terça-feira, 17 de janeiro de 2023

O DESTINO

 LIVRO PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA

ESTUDO SOBRE O DESTINO

CAPÍTULOS V E VI


V

OS TRÊS BIÓTIPOS TERRESTRES



Só depois de ter explicado no capítulo precedente qual é a estrutura da Personalidade humana e, sumariamente, a técnica da sua construção, é possível enfrentar agora o problema do destino, destino que contém e nos revela a lei do desenvolvimento da Personalidade, que só neste sentido, isto é, de processo evolutivo do eu, pode ser entendido.


O estudo que até aqui fizemos do fenômeno da Personalidade humana, seja no seu conteúdo, qualidades ou funcionamento, seja como transformismo evolutivo, observando-o nos seus três momentos: subconsciente, consciente e superconsciente, ele nos mostra que a cada um destes três níveis de desenvolvimento do eu corresponde um correlativo biótipo humano.

Observemo-los para nos encaminhar à compreensão do fenômeno do destino.


A sensibilidade, o conhecimento, a capacidade de entender do indivíduo, o seu tipo de vida e destino, dependem da sua natureza que corresponde ao nível evolutivo em que vive e funciona o seu eu. Cada um possui a linguagem do seu plano biológico e só ela o entende.

O primitivo, que vive no nível do subconsciente, fala e entende somente a linguagem das emoções. Ele pode ser sugestionado por impressões, não convencido pelo raciocínio. Ele não age por entendimento seu, mas por imitação do que fazem os outros. Ele não se interessa elos efeitos a longo prazo mas só elos resultados imediatos. O que mais o convence é a linguagem dos sentidos, o seu prazer ou sofrimento.

Além desses fatos para ele concretos porque bem perceptíveis, tudo lhe é um mistério imenso, e ele sabe que não pode penetrar. E assim que para ser entendido por tal indivíduo é necessário usar a sua linguagem, que é a do seu lucro ou dano, prêmio ou pena, paraíso ou inferno. Esta é a linguagem que o nosso mundo usa para dominar e impor obediência e ordem.

Não há lei religiosa ou civil que tenha valor, se não é sustentada pela força que pune o transgressor.

O nosso mundo zombaria de um governo sem tribunais, polícia e cadeias, como de uma religião sem inferno ou seus equivalentes. O biótipo desse nível obedece apenas ao mais forte, que tem o poder nas mãos e que por isso lhe pode fazer bem ou mal. O fraco não merece respeito nenhum, merece pelo contrario, ser escravizado.


O biótipo mais adiantado, que deveria ser o homem, se chama civilizado, vive no nível do consciente e fala e entende a linguagem da razão. Mais do que sugestionado por impressões, ele pode ser convencido pelo raciocínio. Não segue os outros por imitação. mas procura saber porque ele tem que agir de uma maneira ou de outra.

Olha mais longe do que os simples resultados imediatos. prevê, observa, analisa, calcula. Acima da linguagem dos sentidos. entende a da sua mente, com a qual controla a sua conduta para atingir com maior segurança o seu benefício e fugir do seu dano. Para dirigir esse homem não basta o medo do fracasso ou a esperança de vantagem, mas é necessário convencê-lo de que tudo representa, na verdade, o seu interesse e corresponde a um princípio de equidade. A vida para ele não é mais mistério, que a ciência começa a desvendar. Tal homem controlado pelo pensamento não pode mais ser dominado somente pela força, como o biótipo precedente, mas a respeita pela vantagem material que pode usufruir, por que ela representa um poder econômico, bélico, político, social.

Assim, os impulsos fundamentais da vida permanecem os do nível precedente.


O biótipo ainda mais adiantado: o homem superior, excepcional em nosso mundo, vive no nível do superconsciente e fala e entende a linguagem da verdade. Ele não age, porque sugestionado por impressões, ou somente pelo raciocínio, mas pelo conhecimento que possui pelo sentido da verdade. Não funciona por imitação, ou calculando com o raciocínio, mas porque já sabe como agir, de uma maneira e não de outra.

A sua vista vê tão longe que abrange a sua existência na eternidade, em função do todo. Acima da linguagem dos sentidos e da mente, ele entende a linguagem das coisas das quais intui por visão interior o sentido profundo. Esse homem não é dirigido só pela simples reação sensória, como no nível do subconsciente, nem pela sua reação cerebral racional, como no nível do consciente, mas por uma autonomia de julgamento e orientação, conseqüência do conhecimento, que é a qualidade de quem vive no nível do superconsciente.

Quando não há mais trevas de mistério, pelo menos nas linhas gerais, só um pode ser o caminho do homem e este será o caminho certo. Assim vive tal biótipo, que não quer dominar, nem precisa de provas racionais para entender e ser convencido, porque já atingiu o conhecimento e possui a verdade.


Para melhor esclarecer o nosso pensamento, observemos mais de perto esses três casos.

No nível do subconsciente ou plano animal, o que dirige a vida são os instintos fundamentais: a fome que garante a continuação do indivíduo; o sexo que garante a continuação da raça. Estes são os impulsos fundamentais, os quais dirigem o ser primitivo que vive neste nível, esta é a base das paixões elementares que o movimentam. Quando ele satisfaz a fome e o sexo, fica satisfeito, não entende nem procura outra coisa, porque atingiu o seu objetivo principal: viver.


No nível do consciente, acima destes dois instintos básicos, inicia-se no primeiro caso a construção e se levanta o edifício da propriedade, da riqueza e correlativas proteções legais, das posições sociais, das honras, do poder religioso e político, como aumento e acréscimo ao redor do eu; e no segundo caso levanta-se a construção do edifício da família, para a defesa da mulher e dos filhos, estabelecendo direitos e deveres na conduta, na propriedade, na herança etc. A base e o centro de tudo isto é, como no caso precedente, o egocentrismo do eu para garantir agora em forma mais com­pleta a continuação da vida, seja como indivíduo, seja como coletividade. A sua maior finalidade é possuir na maior medida possível recursos e poder para dominar, mulheres para se multiplicar nos filhos, e assim afirmando-se, espalhar-se no mundo, conquistando o mais que puder.


Estamos no nível do egoísmo e da luta, de todos contra todos, cada um querendo dominar. A guerra é o estado normal, a família é um castelo armado contra as outras famílias, naturalmente rivais e inimigas, que é preciso vencer para não se ser vencido. O grupo familiar fica, desta forma, unido pelo seu egoísmo, que neste plano representa a base da vida. Constroem-se, assim, e ficam unidos os grupos nacionais, em que os povos se unem para se armar contra outros povos. Esse é o estado atual da nossa humanidade, que só chegou a organizar, racionalmente, no nível do consciente os instintos fundamentais, que movimentam o ser no nível do subconsciente.


A, verdadeira revolução biológica só aparece no nível do superconsciente. Para maior clareza damos um exemplo prático, escolhendo como modelo um ser verdadeiramente superior que foi Francisco de Assis, em cuja terra nasci e vivi muito tempo. Com os três votos básicos da sua regra, ele quis despedaçar os correspondentes instintos fundamentais do homem, a eles contrapondo como virtudes três impulsos opostos:

Ao 1.º instinto, o de possuir, ele contrapôs a regra da pobreza;

ao 2.º instinto, o do sexo, contrapôs a regra da castidade;

ao 3.º instinto, o do egocentrismo dominador, contrapôs a regra da obediência.

Assim, o indivíduo fica como aniquilado no nível do subconsciente (instintos) e do consciente (razão a serviço dos instintos); o seu passado biológico é esmagado de uma vez, mas à procura de uma superação; a vida, cortada nas suas velhas raízes, parece condenada a morrer, mas, pelo contrário, é levada para ressurgir mais poderosa num plano mais alto. Este é o significado biológico e a lógica do espírito franciscano.


Na prática, os indivíduos estão bem longe de estar prontos para realizar uma revolução biológica. Tudo isto chegou a um mundo dirigido por impulsos bem diferentes. Pelo entusiasmo que a pregação arrastadora de S. Francisco acordou no povo sofredor, porque lhe oferecia a esperança de uma vida melhor, se reuniu atrás dele uma multidão de seguidores, tanto mais porque o entusiasmo popular se concretizou numa imensa colheita de recursos, com os quais foi rapidamente construído, para honrar a pobreza, o mosteiro e a basílica de S. Francisco em Assis, um castelo imenso que hoje vale bilhões. Na igreja superior da basílica de S. Francisco de Assis, há, à direita, um afresco de Giotto que representa o Papa Inocêncio III que, numa visão, em sonho, vê a grande basílica do Laterano, em Roma, caindo e S. Francisco sustentando-a para não cair. É lógico que esse papa aprovasse, até santificá-lo um homem que tinha levantado o entusiasmo popular para Cristo e o Evangelho, que constituíam as bases teóricas do poder terreno da Igreja, que o Laterano representava.

