ainda no seio materno. (2 )
Ligados
estamos à matéria, e é pelos órgãos desta que a alma recebe as
percepções e o entendimento.
A
diferença na construção dos telescópios, dos microscópios e dos
óculos comuns, faz que os objetos, que por meio deles vemos, nos
apareçam sob formas diferentes.
Nossos
sentidos são os telescópios, os microscópios e os óculos
necessários à nossa vida material.
Penso que o mundo visível deve ser perfeitamente penetrável para a
alma separada do corpo, assim como ele o é durante o sono, ou por
outra, o mundo em que a alma estava durante sua existência corpórea,
deve aparecer-lhe sob outro aspecto, quando ela se desmaterializa.
Se, durante algum tempo, a alma pudesse estar sem corpo, o mundo
material não existiria para ela. Se, porém, imediatamente depois de
haver deixado o corpo, ela se reveste de um corpo espiritual (3),
extraído do seu corpo material (o que me parece muito verossímil),
o novo corpo dar-lhe-á, forçosamente, uma diferente percepção das
coisas.
Se,
como pode suceder às almas impuras, o novo corpo permanecesse
durante algum tempo imperfeito e pouco desenvolvido, todo o Universo
apareceria à alma em estado confuso e turvo, como se fosse através
de um nevoeiro. (4)
Se,
porém, o corpo espiritual, o condutor, o intermediário de suas
novas impressões, for ou vier a ser mais aperfeiçoado ou mais bem
organizado, o mundo da alma lhe aparecerá mais belo e regular, de
acordo sempre com a natureza ou as qualidades de seus novos órgãos
e com o grau de sua perfeição.
Os
órgãos se simplificam, adquirem entre si harmonia e são mais
apropriados à natureza, caráter, necessidades e forças da alma, à
medida que esta se concentra, se enriquece e se purifica no mundo
material, visando um único objetivo e obrando num determinado
sentido.
A
alma aperfeiçoa em sua existência material as qualidades do corpo
espiritual, veículo este com que continuará a existir depois da
morte do corpo material, e pelo qual conceberá, sentirá e obrará
em sua nova existência. (5 )
Esse
novo corpo, apropriado à sua natureza íntima, fará a alma mais
pura e amante, mais viva e apta às belas sensações, impressões,
contemplações, ações e gozos.
Tudo
o que se pode, e tudo o que alias não se pode ainda dizer sobre o
estado da alma depois da morte, será sempre fundado neste axioma
permanente e geral: o homem colhe o que houver plantado. (6)
Difícil
seria encontrar um princípio mais simples, mais claro, mais
abundante e próprio para ser aplicado a todos os casos possíveis.
Existe
uma lei geral da Natureza, estreitamente ligada e mesmo identificada
com o princípio que acabo de mencionar, relativamente ao estado da
alma depois da morte, uma lei que rege todos os mundos e todas as
condições possíveis, tanto no mundo visível, como invisível, a
saber: - tudo o que se assemelha tende a reunir-se, tudo o que é
idêntico se atrai reciprocamente, desde que não haja obstáculos
que se oponham a essa união. Toda a doutrina sobre o estado da alma
depois da morte baseia-se neste princípio: - tudo o que vulgarmente
chamamos juízo prévio, compensação, felicidade suprema,
condenação, pode ser explicado deste modo: - se tiveres semeado o
bem em ti mesmo e nos outros, fora de ti, pertencerás à sociedade
daqueles que, como tu, semearam o bem em si e fora de si; gozarás a
estima daqueles a quem te assemelhaste na maneira de fazer o bem.
Cada alma, separada do seu corpo, livre das prisões da matéria, se
apresenta a si própria tal como é na realidade. (7)
Todas
as ilusões, todas as seduções que a impediam de ver e reconhecer
suas forças, suas fraquezas ou suas faltas desaparecerão nesse novo
estado. Assim, ela manifestará irresistível tendência a dirigir-se
para as almas que lhe estão em afinidade e a afastar-se das que lhe
são dessemelhantes. Seu peso intrínseco, como que obedecendo à lei
de gravitação, atrai-la-á aos abismos insondáveis (ao menos isso
assim lhe parece), ou, segundo o seu grau de força, lança-la-á,
qual chispa por sua ligeireza, aos ares e ela passará rapidamente às
regiões luminosas, fluídicas, etéreas.
A
alma, por seu senso íntimo, conhece o seu próprio peso e é este,
ou seu estado de progresso, que a impele para diante, para trás ou
para os lados, e seu caráter moral ou religioso é que lhe inspira
certas tendências particulares.
O
bom Espírito elevar-se-á para os bons; será atraído para eles em
virtude da necessidade que sente do bem.
O
perverso ou mal será forçosamente empurrado (8) para os perversos
ou maus. A descida precipitada das almas grosseiras, imorais e
irreligiosas para as que se lhes assemelham, será tão rápida e
inevitável como a queda do junco num abismo onde nada o detém.
Basta
por hoje.
Zurique,
14 de agosto de 1796.
João
Gaspar Laváter
(Com
a permissão de Deus, escrever-vos-ei sobre este assunto, de oito em
oito dias.)
SEGUNDA
CARTA
As
necessidades experimentadas pelo Espírito durante o seu desterro no
corpo material, ele continua a senti-Ias depois de o abandonar. (9)
A
felicidade para ele consistirá na satisfação dessas necessidades;
a condenação resulta da impossibilidade de satisfazer seus apetites
carnais no mundo espiritual, onde então se acha.
Tais
necessidades constituem-lhe uma condenação, pois somente ficaria
satisfeita se pudesse saciá-las.
Eu
quisera poder dizer a toda a gente: analisa o caráter de tuas
necessidades, dá-lhes o verdadeiro nome, e depois pergunta a ti
mesmo: serão tais vícios admissíveis no mundo espiritual? Podem
achar em tal mundo sua legítima satisfação? E, caso possam ser aí
saciados, serão eles, porventura, daqueles que o Espírito imortal
não sinta profunda vergonha em confessar honrosamente que os tem e
deseja satisfazê-los à face dos outros seres espirituais e imortais
como ele?
A
necessidade de satisfazer aspirações espirituais de outras almas
imortais, de procurar os puros gozos da existência, de inspirar a
certeza da continuação da vida depois da morte, de cooperar, por
esse meio, no grande plano da sabedoria e do amor supremos, o
progresso adquirido por essa nobre atividade, tão digna como o
desejo desinteressado do bem, permitem às almas a aptidão e o
direito de serem recebidas nos grupos ou círculos de Espíritos os
mais elevados, os mais puros, os mais santos.