O grande exemplo cristão de S. Francisco confirmava a doutrina na qual se baseia o papado e com isso a legitimidade da hierarquia eclesiástica e do seu poder terreno. Aquilo de que mais precisa o pastor que deve dirigir é o rebanho das ovelhas que obedecem. Não se pode esquecer em que mundo vivemos. Então é lógico que nele, cheio de gente que quer possuir e mandar, a coisa mais agradável e aceita seja a de encontrar quem renuncia a possuir e a mandar, substituindo estes dois impulsos pelas virtudes da pobreza e da obediência.


Foi por isso que S. Francisco foi glorificado por um mundo que está nos seus antípodas. Talvez na providência de Deus não houvesse outro meio para que seres situados no nível evolutivo do subconsciente instintivo pudessem no seu ambiente aceitar um biótipo tão diferente deles, situado no nível evolutivo do super-homem. E de fato os seus seguidores ficaram no seu nível, rebaixando-lhes tudo, porque, mais do que a sua natureza continha, eles não podiam entender. É inevitável que qualquer ideal, descido do alto, não possa sobreviver na terra senão em forma torcida, adaptando-se às condições biológicas dos indivíduos que têm de realizá-lo. O nosso mundo não é dirigido pelas antecipações ideais do futuro, mas pelos instintos, fruto da longa experiência do passado, que mais garante a sobrevivência, desta forma mais segura para seguir os velhos caminhos já conhecidos, do que arriscando-se na aventura da exploração do novo. É por isso que, perante os audaciosos pioneiros, a vida se defende como de um perigo, aceitando-os com prudência, glorificando-os, mas não os imitando, tudo adaptando às suas comodidades, o que pode parecer hipocrisia e traição do ideal, mas que representa uma autodefesa, porque diferente demais é a realidade biológica, em que o ideal quer tomar forma concreta.

O amadurecimento das massas, até levá-las ao entendimento das coisas superiores, é lento e trabalhoso e exige tais adaptações, que permitem a assimilação gradual em percentagens progressivas, fato que, porém, não pode impedir que à vista dos mais evoluídos essas adaptações pareçam mentiras.


Como pode o ser primitivo praticar tais virtudes superiores se para ele, que não sabe ressuscitar num nível mais alto, elas representam um suicídio? A vida quer o progresso, mas retrai-se e recua quando esse caminho se torna perigoso demais. O progresso é necessário; sem a descida à terra dos ideais que antecipam e preparam o futuro não seria possível evolução, faltaria orientação no caminho desta, porque se trata de menores, que antes de tudo precisam ser educados por alguém que possua mais conhecimento e saiba dirigi-los. Quem se encontra deslocado em nosso mundo é o homem superior, que tem de se adaptar a viver num nível biológico inferior, que não é o seu. Por isso ele deveria aprender os instintos, defeitos e paixões que movimentam os primitivos. Estes, pelo contrário, se encontram comodamente no ambiente terrestre, mas ninguém mais do que eles precisam de uma educação superior que os tire desse pântano e os levante para o alto.


* * *

No ambiente terrestre se encontram misturados os três biótipos que vimos, vivendo cada um no seu nível, o do subconsciente, o do consciente ou o do superconsciente. Cada um desses biótipos reage contra o outro conforme sua natureza. Cada um entende, julga e age conforme sua forma mental. Trata-se de três tipos e níveis de sensibilidade e compreensão: a sensória, a racional, a espiritual.


O homem do subconsciente está completamente escravo dos seus impulsos instintivos, sem controle.


O homem do consciente é dono dos seus instintos, que ele controla com a razão, da qual é escravo, porque não possui outro meio com que se dirigir, com ele pesquisando no desconhecido.


O homem do superconsciente é dono dos instintos e da razão, que domina e controla, orientado pelo seu conhecimento.

É como se tratasse de três dimensões sucessivas no desenvolvimento da sensibilização, correspondentes à linha, superfície, volume, uma dimensão acima da outra. E como se se tratasse de três camadas sobrepostas, que revelam as sucessivas posições ocupadas pelo ser no seu crescimento, como acontece no tronco das árvores ou nas estratificações geológicas.


É lógico que o ser do plano superior seja mais completo do que o do plano inferior, e que, quem está em cima, olhando para baixo, julgue os outros mancos e falhos.


Claro que um homem do 1.º nível (subconsciente), observado por quem está situado no 2.º nível (consciente), lhe aparecerá como um ser que ainda não sabe pensar, ao qual não adianta explicar, pois que não pode entender.


Claro também que um homem do 2.º nível (consciente), observado por quem está situado no 3.º nível (superconsciente), lhe aparecerá como um cego que procura conhecer a natureza das coisas, tateando com os sentidos a superfície delas.

Então, para ser entendido por um cego será necessário explicar-lhe tudo com as palavras da razão, que um cego possa entender. Tal princípio é universal. Assim é possível falar com os animais, se falarmos a sua linguagem, que é a dos instintos fundamentais da vida. Assim, o que representa o mais poderoso argumento para um ser superior, pode passar completamente desapercebido para um inferior. Pertence ao primeiro a tarefa de descer até ao segundo, porque quem sabe mais pode entender quem sabe menos, e não ao contrário.


Para que os mais adiantados possam comunicar-se com os mais, atrasados, fazendo-se compreender por estes, impõe-se a necessidade de os primeiros traduzirem e adaptarem a sua linguagem à forma mental dos segundos. Assim, o homem racional, se quiser ser entendido pelo homem do subconsciente, terá que descer ao nível dos sentidos e das emoções. Da mesma forma o homem intuitivo terá de transpor a sua linguagem para o racional da lógica e da demonstração com provas, se quiser ser entendido pelo homem do nível do consciente. O ser não pode compreender o que está acima do seu nível de evolução. Por isso, em nossos livros foi necessário traduzir as nossas visões na linguagem racional, que é a que corresponde à atual forma mental humana. Para ser entendidos pelos biótipos do nível do subconsciente, teria sido necessário traduzir as visões em termos emocionais de medo, esperança, entusiasmo, estimu­lando com representações bem perceptíveis pelos sentidos. Tal descida é uma necessidade imposta pela natureza das coisas. É por isso que a cada passo encontramos esse fenômeno nas religiões, cuja tarefa é exatamente a de levar até ao nível dos mais involuídos os princípios superiores, que de outro modo eles nunca saberiam atingir. Quem fala, se quer ser compreendido, tem que falar a linguagem dos ouvintes. Isto de fato é o que acontece em nosso mundo, quando se trata de convencer as massas populares. Daí a, necessidade do uso das imagens e das representações do rito nas religiões. Na propaganda política, nas campanhas eleitorais, na venda dos produtos comerciais, para convencer o povo se usam slogans simples, que não querem raciocínio nem esforço de pensamento, repetidos em forma de sugestão hipnótica, dirigidos ao subconsciente, apoiando-se nos impulsos elementares deste.


O instinto do involuído é o de reduzir tudo dentro dos limites da sua forma mental. O que não cabe dentro da sua cabeça. para ele passa despercebido, e é como inexistente. Mas com a evolução a vida se torna uma revelação contínua de uma realidade sempre mais vasta. Uma progressiva sensibilização permite penetrar numa parte cada vez maior das vibrações do universo. O campo dominado pela consciência vai-se cada vez mais ampliando com a evolução, como se foi comprimindo com a involução até chegar à pedra. É assim que onde o evoluído percebe um mundo imenso, o involuído fica cego e surdo, nada percebendo. Onde um cientista, um pensador, um artista é arrebatado por pensamentos e emoções profundas, e impelido às mais enérgicas reações, um homem comum fica inerte adormece pelo tédio. Há coisas preciosas à porta da sua casa, maravilhas estão batendo para entrar, e ele não responde e retorna as misérias do seu mundo pequeno, porque só sabe entender estas.


Eis a necessidade, para os seres dos planos superiores, de reduzir o seu patrimônio mental aos limites dos planos inferiores, sem o que não é possível comunicação e os ensinamentos não são recebidos. É assim que, se os superiores conhecem a forma mental e o mundo dos inferiores, estes não conhecem a forma mental e o mundo dos superiores. O subconsciente, o consciente e o superconsciente são como três andares do mesmo edifício e o ser pode morar no inferior, no médio ou no superior, andares que correspondem aos diferentes níveis de evolução. Quem mora no inferior não pode conhecer o que há no superior, até que entre no novo apartamento, subindo a escada que o leva até lá. Mas quem mora no apartamento superior se lembra do que há nos inferiores, onde ele morou no passado. Pode assim acontecer que o homem racional, do nível do consciente, no seu comportamento siga os instintos animais que a ele voltam do subconsciente, isto é, do andar inferior onde ele residiu no passado. Isto significa momentâneo retrocesso a posições evolutivas atrasadas.


O homem atual subiu há pouco do andar inferior da animalidade ao médio da consciência racional, e neste vai aprendendo a morar. A lembrança, a forma mental, os hábitos de inquilino do andar inferior estão ainda vivos nele, sempre prontos a voltar. Mas agora ele vive próximo ao terceiro andar, o do superconsciente, e essa vizinhança já lhe permite perceber alguma coisa do que acontece nesse andar superior. Daí descem as revelações das religiões, que o iluminam e estabelecem qual deve ser a sua conduta; descem indivíduos com a missão de mostrar, com a palavra e o exemplo qual é o caminho para subir até esse andar.


Eis, então, que o nosso mundo está como que suspenso entre dois outros mundos, um debaixo e um acima dele, do primeiro recebendo impulsos inferiores, do segundo, impulsos superiores, impulsos opostos em luta, que, porém, representam o trabalho criador do amadurecimento evolutivo. Assim, quando em nós surge um impulso, pela sua natureza podemos entender de que nível evolutivo ele chega. As chamadas tentações de pecado, para fazer o mal, pertencem ao nível inferior, enquanto as boas inspirações de fazer o bem pertencem ao superior. Mas em cada um surgirão com mais poder os impulsos do seu plano biológico e estes vencerão. Assim, com a sua conduta cada um revelará a que plano pertence, quem é e qual é o seu grau de evolução. É claro que, tratando-se de indivíduos em transformação, destinados mais cedo ou mais tarde a mudar de um andar para outro, encontramos em nosso mundo impulsos e condutas de todo o gênero. Pertence às vozes que descem do plano superior a tarefa de dirigir a escolha entre eles.


Ao observador superficial poderia parecer que o homem possuísse como que três almas diferentes, cada uma procurando dirigir a sua conduta. Mas de fato se trata só de três posições diferentes ao longo da escala da evolução. Quando aparecem apenas os impulsos elementares instintivos, como os da simpatia ou ódio, do medo pelo perigo, da atração sexual, se trata de produtos do nível in­ferior, o do subconsciente. Quem vive neste plano não conhece mais do que isto, com que resolve os problemas de sua vida. Quando o homem começa a pensar, observar, fazer perguntas e procurar respostas, deduzindo e controlando, eis então que ele atingiu o nível médio, o do consciente. Procura-se, então, resolver os problemas da vida racionalmente. Quando o homem chega a responder às suas perguntas, e por isso a viver esclarecido, resolvendo os problemas da vida com conhecimento, e por conseguinte se conduzindo retamente, então o ser chegou ao nível superior, o do superconsciente.


Subir de um nível para outro é o que constitui o duro trabalho da evolução, que não é inútil, também do ponto de vista da vantagem para o indivíduo. Aumentando o seu conhecimento, aumenta também o poder de defesa de sua existência, porque conhecimento quer dizer sábia orientação, portanto, menor número de erros e menos sofrimentos, os quais têm que ser pagos. Assim o esforço evolutivo é compensado, porque a vida é tanto mais protegida quanto mais o ser evolui. Ela com a evolução ganha em segurança, amplitude, poder, satisfação, como é lógico que aconteça, porque com a evolução o ser se afasta do AS e se aproxima do S. A vida não pode deixar de ser diferente para quem vive no 1.º nível, como um impulsivo, instintivo, inconsciente; para quem vive no 2.º nível, como indivíduo que sabe raciocinar com inteligência; para quem vive no 3.º nível, como iluminado que atingiu o conhecimento.


* * *


Podemos agora enfrentar o problema de nosso destino, que é o assunto deste capítulo, como anunciamos no seu início. Mas antes era necessário observar a natureza destes três diferentes biótipos porque, do que somos e dos nossos impulsos é que depende o tipo de destino que a cada um dos três biótipos pertence. Assim, neste capítulo observaremos o fenômeno do destino em geral, em função do nível biológico em que o indivíduo vive. Veremos, então, que aos três tipos de homem correspondem três tipos de destino. Veremos depois, dentro do grande desenho deste quadro geral, as linhas do destino no caso particular do indivíduo separadamente.


Cada um de nós traz ao nascer o seu tipo de destino conforme as nossas qualidades, que construímos em nossas vidas passadas, qualidades das quais dependem os impulsos que nos movimentarão em nossa vida atual, dos quais deriva o tipo de conduta e, por isso, de nossa existência. O fato se verifica com qualquer semente. A sua própria natureza já nos diz desde o início qual será o desenvolvimento de toda a sua existência, que a semente já contém em si potencialmente. Isto porque a vida atual não é senão um trecho a mais que se junta a um imenso caminho percorrido no passado. O desenvolvimento de um destino não representa senão a realização atual do que já estava potencialmente contido na Personalidade ao nascer. Eis que é possível conhecer qual será o tipo de destino, quando conhecemos o tipo de Personalidade. Temos antes de tudo um destino biológico geral, porque pertencemos à raça humana o qual estabelece os vários períodos e duração de nossa vida; um destino econômico e social, dependente da posição e ambiente em que nascemos; um destino, poder-se-ia dizer clínico, que marca com antecedência a nossa pré-disposição a esta ou àquela doença. conforme o organismo físico que recebemos dos nossos pais: por fim, acima deles, temos o que se poderia chamar um destino psicológico e espiritual, em que se revela a verdadeira Personalidade e o poder do eu, mais ou menos dono de si mesmo, reagindo contra as condições impostas pelos outros destinos inferiores, para dominá-los e tornar-se sempre mais livre, a eles impondo sua vontade, e se for maduro, com a sua conduta moral deslocando-se para um plano de vida mais alto, para aí se realizar como ele quer, conforme sua natureza.


É preciso entender que amadurecimento evolutivo significa elevação de nível biológico, o que significa elevação de tipo de destino, com as correlativas vantagens e desvantagens. Isto depende do comportamento dependente das qualidades do indivíduo, e que é diferente conforme o seu nível. Assim um homem do 2.º tipo poderá ser sincero e virtuoso, mas sobretudo por calcular uma vantagem para si (paraíso ou inferno etc.), enquanto um homem do 3.º tipo o será sobretudo por um princípio ideal. Assim, o tipo médio na sua conduta procurará a aprovação do mundo, coisa para ele muito importante. O tipo superior pedirá apenas o julgamento de Deus, porque sabe o que vale o do mundo. O tipo médio aterroriza-se com as condenações do mundo. O tipo superior depõe sua consciência perante Deus. O tipo médio é vaidoso, porque está vazio. O tipo superior é humilde, porque é virtuoso e, por isso, o seu valor não precisa dos louvores dos outros. As finalidades do tipo médio estão todas neste mundo; as do tipo superior estão além deste, num mundo superior. Eles, na luta para defender sua vida, seguem dois métodos completamente diferentes. O primeiro conduz-se como um ser que vive isolado do universo e de Deus, só podendo contar com o que possui, com a sua força e astúcia. O segundo não vive isolado no universo e separado de Deus, sabendo que basta praticar a Lei, porque então ele pode contar com forças superiores que impõem a justiça de Deus. O 1.º acredita que, fazendo o mal, seja possível vencer .O 2.º sabe que isto significa perder. o 1.º representa a forma mental do mundo. O 2.º representa ao contrário, o superior espírito do Evangelho.


Assim, conforme sua natureza, o indivíduo traz consigo já estruturado o seu destino, não como uma fatalidade cega e injusta, mas como urna lógica e justa conseqüência das causas semeadas e qualidades impressas no eu nas vidas precedentes. A maioria vive cega a respeito de tais problemas. Mas eles são fundamentais para quem queira viver dirigindo-se com inteligência.


Então, para conhecer qual é o tipo de destino que lhe pertence, é necessário antes de tudo conhecer o nível evolutivo em que o indivíduo vive, isto é:

1) o inferior, instintivo, do subconsciente;

2) o médio, racional, do consciente;

3) o superior, iluminado, do superconsciente.

Trata-se de três níveis biológicos, em cada um dos quais a vida é regida por leis diferentes. Ora, pertencer a um ou outro desses níveis, estabelece a Lei a que o indivíduo tem de ficar sujeito, a lei em cujas normas tem de ficar enquadrado todo movimento seu e ligado o desenvolvimento do seu destino. É lógico que o conteúdo de cada vida dependa da posição que o ser ocupa ao longo do caminho da evoada um.


Teremos, então, três tipos fundamentais de destino:

o de quem vive no 1.º nível;

o de quem vive no 2.º nível;

o de quem vive no 3.º nível.