Quando
tivermos, ó veneranda senhora, a íntima persuasão de que a
necessidade mais natural que pode nascer numa alma imortal é a de
aproximar-se cada vez mais de Deus e de assemelhar-se ao Pai de todas
as criaturas, quando essa necessidade predominar em nós, oh! então
nenhum receio deveremos nutrir a respeito do nosso futuro, ao
ficarmos despojados do corpo, essa espessa muralha que nos oculta o
Criador.
Esse
corpo material que nos separa dEle, será decomposto e o véu que nos
tolhia a vista do mais Santo dos santos, será rasgado. o ser
adorável, a quem amávamos sobre todas as coisas, terá então, com
suas esplendorosas graças, livre entrada em nossa alma, sedenta
dEle, e que então o receberá com alegria e amor.
Desde
que o amor de Deus seja o maior de nossa alma, esta, por obra dos
esforços empregados para se aproximar e se assemelhar a Ele em seu
amor vivificante da Humanidade, essa alma, desembaraçada do seu
corpo, passando sucessivamente por muitos graus para aperfeiçoar-se
cada vez mais, subirá com assombrosa velocidade até ao objeto de
sua mais profunda veneração e de seu amor ilimitado, até ao
inesgotável manancial, único que poderá satisfazer todas as
necessidades e aspirações.
Nenhuma
vista débil, enferma ou coberta de névoa, poderá fixar-se no Sol;
do mesmo modo, nenhum Espírito impuro envolto na névoa formada por
uma vida exclusivamente material, poderá, embora libertado do corpo,
suportar a vista do mais puro sol dos Espíritos em sua esplendorosa
luz, não poderá ver esse foco de que partem raios de luz e de
sentimentos infinitos, que penetram todos os recessos da criação.
Quem
melhor do que vós, senhora, sabe que os bons são atraídos para os
bons? Que só as almas elevadas sabem gozar da presença de outras
almas delicadas?
Quem
for conhecedor da vida e dos homens, esse que muitas vezes se tem
encontrado na sociedade com aduladores pouco recatados, com
efeminados e pessoas sem caráter, pressurosas sempre em fazer
sobressair à palavra mais insignificante, a menor alusão, para
mendigarem favores, quem conhecer os hipócritas que buscam
cuidadosamente penetrar o pensamento dos outros para interpretá-los
em sentido contrário ao verdadeiro; esse homem superior, digo, deve
saber como e quanto essas almas vis e escravas se sentem subitamente
feridas e trespassadas por uma simples palavra pronunciada com
firmeza e dignidade, e como ficam elas confundidas ante um. olhar
severo que lhes faça sentir que são conhecidas e julgadas pelo seu
justo valor.
Quão
penoso lhes é então suportar a presença de um homem honrado!
Nenhuma
alma vil e hipócrita pode sentir-se bem ao contacto de uma alma
nobre e enérgica, que lhe penetrou os sentimentos.
A
alma impura, que deixou o corpo, deve, por sua natureza íntima, como
que atuada por força oculta e invencível, fugir à presença de
todo ser puro e luminoso, a fim de lhe ocultar, tanto quanto for
possível, as imperfeições que não pode esconder a si e às suas
iguais.
Ainda
que não estivesse escrito: "ninguém poderá ver o Senhor sem
estar purificado", esta idéia permanece na ordem natural das
coisas.
Uma
alma impura está naturalmente colocada em condições de não poder
entreter relações com uma alma pura, e mesmo de não poder ter
simpatia por ela.
Uma
alma que teme a luz não pode, pela mesma razão, ser atraída para o
manancial da luz. A claridade sem mescla de trevas deve abrasá-la
como um fogo devorador.
E
quais são, senhora, as almas a que chamamos impuras? Creio que são
aquelas em quem nunca despontou o desejo de purificar-se, de
corrigir-se, de aperfeiçoar-se. Creio que são aquelas que jamais se
curvaram ao elevado princípio do desinteresse, aquelas que se
constituíram o centro único de todos os seus desejos e de todas as
suas idéias, aquelas que se consideram o objetivo de tudo o que
existe e que somente procuram o meio de satisfazer suas paixões e
seus sentidos, aquelas, enfim, em quem dominam o orgulho, o egoísmo,
o amor-próprio, o interesse pessoal e querem, ao mesmo tempo, servir
a dois senhores que se contradizem.
Semelhantes
almas devem encontrar-se, depois da sua separação do corpo, segundo
me parece, no miserando estado de uma horrível contemplação de si
mesmas, ou, o que vale o mesmo, sentem reciprocamente um profundo
desprezo por si, e serão arrastadas por uma força irresistível
para a esmagadora sociedade de outras almas egoístas. (10)
O
egoísmo, pois, é que produz a impureza da alma e acarreta o
sofrimento.
O
egoísmo é combatido por alguma coisa de puro e divino que existe na
alma: - o sentimento moral.
Sem
esse sentimento, o homem seria incapaz de qualquer gozo moral, da
estima ou do desprezo de si mesmo, da esperança ou do temor da vida
futura. Essa luz divina é que lhe faz insuportável toda a
obscuridade que existe em si, e eis aí a razão pela qual as almas
delicadas, que possuem o senso moral, sofrem cruelmente, quando o
egoísmo se apodera delas e as domina.
Da
concordância e da harmonia que se estabelece no homem, entre ele
mesmo e sua lei íntima, dependem sua pureza, sua aptidão para
receber a luz, sua ventura, seu céu e seu Deus, que então lhe
aparece assemelhando-se a ele próprio.
Aquele
que sabe amar, Deus aparece como o supremo amor sob mil formas
amantes (11), e seu grau de felicidade ou de aptidão para fazer
ditosos aos outros, são proporcionais ao princípio de amor que ele
sente.
Aquele
que ama sem interesse, vive em harmonia com o manancial de todo o
amor, e com todos os que nele bebem.
Procuremos,
pois, senhora, conservar em nós o amor em toda a sua pureza, e
seremos sempre atraídos para as almas amorosas.
Purifiquemo-nos
progressivamente das máculas do egoísmo, porque, quando tenhamos de
abandonar este mundo, devolvendo a terra nosso invólucro mortal,
nossa alma tomará seu vôo com a velocidade do raio, até alcançar
o modelo de todos os que amam e unir-se a ele com inefável alegria.