No 1.º caso o desenvolvimento da vida é simples, dirigido por poucos impulsos fundamentais, dos quais é fácil prever os efeitos. O indivíduo possui poucas idéias e com elas resolve os seus poucos problemas. Eles são os da fome e os do amor. Quando o ser tem saciados os desejos do estômago e do sexo, fica satisfeito porque cumpriu todas as funções que a vida lhe pede: assegurar a conservação individual e a da espécie. Com isso a sua tarefa biológica se esgota. Para além disto, que é todo o mundo seu, nada sabe, nem procura. A lei desse nível biológico não vai além desses estreitos li­mites, dentro dos quais, então, está marcado o caminho ao longo do qual se desenvolverá o destino de quem vive nesse nível Para ele, o impulso de crescimento poderá manifestar-se no desejo de satisfazer sempre mais os seus impulsos fundamentais, do estômago e do sexo, isto é, não trabalhar, engordar, gozar, ter mulheres e filhos, mas sem sair de tal tipo de experiências. Esse é o conteúdo do tipo de destino do indivíduo do 1.º caso.

No 2.º caso, por maiores experiências que enriqueceram o eu de novas qualidades, o desenvolvimento da vida se torna mais complexo, dirigido por novos impulsos, com maior amplitude de escolha e de correlativos efeitos. O indivíduo conquistou novas idéias, concebe e consegue resolver maiores problemas. Estes são não somente os elementares do estômago e do sexo, mas também os do poder, da organização social, do domínio sobre as forças da natureza, os da riqueza, da glória, do conhecimento etc. Nesse nível a vida não pede somente que se resguarde a conservação do indivíduo e da espécie, mas que isto seja feito com maior abundância e segurança, desenvolvendo ao serviço da defesa uma arma mais poderosa do que a dos primitivos: a inteligência. Mas esta fica fechada dentro de limites, além dos quais a mente da maioria não sabe e pouco procura saber, neste seu nível ficando satisfeita com a solução daqueles problemas, sem olhar para outros mais longínquos. Eis, então, que dentro de tais limites está marcado o caminho ao longo do qual se desenvolverá o destino de quem vive nesse nível. Além do que constitui o conteúdo da forma mental do indivíduo. conforme o seu plano de evolução, o ser não pode conceber nem realizar, e, por isso, o seu destino não pode conter mais. Enquanto não subir para formas de vida superiores, ele ficará amarrado a tal tipo de experiências, que representam a tarefa que lhe cabe, o tra­balho que deve cumprir. A vista desse biótipo não enxerga mais vastos horizontes. Se não tiver adquirido um novo amadurecimento evolutivo, a entrada para um nível superior lhe ficará fechada e ele não poderá entrar. Sabemos, assim, qual é o conteúdo do tipo de destino do indivíduo do 2.º caso.


No 3.º caso, por ter feito novas experiências e conquistado novas qualidades, o desenvolvimento da vida se torna ainda mais complexo, dirigido para horizontes imensamente mais vastos. Pelo novo entendimento adquirido, nascem novos impulsos, que movimentam o ser para novos caminhos, que o levam além dos precedentes. Ele não existe mais só para si, cercado de mistério, no seu pequeno mundo terrestre, mas vive conscientemente em função do universo, do qual se torna cidadão, coordenando-se organicamente no seio do seu funcionamento. Ele concebe e resolve novos problemas. Progredindo no conhecimento da natureza das coisas, não cai mais vítima das tantas ilusões da vida. Ele finalmente entendeu que os velhos objetivos pelos quais tanto lutava, têm valor relativo. A sua vida transbordou para além dos velhos limites, em que ficava presa. Assim, ela adquire novo significado e conteúdo. Ao invés das restritas conquistas terrenas para escravizar os vencidos, surgem as conquistas da inteligência e do espírito para erguer todos a um nível evolutivo mais adiantado e feliz. Chegando a esse plano, o ser transformou a sua vida de cego, dirigido pelos instintos mais ou menos controlados, na de um iluminado dirigido pelo conhecimento. Eis, então, que o caminho, ao longo do qual se desenvolverá o destino de quem vive nesse nível, está marcado, mas para além dos velhos limites, em direção diferente. O ser não está mais fechado neles, descobriu uma nova forma de existência, adquiriu nova forma mental, com a correlativa conduta. Mudou com isso o caminho do seu destino. Por ter atingido esse nível superior, se torna possível para o indivíduo a realização dos valores imperecíveis, que estão atrás das aparências que constituíam o mundo do precedente nível inferior. É lógico que esse outro biótipo, isto é, o do 3.º caso, tenha um tipo de destino, cujo conteúdo é completamente diferente dos dois casos precedentes.


Nestes três casos vemos funcionar o indivíduo em três níveis diferentes. No 1.º caso, ele funciona como ventre, no 2.º como cérebro, no 3.º como espírito. O centro da vida se desloca dos sentidos à mente, à alma, subindo para formas de existência cada vez mais evoluídas. Na luta pela vida, cada um resolve o problema fundamental da sua defesa de uma maneira diferente: o 1.º biótipo apenas com a força bruta dos seus recursos físicos, ignaro de qualquer idéia de justiça; o 2.º conhece o que é justiça, mas a usa só para de­fender os seus interesses, em seu proveito; o 3.º biótipo não julga e se entrega completamente à única verdadeira justiça, a de Deus, usando como arma para a sua defesa somente a sua obediência a Lei.


Deste modo vão progredindo juntas a sensibilização do ser, a sua inteligência, a sua capacidade de entender, e assim evitando-se erros e as correlativas dores. Claro que assim muda o tipo de vida que pertence ao ser, o que quer dizer que a evolução transforma também o tipo de destino que espera o indivíduo em seu nascimento. Ele tem que lutar, para subir de um plano biológico para outro, mas uma vez atingido um mais adiantado, isto automaticamente implica o desenvolver-se da sua existência, conforme um tipo de destino diferente dos precedentes, proporcionado ao novo nível em que o indivíduo, de acordo com o seu amadurecimento, mereceu nascer.


* * *

A conclusão a que até aqui chegamos é que há três tipos fun­damentais de destino, conforme a natureza do indivíduo, representada pelo nível evolutivo em que ele se encontra. Ora, quando conhecemos esse fato básico, eis que já possuímos os elementos para estabelecer qual é o tipo de destino que a cada indivíduo caberá na sua vida. Quando, através do estudo das nossas qualidades, podemos individuar qual é o nosso tipo biológico, eis que já podemos determinar nas suas linhas gerais qual será o nosso destino. Estabelecido esse primeiro ponto de nossa pesquisa, continuemos aprofundando cada vez com maior exatidão a observação do fenômeno -


O que dissemos até aqui a este respeito, não nos oferece senão uma visão esquemática básica para nos orientarmos na pesquisa e enfrentarmos a solução do problema. O nosso objetivo é o de chegar a estabelecer um método que nos ensine como conhecer o destino particular de cada um e prever o seu desenvolvimento. Isto se torna para nós possível pelo fato de que agora estamos orientados dentro do plano do universo, pela solução, oferecida em nossos livros, de tantos problemas, que religiões, filosofias e ciência ainda não te solveram. Os menores problemas particulares não podem ser resolvidos. senão depois de ser atingida a solução dos problemas universais, que nos orienta na pesquisa. O nosso mundo procura soluções isoladas, mas problema nenhum é solúvel isoladamente, num universo onde tudo é ligado e comunicante, regido por uma só lei, funda­mentalmente unitária.


Um fato que é preciso levar em conta é que na prática os mencionados três níveis não se apresentam como três compartimentos estanques, absolutamente separados um do outro, mas como três fases sucessivas e contíguas do mesmo processo evolutivo, que todos estão percorrendo.


É fácil assim compreender que o passado transposto esteja superado, mas não completamente destruído, podendo voltar a sobreviver como um retorno ou lembrança daquele passado. Aparece, então, na superfície da consciência o que foi escrito nas camadas inferiores da Personalidade, ao longo do caminho do seu desenvolvimento.


Pode ocorrer que um indivíduo não viva somente num dado nível biológico, sujeito ao correlativo tipo de destino, mas viva numa fase de transição de um nível para outro, na qual lutam para se concretizar impulsos que provêm dos planos inferiores, juntamente com outros dos superiores. O que prevalece depende da medida em que o passado foi superado. Lembremo-nos de que se trata de um fenômeno de evolução, o que representa um continuo transformismo. Eis como pode nascer a luta entre o velho, que não quer morrer, e o novo que, por lei de evolução, quer e deve nascer. Velho e novo significam diversas qualidades da Personalidade e correlativos impulsos que dirigem a sua conduta. É preciso, então, para estabelecer qual será o destino do indivíduo, conhecer que o tipo biológico nele prevalece por ser mais poderoso, e que por isso vencerá na luta. Para prever, então, qual será o destino de um homem, é necessário antes de tudo saber em que medida a sua Personalidade contem as características de cada um dos três níveis.

No 1.º caso, o ser vive todo no plano instintivo animal e não há luta entre impulsos diferentes.

É no 2.º caso, que é o da maioria humana, que surge o problema de saber até que ponto o animal do 1.º caso está ainda vivo no homem, e até que ponto apareceu o novo biótipo deste 2.º caso.

No 3.º caso, que é excepcional na terra, o problema é saber até que ponto no homem sobrevive o biótipo do 1.º e do 2.º caso.


Pode assim acontecer que o indivíduo não ocupe somente um nível de evolução. Como já frisamos no capítulo precedente, a estrutura do eu, mais que por um ponto, pode ser apresentada por uma linha, que vai avançando ao longo do caminho da evolução. O seu ponto mais adiantado é representado pela cabeça que vai explorando o futuro para subir. O seu ponto mais atrasado é como uma cauda que vai morrendo abandonada no passado. Com a evolução, a vida se desenvolve do lado da cabeça, ficando superada do lado da cauda. Então a luta pode nascer entre a cabeça, que exige todas as energias vitais para subir, e a cauda que quer ficar dona do terreno que foi o seu. Tudo isto acontece dentro da amplitude evolutiva que o eu abrange. A conduta do ser depende das qualidades que possui e dos impulsos que nele prevalecem. Quando o indivíduo deixa prevalecer os do lado da cauda, que representa o mal, então está voltando para trás, involuindo para o AS. Quando o indivíduo deixa prevalecer os impulsos do lado da cabeça, que representa o bem, então está progredindo para a frente, evoluindo para o S.


Eis que este estudo de psicanálise nos leva ao terreno da éti­ca, da qual ela não se pode separar. Podemos agora entender o que significa a luta que as religiões ensinam contra os instintos inferiores para superar a animalidade, substituindo-a por outros hábitos e qualidades. Explica-se como possam ter valor e função biológica a renúncia pelo ideal, os impulsos de sublimação, conceitos que de outro modo aparecem biologicamente destrutivo, e por isso condenáveis.


É coisa comum em nosso mundo, que religiões e leis, se querem sei entendidas, têm de se moldar. De fato, a ética atual se baseia na premissa de que, face ao tipo dominante, elas se lhe proporcionam e se lhe adaptam quando querem educá-lo para a superação dos seus instintos animais, para que prevaleçam impulsos mais elevados Realmente as religiões partem dos pressupostos do pecador, que elas têm de converter do mal para o bem. Existem, porém, apesar de excepcionalmente, biótipos mais adiantados, para os quais é lógico que essa ética resulta absurda, porque com a sua forma mental de outro nível biológico, eles concebem tudo de forma diferente, já tendo realizado aquelas superações que se exigem deles. Mas pode existir também o caso do biótipo do 3.º nível, que tem de lutar para que nele não prevaleçam os impulsos do 1.º e 2.º nível, no lugar dos do 3.º. Isto pode acontecer no caso em que o indivíduo entrou há pouco em novo plano de existência e até esta altura ainda não consegue levantar todo o seu eu das suas precedentes moradas inferiores.


Uma ética completa deveria ser construída por níveis diferentes para ser proporcionada à natureza e exigências da Personalidade de cada um desses biótipos. É lógico que a ética que dirige o trabalho de construção biológica, que pertence a um involuído, não pode ser igual à ética que pertence a um evoluído. O que o nosso mundo mais procura é menor trabalho possível, de modo que tudo está feito em série, para as maiorias e a minoria abandonada a si mesma está fora da série. Pode assim se verificar luta entre éticas de nível diferente, cada uma feita para dirigir um biótipo diferente, sendo os mais evoluídos expulsos da regra geral, que vale para a maioria. É lógico, então, que tais indivíduos se isolem e afastem das massas, que seguem outro caminho, que não é o seu. Podem assim acontecer que os melhores sejam condenados como inimigos das religiões, enquanto talvez eles sejam os poucos que possuem a verdadeira espiritualidade.


De tudo isto podemos concluir quão complexo seja o problema da ética e como ele não possa ser resolvido isoladamente, mas apenas em função da solução de muitos outros problemas, como até aqui os temos estudados.


* * *


Observemos agora mais de perto como se desenvolve, dentro da amplitude que o eu abrange, essa luta entre planos evolutivos diferentes. Assunto importante, porque nesta luta se manifesta a técnica com a qual se realiza o processo da evolução através do amadurecimento do eu.

A este respeito já vimos que ele se pode encontrar em três posições:

1) nível inferior,

2) nível médio,

3) nível superior.

Mas elas não são senão três degraus sucessivos do seu contínuo caminho evolutivo.

Para o homem, o ponto de partida é a posição 1), isto é, a da animalidade;

o ponto de chegada é a posição 3), isto é, a da espiritualidade.

A evolução consiste nesse deslocamento de um nível para o outro. O processo da evolução humana se realiza na amplitude representada por estes três níveis. É por. isso que os estamos estudando, porque eles nos mostram o caminho do desenvolvimento da Personalidade humana.


O homem do nível inferior é um primitivo sem conhecimento, sem saber o que faz, porque é dirigido por alguns elementares instintos animalescos, aos quais ele obedece cegamente. Em nosso mundo ele constitui as raças inferiores, as camadas mais baixas da sociedade, mais do que economicamente, baixas intelectual e moralmente, de modo que tal tipo de involuído se pode encontrar também no meio dos ricos e seletos da nossa sociedade. Mas qualquer que seja sua posição exterior, tal biótipo fica sempre na lama que é o seu ambiente natural, do qual gosta, sem desejo de sair dele. Fica satisfeito na terra, seu paraíso, no qual encontra egoísmo, ferocidade, guerras, roubos, crimes, tudo do que ele precisa para desabafar os seus instintos.

Um trabalho superior, dirigido para a espiritualidade, inicia-se no nível médio, que é aquele onde está situada a nossa civilização. Aqui o homem começa a sair do pântano da animalidade, adquire e desenvolve a inteligência, funda religiões e filosofias, descobre a arte, a organização social, a ciência. Mas o nível precedente não está ainda esquecido e definitivamente superado. Ele sobrevive no subconsciente, dele volta para dominar, e a inteligência, que deveria ser usada para se libertar, é colocada a seu serviço. As religiões, em nome do ideal de espiritualidade do 3.º nível, pregam a libertação e a superação da animalidade do 1.º nível, mas para quem pertence a um plano biológico inferior é muito difícil entender a verdade de um plano superior. Então tal biótipo a aceita só na aparência, e na realidade a pratica como uma forma de hipocrisia. A verdade em que de fato o indivíduo acredita é a do seu nível de vida, aquela que ele traz impressa na sua Personalidade e que representa a sua forma mental, com a qual ele tudo concebe, entende e julga. Um verdadeiro trabalho de superação por sublimação, que afasta o ser da animalidade, se faz no 3.º nível. Em nosso mundo aparecem as funções do consciente racional, mas estas são usadas em favor do subconsciente animal. Existem grandes descobertas científicas, testemunhos do valor da inteligência humana, mas o uso delas é para fazer guerras. matar destruir obedecendo aos instintos animalidade. Isto nos mostra que no fundo o homem moderno possui a forma mental da fera na floresta, da qual difere pelo fato de que, para satisfazer os seus impulsos primitivos, usa métodos inteligentes, que não são mais os dos dentes e garras, mas as armas atômicas. O homem chegou ao conhecimento que a ciência lhe oferece, não para superar os instintos e se orientar diferentemente, mas para os satisfazer com meios mais poderosos. Assim o eu não dominou o inferior, mas se colocou às suas ordens. O poder da inteligência não foi conquistado para subjugar o subconsciente, mas para servi-lo. Ela não foi utilizada para subir, mas se tornou astúcia dirigida para as satisfações materiais, vantagens imediatas egoístas; o que devia ser um meio de ascensão, se prostituiu a serviço do que é inferior.