Nenhum de nós pode saber qual será a sorte da alma depois da
morte do corpo; entretanto, estou plenamente convencido de que,
depois de rotos os laços da matéria, o amor purificado deve
necessariamente dar ao nosso Espírito uma existência feliz, um gozo
contínuo de Deus e um poder ilimitado para fazer ditosos todos os
que são aptos para a felicidade.
Oh!
quão incomparável é a liberdade moral do Espírito despojado do
corpo! Com que ligeireza o Espírito do bem, rodeado de clara luz,
efetua a sua ascensão! A ciência e o poder de comunicar com os
outros são seu patrimônio! Que luz emite de si! Que vida se irradia
de todo o seu ser!
As
mais límpidas claridades aparecem de todos os lados, a fim de
satisfazerem suas necessidades mais puras e elevadas! Legiões
numerosas de bons Espíritos o recebem em seu seio. Vozes
harmoniosas, radiantes de amor e de alegria lhe dizem: Espírito de
nosso Espírito, coração de nosso coração, amor saído da fonte
de todo o amor, alma do bem, tu nos pertences e nós somos teus! Cada
um de nós te pertence, e tu pertences a cada um de nós. Deus é
amor e está conosco. Somos cheios da Divindade e o amor encontra sua
felicidade na felicidade de todos.
Desejo
ardentemente, venerada senhora, que vós e vosso nobre e generoso
esposo, o imperador, tão inclinados um e outro ao bem, possais, do
mesmo modo que eu, nunca ser estranhos ao amor que é Deus, e homem
ao mesmo tempo, e que seja concedido nos purificarmos por nossas
obras, nossas orações e nossos sofrimentos, acercando-nos mais e
mais dAquele que se deixou elevar na cruz do Gólgota.
Zurique,
18 de agosto de 1798.
João
Gaspar Laváter
(Brevemente
recebereis minha terceira carta.)
TERCEIRA
CARTA
Veneranda
senhora.
Despojado
do corpo, cada Espírito será afetado pelo mundo exterior de um modo
correspondente ao seu estado de adiantamento, isto é, tudo lhe
aparecerá tal qual ele é em si mesmo.
Tudo
parecerá bom à alma boa, o mal só existirá para as almas
perversas. Os bons Espíritos se acercarão das almas bondosas, os
maus atrairão a si as naturezas ruins. Cada alma se refletirá nas
que se lhe assemelham.
O
bom Espírito torna-se melhor e será recebido no circulo dos seres
que lhe são superiores. O santo far-se-á mais santo, pela simples
contemplação de
Espíritos
mais puros e santos do que ele. O Espírito amante aumentará ainda
em amor.
Do mesmo modo, o perverso far-se-á ainda pior (12), pelo
simples contacto de outros seres inclinados ao mal.
Se,
mesmo na Terra, nada há mais contagioso do que a virtude e o vício,
que o amor e o ódio; da mesma forma, além-túmulo, toda perfeição
moral ou religiosa, todo sentimento imoral ou irreligioso devem,
necessariamente, fazer-se mais e mais atraentes.
Vós,
virtuosa senhora, sereis toda amor no círculo das almas benévolas.
Quanto a mim, o que me sobrar de egoísmo, de amor-próprio, de falta
de energia para tornar conhecido o reino e os desígnios de Deus,
será abafado pelo sentimento do amor, se este em mim predominar, e
assim me purificarei cada vez mais pela presença e contacto de
Espíritos puros e amorosos.
Purificando-nos
pelo instinto do amor, que desde a vida terrena vai exercendo sua
ação, purificando-nos ainda mais pelo contacto e pela irradiação
de Espíritos puros e elevados, nos prepararemos gradualmente para
suportar à vista direta do perfeito Amor, que não nos deslumbrará
então, nem impedirá de o gozarmos em toda a sua plenitude.
Mas,
como poderia um simples mortal fazer uma idéia da contemplação
desse amor personificado? E tu, caridade inesgotável! como poderias
aproximar-te de quem bebe em ti o amor, sem que por esse fato
ficássemos aniquilados ou deslumbrados?
Creio
que, a princípio, o amor se manifestará invisivelmente ou sob uma
forma desconhecida.
Não é assim que tem sempre sucedido? Quem mais invisivelmente amou
do que Jesus? Quem melhor do que ele sabia representar a
individualidade incompreensível do desconhecido? Quem poderia saber
tomar formas melhor apropriadas? E ele podia fazer-se conhecer melhor
do que ninguém, ou mesmo, mais do que nenhum outro Espírito
imortal!
Ele, o adorado de todos os céus, veio sob a forma de modesto
trabalhador, e conservou-se, até à morte, na individualidade de um
nazareno. Logo após a ressurreição, Jesus se revelou primeiramente
sob uma forma desconhecida, e, só depois de algum tempo, é que se
mostrou de um modo mais evidente. Creio que ele conservará sempre
esse modo de ação, tão análogo à sua natureza, à sua sabedoria,
ao seu amor. Foi assim que o Cristo fez sua aparição a Maria
Madalena, sob a forma de um jardineiro, no momento em que ela o
buscava e desesperava de o encontrar. A princípio, ela só vê o
jardineiro, para reconhecer depois, sob esta forma, o amoroso Jesus.
Foi assim que ele se apresentou também a dois de seus discípulos
que caminhavam a seu lado e se sentiam influenciados por ele. Muito
tempo caminharam juntos, sentindo os corações se lhes abrasarem em
doce chama, o que denunciava a presença de um ser puro e elevado; só
o reconheceram no momento de partir o pão, e quando, na mesma noite,
tornaram a vê-lo em Jerusalém (13). O mesmo aconteceu nas margens
do lago Tiberíade, quando, irradiando em sua deslumbrante glória,
apareceu a Paulo. Como são sublimes e comoventes todas as ações do
Senhor, todas as suas palavras e todas as suas revelações!
Tudo
segue marcha incessante que, impelindo todas as coisas para diante,
faz que nos aproximemos de um objetivo que, alias, não é o final.
Cristo é o herói, é o centro, a principal personagem, tão
depressa visível nesse drama imenso de Deus, admiravelmente simples
e complicado ao mesmo tempo, que não terá jamais fim, embora pareça
mil vezes terminado. Ele parece desconhecido na existência de cada
um dos seus adoradores. Mas, como poderia esse manancial de amor
recusar aparecer ao ente que o ama, justamente na ocasião em que
mais necessidades tem dele? Tu, ó Cristo! és mais humano que os
homens! Tu aparecerás aos homens pelo modo mais caridoso! Oh! sim,
tu aparecerás à alma bondosa a quem escrevo e também te
manifestarás a mim e te tornarás conhecido. Ver-te-emos uma
infinidade de vezes, sempre diferente e sempre o mesmo, e, à medida
que nossa alma melhorar, te veremos sempre mais formoso, porém nunca
pela última vez.
Elevemos
os nossos pensamentos com esta idéia consoladora, que procurarei,
com o auxílio de Deus, esclarecer mais amplamente em minha próxima
carta, e torná-la compreensível por meio da comunicação de um
defunto.
Zurique,
14 de setembro de 1798.
João
Gaspar Laváter
QUARTA
CARTA
Em
minha última mensagem, venerável senhora, prometi enviar-vos a
carta que um defunto escreveu a um amigo, habitante da Terra, e essa
carta, melhor do que eu poderá agora esclarecer as minhas idéias
sobre o estado de um cristão depois da morte do corpo. Tomo,
portanto, a liberdade de vo-la enviar.
Julgai-a
sob o ponto de vista que vos indiquei e tende a bondade de fixar
vossa atenção mais sobre o seu assunto principal, do que sobre as
minúcias particulares, embora tenha eu poderosas razões para supor
que essas minúcias encerram verdades.
Para
melhor inteligência das matérias que me proponho expor, julgo ser
necessário fazer-vos notar que tenho quase a certeza de que, apesar
da existência de uma lei geral, eterna e imutável, de castigo e
felicidade, cada Espírito, segundo seu caráter, não só moral e
religioso, mas também pessoal e oficial, terá de sofrer penas
depois da morte do corpo, ou gozará de felicidades apropriadas às
suas qualidades.
A
lei geral se individualizará para cada um em particular, isto é,
produzirá em cada ser um efeito diferente e pessoal, assim como a
luz que, atravessando um vidro de cor, côncavo ou convexo, se
espalha em diversos raios com a cor e a direção desse vidro.
Eu
desejaria ver aceito como princípio isto embora todos os Espíritos,
felizes ou não, estejam sob a ação da lei das afinidades, é,
contudo presumível que o seu caráter substancial, pessoal ou
individual, lhes dê um gozo ou sofrimento essencialmente diversos de
um para outro Espírito.
Cada
qual sofre de um modo especial, diferente do sofrimento dos outros,
ou experimenta gozos que nenhum outro pode sentir. (14)
Essa
idéia, que julgo verdadeira, serve de fundamento às seguintes
comunicações, dadas por Espíritos desencarnados a seus amigos da
Terra.
Folgaria
que compreendêsseis, senhora, como cada homem, pela formação do
seu caráter pessoal e pelo aperfeiçoamento da sua individualidade,
pode preparar-se para gozos especiais e para uma felicidade
particularmente sua.
Como
essa felicidade, apropriada a cada indivíduo, é a que todos os
homens procuram ou olvidam, embora todos tenham a possibilidade de a
alcançar e gozar, tomo a liberdade, veneranda senhora, de vos rogar
com insistência que vos digneis analisar atentamente esta idéia,
pois certamente não a julgareis inútil à vossa edificação e
elevação para Deus.
Deus
se colocou e igualmente dispôs o Universo no coração de cada ser
humano.
Todo
homem é um espelho particular do Universo e do seu Criador.
Empreguemos, pois, todo o nosso esforço em conservar esse espelho
tão puro quanto possível, para que Deus possa ver-se refletido na
sua bela criação.
Zurique,
14 de setembro de 1798.
João
Gaspar Laváter
Carta
de um defunto a seu amigo, habitante da Terra, sobre o estado dos
Espíritos desencarnados.
Foi
afinal permitido, querido amigo, satisfazer, ainda que só em parte,
o desejo que eu tinha e também partilhavas, de comunicar-te alguma
coisa sobre o meu estado atual.
Desta
vez só poderei dar-te alguns pormenores, e, depois, tudo dependerá
do uso que fizeres de minhas comunicações.
Sei
que muito grande é o desejo que nutres de saber notícias minhas e,
em geral, do estado dos Espíritos desencarnados; mas, não é menor
a minha vontade de dar-te a conhecer tudo quanto for possível neste
sentido. (15)
O
poder de amar, compatível ao ser humano no mundo material,
avoluma-se de um modo extraordinário quando ele passa a viver no
mundo espiritual. Com o amor, aumenta-se proporcionalmente o desejo
de transmitir, às pessoas que conheceu na Terra, tudo o que lhe é
permitido.
Começo
por explicar, meu bem-amado, qual o meio por que me é dado
escrever-te sem tocar o papel, sem conduzir a pena, ou mesmo, como
posso falar-te numa língua que aí não compreendia. (16) Basta isto
para fazeres uma idéia aproximada do nosso estado presente.
Imagina
que o meu estado atual, em relação àquele que tinha na Terra, é
pouco mais ou menos como o da borboleta que, depois de abandonar o
casulo da lagarta, fica voejando nos ares. Sou, portanto, essa
lagarta transformada, emancipada, depois de passar por duas fases. E,
assim, voamos algumas vezes, porém nem sempre, ao derredor das
cabeças dos homens.
Uma
luz invisível aos mortais, conquanto visível a alguns, brilha e
irradia-se docemente do cérebro de todo homem bom, amante e
religioso. A auréola que imaginaste para os santos é essencialmente
verdadeira e racional. Essa luz torna feliz todo ser humano que a
possuir, pois ela se combina com a nossa em laços de simpatia, e
segundo o grau de claridade que lhe for correspondente.
Nenhum
Espírito impuro pode ou ousa aproximar-se dessa luz santa. Por meio
dela, pode-se perscrutar facilmente as almas, a fim de serem lidas ou
vistas em toda a sua realidade. Assim, cada pensamento que parte dos
seres humanos é para nós uma palavra e às vezes um completo
discurso.
Respondemos
aos seus pensamentos, porém eles ignoram que somos nós que estamos
falando. Sopramos idéias que, sem o nosso concurso, eles não
poderiam conceber, embora lhes fossem inatas à disposição e a
aptidão para recebê-las.
O
homem digno de receber a luz torna-se deste modo um instrumento útil
para o Espírito simpático que a deseja comunicar.