O verdadeiro trabalho construtivo da espiritualidade inicia-se no nível superior. O eu superior começa a afirmar-se com a sua luta contra os impulsos do subconsciente, para atingir a definitiva superação da animalidade. Neste plano o homem não coloca a sua inteligência à serviço da sua parte inferior, mas da superior. O eu não se alia à sua parte mais baixa, mas à mais alta. A balança, que no nível médio se inclinava incerta ora para um lado, ora para outro, em tentativas nem sempre bem sucedidas na luta contra o subconsciente, agora pende para o lado do superconsciente. Se dividirmos a amplitude da Personalidade humana em três terços ou níveis, vemos que no 1.º caso o que domina é o 1.º nível; no 2.º caso começa a dominar o 2.º, mas em favor do 1.º e ao mesmo tempo realizando tentativas para subir para o 3.º nível; no 3.º caso é o 3.º nível que se alia ao 2.º para dominar e superar definitivamente o 1.º nível. Assim, é neste 3.º caso que se realiza a grande batalha da sublimação, que leva o ser para o plano biológico superior. Certo que, ao homem que já atingiu o 3.º nível e que pela sua natureza é levado a tomar a sério o ideal vivendo-o de fato, deve parecer uma coisa muito estranha o utilizar-se o ideal para cobrir e ajudar o esforço de satisfazer os impulsos inferiores. Mas de outro lado como pode o homem do 2.º nível entender o que está acima da sua natureza, para além dos limites da sua forma mental? E como se pode exigir que ele tome a sério para vivê-lo o que não pode entender? Há distância entre um plano de vida e o outro, e o ser tem que percorrê-la toda, se quer atingir o superior. Mas, apesar de tudo, é a este 3.º nível que terá de chegar a humanidade de amanhã, é o homem desse tipo superior que dominará no futuro.


Chegado a este ponto da sua evolução, o ser não gasta mais o seu tempo e energias na luta contra o seu semelhante. A inteligência mostrou ao homem qual é o verdadeiro sentido da vida, o seu objetivo, o caminho a percorrer. Então, tempo e energia serão inteligentemente usados, não mais, nas vás tentativas de um cego, mas no trabalho que dá mais fruto como conquista de felicidade o trabalho da superação da animalidade e do aperfeiçoamento moral. A ética e as religiões se tornarão problema de atualidade, vital, bio­logicamente fundamental, porque terão de cumprir inteligentemente a tarefa de dirigir a evolução da humanidade.


Há uma diferença básica entre a religiosidade do homem do 2.º nível e a do homem do 3.º nível. O primeiro, obedecendo à lei do seu nível, concebendo tudo em forma de luta, segue o método gregário, pelo qual uma doutrina ou religião é antes de tudo um grupo ao qual ele pertence e que representa o castelo dentro do qual ele mora, castelo armado contra todos os outros. Na religião desse biótipo, qualquer que ela seja, está implícita a condenação de todas as outras, constituídas por grupos humanos rivais e inimigos. Claro que os ideais das religiões, produto do 3.º nível, descendo ao nosso mundo não podem modificar as leis biológicas aqui vigorantes, que são as do 2.º nível.


A religião do biótipo do 3.º nível é imparcial e universal, não um partido de grupo. Pela sua forma mental completamente diferente, ele não se pode sujeitar à maneira de conceber e agir das massas. Expulso do terreno delas, ao qual ele não se pôde adaptar, porque a sua fase de trabalho evolutivo é diferente, o homem do 3.º nível permanece no mundo um isolado e condenado, envolvido num tremendo esforço ascensional, pelo qual este pioneiro do porvir está procurando sozinho aproximar-se sempre mais de Deus. Tal indivíduo não pode ficar preso a formas diferentes que dividem as religiões, enquanto para ele a coisa mais importante não é a forma. mas a substância, que pouco interessa ao nosso mundo. Ele sabe que a verdade de Deus está acima da luta, e que a do homem não pode ser atingida por absolutismos, porque é relativa e progressiva.


Mas o nosso mundo está constituído pelo homem do 2.º nível, que pensa com a sua forma mental e dela não pode sair. Ora, para quem vive nesse nível, o homem do 3.º tipo é irreligioso, causa de escândalo porque está fora do rebanho, condenado por isso. Mas para o homem do 3.º tipo, o do 2.º é um ser movido, sem conhecimento, pelos instintos do subconsciente. E quando o 3º tipo se queixa, porque a religiosidade não é o que deveria ser para ele, os representantes das religiões entendem sua queixa como condenação do que é santo, como falta de religiosidade, como suspeita rivalidade de interesses religiosos, porque tal é a forma mental dos homens do 2.º tipo, que pronunciam esse julgamento. Tudo tem que existir em função da capacidade de entender de um dado biótipo. Também as religiões têm que obedecer à psicologia das massas, se adaptar às formas que ela exige, se querem penetrar em nosso mundo. O 2.º tipo precisa de imagens que impressionem os seus sentidos, o 3.º tipo, ao invés disso, se ocupa em modificar a sua vida a cada momento. O 2.º tipo procura seguidores para potencializar o seu grupo. O 3.º tipo deixa tais proselitismos fanáticos e, sem impor à força a sua fé aos outros, procura melhorar-se a si mesmo e à sua conduta para com os outros.


Eis então que o homem do 3.º nível é um desterrado em nosso mundo, um expulso pela maioria que faz tudo só para si, obedecendo às leis do seu plano biológico. Tal expulsão é lógica, porque esse homem está saindo das fileiras da gente comum, está se deslocando com o seu centro vital para outro plano de vida, ainda desconhecido para os outros, não pode então funcionar como eles, em série, dentro do rebanho comum. O 3.º tipo está definitivamente superando e abandonando ao seu passado o que pertence ao nível inferior dos instintos, que representa o mundo dos outros, e está acordando no nível do superconsciente. Dura é a vida desse tipo, mas é verdade também que ele está ocupado no maior trabalho da evolução, o de fazer nascer um novo ser. E ele tem de realizar tal esforço no meio da luta pela vida, que na terra não cessa. Então, neste caso o indivíduo tem de sustentar duas lutas, uma interior e outra exterior, uma para chegar à superação das suas velhas formas de vida, e outra para não ser esmagado pela agressividade dos outros. O mundo só pratica a segunda luta, a dirigida contra o próximo, não se interessando pela primeira. Encontra-se por isso em posição de menos trabalho, o que é vantagem. Mas o mundo não realiza o esforço da superação e por isso continua ficando no seu nível evolutivo, o que representa a sua maior condenação, porque sabemos que dores ele contém. Tudo isto está claro para quem entendeu a verda­deira finalidade da vida, isto é, a conquista de valores superiores, para avançar no caminho que vai do AS ao S.


Enquanto o mundo muito pouco entendeu de tudo isto, o biótipo do 3.º nível está todo empenhado no esforço da superação. A sua Personalidade contém e domina os três momentos ou posições evolutivas do eu: a inferior (instintos), a média (razão), a superior (conhecimento). Neste caso o que dirige a vida é o espírito, dominando os outros dois momentos do eu com um regime de disciplina estabelecida conforme os princípios superiores da Lei de Deus. Ao impulso para o gozo substitui-se o hábito da virtude. Cabe ao eu superior tomar a iniciativa das novas criações biológicas, arrastando para a frente a sua parte inferior, ignara e preguiçosa, amarrada aos velhos caminhos que já experimentou e refratária a enfrentar o perigo dos novos. O eu inferior sabe que a sua parte constitui a parte sólida onde se funda o edifício da vida e repele a aventura que lhe oferece o fascínio do desprendimento, que arrebata para o alto o eu superior. Eis dois destinos: o do homem do mundo e o do super-homem, pequeno destino cinzento o primeiro, satisfeito por engordar e proliferar; destino trágico e sublime o segundo, cheio de lutas e dores, mas com vitórias imensas.


* * *


Finalmente, que quer esse homem superior? Ele é um ser que procura a libertação. Entramos em nosso mundo pela porta do pra­zer, para sermos condenados a uma vida de ilusões e dores, domi­nados ao mesmo tempo por uma imensa fome de felicidade. O ho­mem procura, usando qualquer meio e vai ao encontro dela furtando-a, violando a Lei de Deus. Mas, quanto mais alegria ele acredita encon­trar, tanto mais se afunda na insatisfação e sofrimento. Isto parece um jogo cruel e traidor, mas corresponde à lógica e justiça O ser quereria voltar de graça a possuir a perdida felicidade do S, mas para atingi-la é preciso remir-se, percorrendo com fadiga, subindo, o caminho fácil que foi percorrido na descida, com a involução depois da revolta. Por isso estamos amarrados à cruz. Entretanto almejamos o contrá­rio. Então, acreditando ser astutos, quando somos só ignorantes, escolhemos o caminho mais agradável, o da descida, assim, ao invés de subir para o S, que é felicidade, descemos para o AS que é sofrimento. Esta é a trágica posição do homem do 2.º nível, a de um esfomeado que não pode comer, porque não pode encontrar outro alimento senão aquele que ele próprio envenenou com a sua revolta. E para o desenvenenar não há outro meio senão o caminho da cruz. Eis o drama da vida humana: desesperadamente almejar felicidade, mas ser condenado ao sofrimento, e não ser possível sair dele, senão por um doloroso esforço de superação.