Encontrei
um Espírito, ou antes, um homem acessível à luz, do qual me pude
aproximar, e é por seu órgão que me dirijo a ti (17). Sem sua
mediação, impossível seria entender-me contigo verbalmente,
palpavelmente, ou mesmo por escrito. Recebes por este modo uma carta
anônima da parte de um homem que não conheces, porém que alimenta
em si grande tendência para as coisas ocultas e espirituais. Pouso
sobre a fronte dele, da mesma forma que o mais divino de todos os
Espíritos pousou sobre a fronte do mais divino de todos os homens,
no ato do seu batismo; suscito idéias e ele as descreve sob a minha
inspiração, sob a minha direção, por efeito de minha irradiação
(18). Por ligeiros toques, faço vibrar as cordas de sua alma, de um
modo conforme com a sua individualidade e com a minha. As minhas
idéias tornam-se suas, e, assim, ele se considera ditoso em escrever
o que eu desejo, sente-se mais livre, mais animado, mais rico de
idéias, julga viver e pairar num elemento mais alegre e claro anda
como um amigo pela mão de outro amigo, e deste modo é que te foi
dado receber uma carta minha. Quem a escreve se considera livre e
realmente o é, pois nenhuma violência sofre, são como dois amigos
que, de braço dado, se assistem reciprocamente.
Deves
sentir que meu espírito se encontra em relação direta com o teu,
concebes o que te digo e compreendes os meus mais íntimos
pensamentos. Basta por esta vez.
O
dia em que inspirei esta carta se c entre vós.
Dê 15 de setembro de 1798.
QUINTA
CARTA
Muito
veneranda senhora.
Temos
nova carta chegada do mundo invisível. Para o futuro, se Deus o
permitir, as comunicações serão mais freqüentes.
Esta
carta contém uma pequeníssima parte daquilo que se pode dizer a um
mortal sobre a aparição e visão do Senhor, que se apresenta
simultaneamente e sob milhões de formas, a miríades de seres que
povoam os mundos, multiplicando-se infinitamente ante suas
inumeráveis criaturas, ou individualizando-se oportunamente ante
cada uma delas em particular.
A
vós, senhora, ao vosso espírito de luz, ele se mostrará um dia,
como se apresentou a Maria Madalena no jardim do sepulcro.
De
sua boca divina ouvireis chamar por vosso nome: Maria! - Rabi!
respondereis imediatamente, penetrada do mesmo sentimento de suprema
felicidade, qual o teve Madalena, e então, cheia de admiração,
como o apóstolo Tomé, dir-lhe-eis: Meu Senhor e meu Deus!
Apressemo-nos
em atravessar a noite das trevas para chegarmos à luz - passemos por
esses desertos para entrarmos na terra prometida - suportemos as
dores desta existência para aparecermos na verdadeira vida.
Que
Deus seja com o vosso espírito.
Zurique,
13 de novembro de 1798.
João
Gaspar Laváter
Carta
de um Espírito bem-aventurado a seu amigo, da Terra, sobre a
primeira visão do Senhor
Querido
amigo.
Das
mil coisas a respeito das quais desejara falar-te, apenas me ocuparei
por esta vez de uma única, que te interessará mais do que todas as
outras.
Para
isso foi mister licença especial, pois os Espíritos nada podem
fazer sem permissão. (19)
Vivem exclusivamente na vontade do Pai Celestial, que transmite suas
ordens a milhões de seres como se fossem um só, e responde
instantaneamente a uma infinidade de matérias, aos milhões
inumeráveis de criaturas que se dirigem a Ele.
Como
te farei compreender o modo pelo qual cheguei a ver o Senhor?
Oh!
foi muito diferente daqueles que vós os mortais podeis imaginar.
Depois
de muitas aparições, instruções, explicações e gozos, que me
foram concedidos por graça do Senhor, atravessei uma região
bem-aventurada ou éden, em companhia de outros Espíritos que já se
haviam elevado pouco mais ou menos ao mesmo grau de perfeição que
eu.
Ao
lado uns dos outros, em doce e agradável harmonia, formando como que
uma leve nuvenzinha, gozávamos o mesmo sentimento de atração, a
mesma propensão para um alvo elevadíssimo e passeávamos por aquele
sítio encantador. Ligávamo-nos cada vez mais uns aos outros, e, à
medida que nos adiantávamos, nos sentíamos mais íntimos, mais
livres, mais alegres, mais aptos para gozar, e dizíamos: Oh! como é
bom e misericordioso Aquele que nos criou! Aleluia ao Criador! O Amor
é que nos criou! Aleluia ao Amor!
Animados
por tais sentimentos, seguimos nosso vôo e paramos ao pé de uma
fonte. Ali, sentimos que alguém anunciava a sua presença como que
pelo roçar de uma leve brisa: era um ser angélico e nele havia
alguma coisa imponente que atraiu nossa atenção. Uma luz
deslumbrante, até certo ponto semelhante à dos Espíritos
bem-aventurados, nos inundou. Este é também dos nossos, pensamos
simultaneamente e como por intuição. Então desapareceu a luz e no
mesmo instante nos pareceu que estávamos privados de alguma coisa.
Que
ser tão belo, dissemos, que donaire majestoso e ao mesmo tempo em
que graça tão infantil! Que doçura e que majestade!
Enquanto
assim falávamos, uma forma graciosa, emergindo de deliciosa ramagem,
apareceu-nos de repente e dirigiu-nos afetuosa saudação.
Nenhuma
semelhança havia entre a precedente aparição e o recém-vindo,
pois este tinha alguma coisa de superiormente elevado e, ao mesmo
tempo, inexplicável.
- Sede bem-vindos, irmãos! - disse ele, e então respondemos: -
Bem-vindo sejas tu, bendito do Senhor! O céu se reflete em tua face
e dos teus olhos se irradia o amor de Deus.
-
Quem sois? - perguntou o desconhecido. '- Somos alegres adoradores do
Amor todo-poderoso - respondemos.
-
Quem é o Amor todo-poderoso? - redargüiu ele com sua inimitável
graça.
-
Não conheces então o Amor todo-poderoso? - lhe repliquei eu por
todos.
-
Conheço-o, em verdade - disse o desconhecido com voz cada vez mais
melíflua.
-
Ah! se dignos fôssemos de vê-lo, de ouvir sua voz! Mas não nos
consideramos bastante purificados para contemplar diretamente a mais
santa pureza!
A
estas palavras, ouvimos atrás de nós soar uma voz que nos disse:
"Estais purificados e lavados de toda a mácula. Estais
declarados justos por Jesus-Cristo e pelo espírito de Deus vivo!"
Uma felicidade inexplicável se apossou de nós e no mesmo instante
desejamos volver para o sítio donde vinha aquela voz, a fim de
adorarmos de joelhos o nosso invisível interlocutor.
Que
sucedeu! Cada um de nós ouviu instantaneamente um nome que nunca
ouvíramos pronunciar, e cada um compreendeu e reconheceu que era seu
nome que fora designado pela voz do desconhecido.
Espontaneamente,
com a velocidade do raio, todos, como um só, nos voltamos para o
adorável interlocutor, e, então, ele assim nos falou com indizível
graça: “Encontrastes o que procuráveis. Quem me vê, vê o Amor
todo-poderoso. Conheço os meus e os meus me conhecem. Dou às minhas
ovelhas a vida eterna e elas não perecerão na eternidade. Ninguém
poderá arrancá-las das minhas mãos e das mãos de meu Pai, pois
Ele e eu somos um”.
Como
explicar-te, por palavras, a doce, suprema felicidade de que nos
sentimos possuídos quando ele, que a cada momento se fazia mais
luminoso, mais gracioso e mais sublime, estendeu-nos seus braços e
pronunciou estas palavras, que soarão eternamente para nós, sem que
haja poder algum capaz de apagá-las de nossos ouvidos e de nossos
corações: "Vinde, eleitos de meu Pai; tomai posse do reino que
vos foi designado desde o princípio dos séculos."
Depois
abraçou-nos simultaneamente e desapareceu.
Ficamos
silenciosos e sentimo-nos estreitamente unidos por toda a eternidade,
fundimo-nos suavemente na verdadeira felicidade. O Ser Infinito veio
unificar-se conosco e, ao mesmo tempo, tornou-se nosso todo, nosso
céu, nossa vida em sua mais real expressão. Mil novas vidas
pareciam animar-nos. Nossa existência anterior desvaneceu-se;
estávamos como que nascendo para uma vida nova, prelibando a
imortalidade, isto é, havia em nós uma superabundância de vida e
de forças que traziam consigo o selo da imortalidade. Por fim
recobramos a voz. Ah! se eu pudesse comunicar-te, mesmo que fosse
somente diminuta, parte da nossa entusiástica adoração!
Deus
existe! Nós existimos! Por si, só Ele é tudo! Seu ser é vida e
amor! O que vê, vive e ama, é inundado dos eflúvios da
imortalidade e do amor que são emitidos de sua divina face.
Vimos-te,
ó todo-poderoso Amor! Tu te manifestaste aos nossos olhos sob a
forma humana, tu, Deus dos deuses, e, entretanto, não foste Homem
nem Deus, tu Homem-Deus! Só te revelaste como amor, e te mostraste
todo-poderoso somente como amor! Tu nos sustentas por tua onipotência
para impedir que a força de teu amor, embora suavizado, nos absorva!
És
tu a quem glorificam os céus, tu, oceano de bem-aventurança e
onipotência, tu, que encarnado entre os homens vieste regenerá-los
e que, derramando teu sangue, suspenso da cruz, te revelaste humano?
Oh!
sim, és tu! glória de todos os seres! Ser, diante de quem se
inclinam todas as naturezas que desaparecem à tua vista para serem
chamadas a viver em ti!
Da
tua irradiação desperta-se a vida em todos os mundos, do teu peito
desprende-se o amor! Tudo isto, querido amigo, é apenas uma
pequeníssima migalha, caída da farta messe das inefáveis
felicidades com que me alimentei então. Aproveita essas minhas
comunicações e bem depressa outras te serão dadas. Ama e serás
amado, pois só o amor pode fazer a felicidade. Oh! Querido amigo é
pelo amor somente que me posso aproximar de ti, comunicar contigo e
mais depressa conduzir-te ao manancial da vida.
Deus
e o Céu vivem no amor, como vivem na face e no coração de
Jesus-Cristo.
Segundo
a vossa cronologia terrestre, escrevo esta a 13 de novembro de 1798.
Makariosenagape
(20)
SEXTA
CARTA
Venerável
senhora.
Mais
uma carta acaba de chegar do mundo invisível.
Oxalá
possa esta, como as precedentes, produzir em vossa alma salutar
efeito.
Aspiremos,
sem cessar, a uma intima comunicação com o amor mais puro que se
tem manifestado ao homem e está glorificado em Jesus, o nazareno.
Nossa
felicidade futura está em nossas mãos, desde que nos é concedida à
graça de compreender que só o amor nos pode dar suprema ventura, e
que somente a fé no amor divino faz nascer em nossos corações o
sentimento que nos torna felizes eternamente: fé que desenvolve,
purifica e completa a nossa aptidão para amar.
Muitas
teses me faltam desenvolver. Procurarei, pois, acelerar a que já
comecei a expor-vos e considerar-me-ei ditoso se puder ocupar
agradável e utilmente alguns momentos da vossa preciosa existência.
Zurique,
16 de dezembro de 1798.
João
Gaspar Laváter
Carta
de um defunto a seu amigo, sobre as relações que existem entre os
Espíritos e os seres que foram por eles amados na Terra.
Meu
querido.
Estimulado
por nobre curiosidade de saber, vi mil coisas que muito folgaria de
fazer-te conhecidas; entretanto, apenas posso falar-te de uma, porque
mais do que isso não depende de mim, absolutamente.
Minha
vontade, já te disse, depende dAquele que é a suprema sabedoria.
Minhas relações contigo têm por único fundamento o amor.
A
divina sabedoria e o amor dos homens, enchendo-nos, a mim e a meus
mil vezes associados, duma felicidade que continuamente se torna mais
elevada e mais extasiaste, nos faz assim entrar em relações
convosco, relações agradáveis para nós, conquanto nem sempre
bastante puras e santas.
Não
sei como fazer-te compreender esta grande verdade, que provavelmente
te causará estranheza, apesar da sua evidência, pois a nossa
própria felicidade depende, algumas vezes, relativamente,
compreende-se, do estado daqueles que deixamos na Terra e com os
quais entramos em relações diretas.
Seus
sentimentos religiosos nos atraem, sua impiedade nos afasta.
Regozijamo-nos em suas puras e nobres alegrias, isto é, em suas
alegrias espirituais e desinteressadas. Seu amor contribui para a
nossa felicidade, assim como também sentimos, senão pesar, ao menos
uma diminuição de gozo, se eles se deixam degradar por sua
sensualidade, seu egoísmo, suas paixões animais, ou pela incerteza
dos seus desejos.