O homem do 3.º nível entendeu tudo isto, sabe que há um ca­minho pelo qual é possível atingir a libertação, enfrenta-o corajosa­mente, e vai subindo e afastando-se do nosso mundo, nele deixando o homem do 2.º nível mergulhado no sofrimento, em vão procuran­do realizar o paraíso no seu inferno terrestre. Outra solução não há. Parece coisa bem estranha que quem procura gozar encontre o contrário, e que a alegria não se possa encontrar senão através do sofrimento. Tudo isto parece um truque diabólico, um emborca­mento para enganar. Mas é assim exatamente porque se trata de endireitar o que estava emborcado, por culpa do próprio ser na sua revolta contra à Lei de Deus. É por isso que a escola da vida é uma dura lição cheia de dores. Ela representa o caminho difícil da subida, que deve corrigir o outro fácil, às avessas, percorrido na descida. A vida é um jogo sutil, completamente diferente daquele que parece ser. O nosso destino, seja nos seus princípios univer­sais, seja no caso particular de cada indivíduo, contém nem mais nem menos o que nos pertence, conforme o nosso merecimento e justiça.


Que lei justa e tremenda há atrás das aparências! E o homem acredita que seja possível com a sua força ou astúcia eximir-se dela! Cada um escolhe o seu caminho: quem é gozador, quem é avaren­to, apegado à posse dos bens materiais, quem é orgulhoso, ávido de poder e glória, quem é agressivo, guerreiro, quem segue a vereda do sacrifício e do amor. Assim cada um constrói o seu destino, em que se realiza a prestação de contas. Em geral isto significa ter de pagar a violação da lei com o próprio sofrimento. O princípio do egoísmo, do separatismo, do antagonismo e luta, do qual derivam tantos dos nossos males e que constitui a base de nosso tormento, não foi criado por Deus, que não podia agir contra si mesmo, mas é conseqüência da revolta, e por isso é justo que paguemos. Mas o homem do 2.º tipo está fechado na forma mental do seu nível, de modo que não pode entender esta conversa.


Para ele a sabedoria não consiste em ter compreendido a imen­sa vantagem de obedecer à Lei de Deus, mas em saber enganá-la, para chegar à satisfação de obedecer aos instintos inferiores. A inteligência serve para esconder a verdadeira cara sob uma mascara que permite parecer por fora pessoa nobre e digna de respeito. Para ele o homem sincero que acredita no ideal é um simplório que não conhece a vida e que por isso é a coisa mais procurada, porque é fácil enganá-lo e explorá-lo. Assim a inteligência deve ser usada para a própria vantagem e para dominar os outros, e é louco quem a usa para o seu dano e vantagem dos outros que procuram dominá-lo.


Mas eis que, acima das sagacidades humanas, o que de fato manda e acaba vencendo é a justiça da Lei. O homem do 2.º tipo obtém a sua vantagem imediata de vencer no seu mundo e com essa satisfação recebe a retribuição do seu trabalho, momentânea que acaba com a vida. Na vida seguinte ele se encontra no mesmo nível evolutivo, sem ter ganho um passo. O homem do 3.º tipo é um desterrado e vencido neste mundo, onde não encontra senão luta e sofrimentos, está envolvido num duro trabalho de evolução que o outro biótipo não conhece, mas constrói o seu futuro. Na sua vida seguinte ele receberá o fruto desse, trabalho, porque se encon­trará num mundo de nível evolutivo mais adiantado, usufruindo bens valiosos.


O princípio da evolução é que, todo esforço que o ser executa para subir, está compensado por um proporcionado melhoramento das condições da sua existência. Esta é a justiça da Lei. Ora, se a vida é mais fácil para o homem do 2.º tipo, porque não se fadiga com trabalhos em sentido evolutivo, é verdade também que ele fica estacionário no mesmo nível e, do ponto de vista do seu progresso, a sua existência é inútil, representando perante o maior objetivo desta, um tempo perdido. Disso o indivíduo é avisado pela sua in­tima insatisfação, por uma sensação de vazio e cansaço de tudo, que o persegue e que para ele desvaloriza as coisas mais preciosas. E regra geral: o que possuímos vale em proporção do esforço que nos custou o fato de o procurar. Eis então que o bem-estar no ócio tira todo valor à vida do indivíduo, que não pode deixar de sentir que não vale nada, porque não sabe fazer e não quer fazer nada. E assim que pela dita lei de justiça, as que parecem ser as melhores posições sociais, as que a maioria inveja, muitas vezes são as piores. porque roídas por dentro por essa desvalorização do indivíduo, de­vida à sua vida inútil no bem-estar.


Ora, o homem do 3.º tipo, que luta desesperadamente contra o mundo para superar a sua própria inferioridade animal, não pode deixar de ter consciência do seu valor, que lhe testemunham as con­quistas que ele está realizando. No meio dos seus sofrimentos sabe que se está deslocando para o alto, realizando o maior impulso da vida, ao qual os preguiçosos se recusam, e que é do crescimento. O teclado que tal biótipo pode tocar é muito mais extenso que o comum, porque seu centro vital se está deslocando de baixo para cima e permanece ativo em vários níveis. Assim, ele possui uma Personalidade rica, até ao ponto que ela na luta entre o subconsciente e o superconsciente, pode parecer múltipla e, para o psicoanalista superficial, até patológica. No meio dessa guerra para a supe­ração, a Personalidade fica fervendo numa contínua febre, que não aparece em quem está tranqüilamente adormecido, radicado no 2.º nível. Febre pode significar complexos, crises de adaptação, dese­quilíbrio de impulsos e movimentos, conduta contraditória, que pa­recem sintomas de doença, quando representam crises de cresci­mento. Outro é o modelo biológico do homem do 2.º nível, equilibrado, mas numa posição estática, ignaro de tais dinamismos revo­lucionários e criadores. É lógico que, olhado do ponto de vista de tal biótipo, o homem do 3.º nível seja condenado.


Sobre estas bases se levanta o destino de cada um, já marcado conforme sua natureza. O mundo parece inconscientemente se aper­ceber da desvantagem do seu método de vida, e parece que esteja com ciúme de quem quer superá-lo. Por isso se lhe agarra para pa­ralisá-lo, parando-o na sua subida. Então, num mundo onde o que importa é parecer virtuoso, mais do que sê-lo, o homem superior acaba sendo o mais censurado, porque não trabalha para esconder os seus defeitos, mas para destruí-los, assim ajudando, contra si pró­prio, a agressividade dos outros. Deste modo, ao invés de se cobrir, se descobre; ao invés de se desculpar, se acusa. O mundo se rebela contra tal emborcamento dos seus métodos, que soam como uma condenação para ele. Assim o homem do 3.º nível será sempre con­denado pelo mundo como um escândalo, um mau exemplo, um pe­rigoso descobridor de mentiras, porque ele incomoda estragando o fruto da trabalhosa adaptação milenária dos ideais às exigências da animalidade humana.


Eis o destino do homem superior no mundo: o de ser tratado como louco, condenado como rebelde, esmagado como merece um fraco vencido, enquanto é um vencedor da maior batalha da vi­da, a da evolução. Eis o conteúdo biológico dessa sabedoria que o mundo chama de loucura dos santos. Eis a explicação racional, o sentido cientificamente positivo da vida, que parece estranha, de tais indivíduos que as religiões veneram, mas sem nos esclarecer a seu respeito com estes conceitos, dos quais o homem moderno pre­cisa para ficar convencido.


Assim se desenvolve nos seus vários níveis, o complexo jogo da vida e de nosso destino.





VI


O DESTINO



Observamos nos dois capítulos precedentes o fenômeno da Personalidade humana nas suas qualidades e comportamento, conforme ela pertença ao 1.º, 2.º ou 3.º dos três níveis evolutivos:

subconsciente, consciente, superconsciente.


Observamo-la depois na sua evolução do 1.º ao 2.º e ao 3º destes três níveis. Vimos como, pelo fato de se deslocar de um plano de existência ao outro, muda a natureza do ser, como também o seu tipo de vida e de trabalho, à medida que ele vai evoluindo. Assistimos assim ao processo de recons­trução do eu que sobe ao longo do caminho da evolução, que o leva ao AS para o S.


Vimos também que o que estabelece o tipo de destino do ser é a sua posição ao longo desse caminho, a altura evolutiva em que o ser está situado conforme pertença a um ou outro destes três níveis Vimos assim que a cada um dos três tipos biológicos corresponde um proporcionado destino, ou seja, que os três níveis evolutivos e correlativos tipos biológicos correspondem três tipos fundamentais de destino, que mudam com a evolução do ser. Muda com isso a tábua dos valores, a ética e correlativa conduta, muda o diferente grau de conhecimento e com isso a responsabilidade, porque, pelo fato de que a posição do ser na escala evolutiva é diferente segundo o tipo, é diferente também o caminho a percorrer, o tipo de experiências úteis para evoluir, o trabalho construtor a realizar, e a lei que o dirige.