Atende
bem, meu amigo, ao que quero dizer com a palavra degradar. Todo
pensamento elevado faz brotar do homem amoroso um raio de luz, que
não é visto nem compreendido senão por naturezas iguais. Cada
espécie de amor tem um raio de luz que lhe é peculiar. Esse raio
forma a auréola dos santos e os torna mais resplandecentes e
agradáveis à vista. Dessa qualidade e dessa amenidade depende o
grau da nossa própria felicidade e da ventura que sentimos em
existir. Com o desaparecimento do amor desvanece-se a luz e, com ela,
todo o elemento de ventura.
Quem
se torna estranho ao amor, degrada-se no sentido mais positivo e
literal da palavra; torna-se mais material e, por conseguinte, mais
inferior, mais terrestre, e as trevas da noite o cobrem com seu véu.
A vida, ou, o que é o mesmo para nós, o amor, produz a luz, a
pureza luminosa, a identidade e a magnificência de cada ser. Somente
essas qualidades tornam possíveis as nossas relações intimas com o
homem. Como só a luz é que pode atrair a luz, a sua falta nas almas
degradadas nos impossibilita de atuar sobre elas. A vida de cada
mortal, a sua verdadeira vida, está na razão direta do seu amor. Da
luz nos homens nasce a nossa comunhão com eles, e vice-versa.
Nosso
elemento é a luz (21), cujo segredo nenhum mortal conhece. Atraímos
e somos atraídos por ela.
Este
vestuário, este órgão, este veículo, este instrumento em que
reside à força primitiva produtora de tudo, a luz, em uma palavra,
constitui para nós o laço característico de todas as naturezas.
Despendemos luz na medida do nosso amor. Conhecemo-nos pelo grau da
sua claridade e somos atraídos por todas as naturezas amorosas e
irradiantes como nós.
Por
efeito de um movimento imperceptível, dando certa direção à nossa
luz, podemos fazer nascer idéias mais humanas nas naturezas que nos
são simpáticas, suscitar ações e sentimentos mais nobres e
elevados; não podemos, porém, forçar e dominar alguém, ou, mesmo,
fazer imposições aos homens, cuja vontade é em tudo independente
da nossa.
Para
nós, o livre-arbítrio dos homens é sagrado. (22)
É
absolutamente impossível comunicarmos a nossa luz pura a um homem
baldo de sensibilidade, pois este não possui sentido ou órgão apto
para recebê-la.
Do
grau de sensibilidade que se possui depende - oh! permiti repeti-lo
em cada uma das minhas cartas - a aptidão para receber a luz, a
simpatia por todas as naturezas luminosas e pelo seu protótipo
original.
Os
seres que tiverem ausência de luz não podem abeirar-se do manancial
da luz, ao passo que milhares de naturezas luminosas podem ser
atraídas por uma única natureza que lhes seja semelhante. O
homem-Jesus, resplandecente de luz e de amor, era o ponto luminoso
que incessantemente atraía legiões de anjos.
As
naturezas degradadas, egoístas, atraem Espíritos degradados,
grosseiros, privados de luz e malévolos, que mais e mais as
envenenam; enquanto que as almas bondosas se fazem cada vez mais
puras e mais amantes pelo contacto dos bons Espíritos. Jacó,
dormindo, cheio de piedosos sentimentos, vê aproximarem-se-lhe
legiões de anjos do Senhor, ao passo que Judas Iscariotes dá ao
chefe dos Espíritos impuros o direito e, direi mesmo, o poder de
penetrar na baixa atmosfera da sua alma traidora.
Os
Espíritos do bem abundam onde se acham almas amorosas e os Espíritos
das trevas pululam onde há grupos de almas impuras.
O
meu bem-amado medita sobre o que acabo de dizer-te. Encontrarás a
confirmação disso nos livros sagrados, que encerram verdades até
hoje desconhecidas e numerosas instruções da mais alta importância
sobre as relações que existem entre os mortos e os vivos, entre o
mundo material e o espiritual. (23 )
Somente
de ti depende o colocares-te sob a influência dos Espíritos bons ou
afastá-los para longe. Podes conservá-los ao pé de ti ou forçá-los
a abandonar-te. De ti depende, pois, fazeres-me mais, ou menos
ditoso. Deves agora compreender que todo Espírito bom é mais ditoso
quando encontra outro tão bom, pelo menos, como ele, pois todo ser
feliz e puro é menos ditoso quando reconhece diminuição ou
indiferença no amor daquele a quem ama. O amor abre o coração ao
amor, e a ausência deste sentimento torna mais difícil, e às vezes
impossível, o acesso de toda comunicação íntima. Se desejas,
portanto, fazer que eu goze mais felicidade, torna-te cada dia
melhor. Deste modo, conseguirás fazer-te mais simpático e agradável
a todos os Espíritos radiantes e imortais. Eles correrão ao teu
encontro, sua luz unir-se-á à tua e a tua à deles, sua presença
te tornará mais puro, radiante e vivaz, e, o que te parecerá mais
difícil de crer, mas nem por isso deixa de ser positivo, eles
próprios por efeito da tua luz, da luz que irradia de ti, se
tornarão mais luminosos, mais vivazes, mais ditosos da existência e
mais amorosos por efeito do teu amor.
Existem,
querido amigo, relações imperecíveis entre os mundos visível e
invisível, uma comunhão constante entre os habitantes da Terra e os
habitantes do céu, uma ação recíproca e benéfica de cada um
desses mundos sobre o outro.
Meditando e analisando com atenção estes ensinos, reconhecerás,
cada vez mais, sua exatidão, sua utilidade e seu benefício.
Não
olvides, meu irmão, que o vosso mundo é visível para nós e que o
nosso é invisível para vós. Não olvides que, em nosso mundo, os
Espíritos bons verão com alegria a tua fé no amor puro e
desinteressado. Estamos juntos de vós quando nos supondes muito
longe. Jamais se acha sozinho o homem de bem. A luz do amor penetra
todos os mundos e vai até às trevas do mundo material, porém os
Espíritos bons e luminosos se acham sempre nas proximidades do amor
e da luz. São muito verdadeiras estas palavras de Jesus-Cristo:
"Onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí serei
com eles."
Também
é indubitavelmente verdade que afligimos, por nosso egoísmo, o
espírito de Deus, e que, por nosso sincero amor, lhe damos
satisfação, como se depreende do profundo sentido destas palavras:
"O que ligares na Terra será ligado no céu, e o que desligares
na Terra, será desligado no céu."
Desligais
por egoísmo e ligais por caridade, isto é, pelo amor. Coisa alguma
é tão compreendida no céu como o amor dos que se amam na Terra,
pois o que atrai as Espíritos bem-aventurados é o amor dos seus
irmãos encarnados.
Vós
outros, chamados mortais, podeis, pelo amor, fazer o céu descer a
Terra, podeis entrar conosco, os bem-aventurados, numa comunhão
infinitamente mais íntima do que sereis capazes de imaginar, desde
que vossas almas se abram à nossa influência.
Estou
freqüentemente contigo, meu amigo, e tenho muito prazer em achar-me
na tua esfera de luz. Consente, pois, que eu diga ainda algumas
palavras intimas.
Quando
te enfadas, no momento em que, dominado de tal sentimento, pensas nos
que amas e nos que sofrem, a luz que se irradia de ti se obscurece e,
então, sou forçado a afastar-me (24). Nenhum Espírito bom pode
suportar as trevas da cólera. Ainda há pouco tive de abandonar-te
por esse motivo.
Perdi-te,
por assim dizer, da minha vista e dirigi-me a outro amigo, para quem
me atraiu a luz do amor. Orava este a Deus, derramando lágrimas por
uma família que acabava de cair na miséria, e à qual não podia
levar socorro algum. Oh! Quão luminoso ele me pareceu então!
Parecia inundado de claridade deslumbrante.
Nosso
Senhor aproximou-se-lhe e um raio do seu espírito caiu sobre ele.
Que
ventura para mim poder banhar-me nessa auréola e, embebido nessa
luz, inspirar-lhe a esperança de próximo socorro!
Sob
esta impressão pude insinuar uma voz no fundo da sua alma que dizia
assim: "Nada temas! crê! gozarás o prazer de aliviar a
desgraça daqueles por quem acabas de rogar a Deus."
Levantou-se
contente e, no mesmo instante, senti-me atraído para outro ser
bondoso que igualmente orava.
Este
era a alma de uma virgem que fazia por este modo a sua prece:
"Senhor, mostra-me o meio de fazer o bem, segundo tua vontade."
Descobri
o meio de inspirar-lhe a seguinte idéia: "Não faria eu o bem,
enviando a esse homem caritativo, que conheço, algum dinheiro para
ele empregar, hoje mesmo, em proveito de alguma família pobre?"
Fixou-se
nesta idéia com infantil alegria, acolheu-a como recebida de algum
anjo do céu. Esta alma piedosa e caritativa tomou uma boa quantia e
enviou-a com uma cartinha afetuosa àquele que eu havia antes
encontrado orando, o que fez que este derramasse lágrimas de
contentamento e de profundo reconhecimento para com Deus. Saiu
imediatamente e eu o segui, haurindo indefinível felicidade em sua
luz. Chegou à porta da desolada família e ouviu a esposa dizer ao
piedoso marido: "Terá Deus piedade de nós? - Sim, minha amiga;
Deus terá piedade de nós, como nós temos tido dos outros."
A
estas palavras, o que levava o socorro abriu a porta e, sufocado pela
comoção, pôde apenas pronunciar esta frase: "Sim, Ele terá
piedade de vós, como vós tendes tido dos outros."
Eis
aí uma prova da misericórdia de Deus. O Senhor vê os justos e ouve
suas súplicas.
Com
que viva luz brilharam então essas pessoas, quando, lida a cartinha,
todas levantaram os olhos e os braços para o céu!
Legiões
e legiões de Espíritos corriam apressadamente de toda parte.
Oh!
como nos alegramos! como nos abraçamos! como nos fizemos mais
perfeitos e melhores!
Tu
te acalmaste depois e, então, pude volver a ti. Acabavas de praticar
três ações que me davam o direito de aproximar-me de ti e de
alegrar-me contigo. Derramaste lágrimas de vergonha, estavas
arrependido da tua ira, tinhas refletido e procurado em ti mesmo os
meios de dominar-te, pediste sinceramente perdão a quem, em teu
arrebatamento, havias ofendido, e procuravas os meios de indenizá-lo
do mal que fizeste. Esta preocupação restituiu a calma ao teu
coração, a alegria aos teus olhos, a luz ao teu corpo.
Por
esses exemplos podes julgar se estamos bem instruídos do que fazem
os nossos amigos, da Terra, enquanto nos interessamos pelo seu
adiantamento moral; deves também compreender a solidariedade que
existe entre o mundo visível e o invisível, e até que ponto
depende de vós promover as nossas alegrias ou aflições.
Ah!
meu amigo se pudesses compenetrar-te bem desta verdade, se
reconhecesses que o amor puro e nobre encontra em si mesmo a sua
recompensa, que o melhor prazer e mais santo é o gozo de Deus, é o
produto do sentimento depurado, então te esforçarias em
purificar-te de tudo o que é egoísmo.
Doravante
não te escreverei sem tocar neste ponto. Nada tem mérito sem o
amor. Só o amor possui uma vista clara, reta, penetrante, para
discernir o que merece estudado e o que é eminentemente verdadeiro,
divino, imperecível.
Em
cada ser mortal ou imortal, animado de um amor puro, vemos com
inexplicável alegria refletir-se o mesmo Deus, assim como vemos
brilhar o Sol em cada gota dágua pura.
Todos
os que amam, na Terra e no céu, se fundem num só pelo sentimento.
Do grau do amor em cada um depende a nossa felicidade interna e
externa. Teu amor é, pois, o que regula tuas relações com os
Espíritos, tua comunhão com eles, a influência que podem exercer
sobre ti e a sua ligação íntima com o teu espírito.
No
momento em que te escrevo, um sentimento de previsão, que nunca me
engana, me dá a conhecer que no futuro te encontrarás em excelente
posição moral, pois meditas uma obra de caridade.
Cada
uma de vossas ações e de vossos pensamentos leva consigo um sinal
particular, compreendido e apreciado instantaneamente por todos os
Espíritos desencarnados.
Que
Deus te ajude!
Escrevo
esta a 16 de dezembro de 1798.
Estas
seis cartas estão reconhecidas como autênticas e são as únicas
que foram encontradas sobre este assunto. Pode-se dizer que nelas
está estampada a doutrina espírita, embora de um modo muito
resumido. É bem possível que Laváter houvesse escrito muitas
outras cartas sobre a vida futura, porém, se existem, ainda são
desconhecidas ou não vieram à publicidade.
Que
o investigador sincero encontre aqui bons elementos para fazer um
estudo mais profundo nas obras em que Allan Kardec coordenou os
princípios básicos de tão salutar, consoladora e verdadeira
doutrina, tal é o nosso desejo.
Material
extraído do livro “O Porque da Vida”, de Léon Denis
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