Temos desta forma apresentado até aqui o problema do destino nos seus termos gerais, estabelecendo as suas bases em relação ao tipo biológico. Dentro dessas grandes linhas que dirigem o fenômeno no seu conjunto, enfrentaremos agora o problema do destino no caso particular do indivíduo, para atingir o conhecimento do seu conteúdo, também nos pormenores do caso singular, contido dentro do caso geral. Não há dúvida de que o fato do indivíduo estar situado num dado nível de evolução e correlativo plano de existência, e representar um dado tipo biológico, estabelece, a priori, quais devem ser o modelo e as características fundamentais do seu destino. Estes elementos estão ligados entre si e assinalam o tipo de caminho que o ser terá de seguir na sua vida. Mas estas são apenas as grandes margens da corrente da existência do indivíduo. Dentro dessa corrente cada um segue um caminho próprio, que representa o seu destino particular. É neste fenômeno que agora queremos focalizar a nossa observação.


Para o entender é necessário antes de tudo estabelecer qual é o nível evolutivo e o correlativo tipo biológico, porque é dentro desse quadro geral que fica situado o do destino individual do ser. É lógico que o caminho que terá de percorrer um tipo inferior não poderá ser igual àquele de um tipo médio, ou de um superior. porque os impulsos que os movimentam, as reações ao ambiente, as suas exigências evolutivas são de tipo diferente. Depois de ter estabelecido tais limites do quadro geral, que encerra o caso particular do indivíduo, para conhecer o seu destino pessoal, teremos de pesquisar qual é o conteúdo da sua Personalidade na sua posição atual, seja como consequência e continuação do caminho percorrido no passado, seja como preparação e antecipação do caminho a percorrer no futuro.


Assim teremos agora de voltar ao estudo da Personalidade humana, para aprofundar o nosso conhecimento das leis que regem o processo da sua construção e, com isso, o desenvolvimento do seu destino individual. Ser-nos-á possível, assim, chegar a conhecer uma coisa de importância vital, isto é, qual é a técnica da construção de nós mesmos, o que quer dizer conhecer o método com o qual cada um pode construir, com suas mãos o seu destino.


Para realizar a construção da Personalidade, que representa o trabalho da evolução em nossa fase atual, a inteligência da vida usa o método da transmissão ao subconsciente, pelo qual experiências e soluções, pelo fato de terem sido longamente repetidas por se terem demonstrado úteis à sobrevivência, tendem automaticamente a continuar-se repetindo, pela velocidade adquirida, impulsionando o ser a prosseguir na mesma direção.

Assim, o que foi vivido no passado se torna automatismo, fruto assimilado, fixado no subconsciente, na forma de novas qualidades adquiridas, que são o que chamamos instintos. Com esse método o homem, como também os animais e qualquer forma de vida, vai, com a sua experimentação, aprendendo sempre e com isso adquirindo novas características inatas, impulsos instintivos, que dirigem cada nova existência terrestre.


Não repare o leitor se às vezes temos de repetir coisas já ditas. Isto pode ser necessário para enquadrar e iluminar novos problemas, em relação aos quais elas são lembradas, mas com sentido e finalidade diferente.


Então, cada indivíduo, com o nascimento, traz consigo um impulso que o impele para uma direção já assinalada, consequência fatal das experiências realizadas, do tipo e velocidade das forças lançadas nas vidas precedentes. Este patrimônio de conhecimento adquirido no passado constitui a verdade axiomática oferecida pelo instinto. Ela está acima da razão e vale mais que esta, porque representa o produto de uma experimentação prática, realizada em contato com a realidade dos fatos. A razão faz pesquisas, explorando por tentativas o novo desconhecido. O instinto permanece num terreno mais limitado, porém mais controlado pela experiên­cia e, por isso, seguro. Em substância, a ciência, quando descobriu o método experimental ao qual deve os seus mais brilhantes resultados, não fez senão imitar o método que a vida já praticava para chegar à conquista do conhecimento, que lhe é indispensável para continuar existindo. Ou melhor, poderíamos dizer que o método experimental da ciência representa, num nível mais elevado, a continuação do método experimental que a vida já usava para construir a sabedoria, da qual o ser precisa para resolver o problema da sobrevivência.


Tal impulso, a continuar na mesma direção, apesar de dificultado pelas resistências do ambiente e corrigido pela reação da Lei. o que estabelece a base do destino de uma vida, destino que assim propenderá a se realizar na direção seguida no passado. É por isso que há acontecimentos que parecem realizar-se por vontade própria. O que constitui essa vontade é a velocidade adquirida que continua impulsionando na mesma direção. Os velhos hábitos constituem uma força com tendência a uma contínua atuação segundo a lei de causa-efeito, pela qual o ser é automaticamente constrangido a colher o fruto do que semeou. O passado, qual quisemos vivê-lo, ressurge indestrutível no presente Poderemos corrigi-lo com novos impulsos da nossa vontade, mas não aniquilá-lo, porque um impulso, uma vez lançado, não pode ser detido nos seus efeitos, até que estes se esgotem.


Eis, então, que conhecemos qual é o caminho ao longo do qual se desenvolve o destino de cada um. Claro que tudo isto presume a reencarnação, da qual já falamos no capítulo IV. Assim, o que acontece na vida depende do indivíduo e de como ele viveu o seu passado. O tipo de existência que nos deram os nossos pais e o seu ambiente é a consequência da escolha feita pelo indivíduo ao nascer, porque por lei de afinidade ele foi levado a se aproximar dos indivíduos que possuíam qualidades afins àquelas por ele adquiridas nas suas vidas precedentes.


Focalizemos as condições do indivíduo no momento do seu nascimento. Ele traz consigo uma Personalidade já feita, construída por ele mesmo, que o acompanhará por toda a vida, dirigindo-o com a forma mental adquirida, levando-o a resultados bons ou maus, mas sempre merecidos. A este dado tipo de Personalidade poderão ser feitos alguns retoques, mas ninguém o poderá mudar completamente. Tal Personalidade representa uma trajetória que quer continuar percorrendo o seu caminho na direção em que ele foi iniciado, vencendo as resistências que encontra. Isto é verdade a respeito do nosso passado que revive em nosso presente, como a respeito do nosso presente que reviverá em nosso futuro.


No início de cada vida tudo o que foi vivido no passado está escondido, gravado no subconsciente. É sobre esta base que cada nova vida continua construindo o edifício da Personalidade. Como na ontogênese ou desenvolvimento do embrião, o ser resume a filogênese, ou seja percorre de novo rapidamente as fases do desenvolvimento da espécie, assim na meninice e mocidade, antes de chegar ao uso da razão, o homem se dirige com as qualidades adquiridas nas vidas precedentes, isto é, com o que foi gravado no subconsciente, percorrendo assim de novo rapidamente as fases de seu desenvolvimento, até que na maioridade, com o despertar da consciência inicia-se o trabalho da nova construção. Assim, como na sua vida embrionária, o ser vai repetindo em resumo o seu passado fisiológico, da mesma forma depois, na sua vida extrauterina ele repete o seu passado psicológico. Dois desenvolvimentos consecutivos, que fa­zem parte do mesmo processo evolutivo que vai da matéria ao espírito, das mais simples construções biológicas, às nervosas, cerebrais, psíquicas, espirituais.


Observamos que essa repetição do passado se realiza de forma tanto mais rápida, quanto mais velha é a lição aprendida, o que quer dizer mais repetida e por isso melhor fixada. E ao contrário, quanto mais a lição é recente, tanto menos ela foi repetida e aprendida, e por isso precisa ser mais profundamente assimilada com uma nova repetição. Isto até ao ponto em que uma lição completamente nova na vida atual deve ser vivida momento a momento, na lenta sucessão dos acontecimentos concretos.


Explica-se assim como é que na juventude há quem se desenvolve rapidamente, revelando inteligência e qualidades superiores, porque já as possuía por tê-las conquistado no passado; e há quem se apresenta subdesenvolvido, apesar da maturidade física, porque ainda é atrasado e se encontra no baixo nível evolutivo dos primitivos. Explica-se, assim, o fenômeno dos gênios precoces, antecipadamente superdesenvolvidos. Tais indivíduos já trabalharam nas vidas precedentes para conquistar essas qualidades, que agora aparecem porque eles as possuem gravadas no seu subconsciente na forma instintiva de conhecimento adquirido, como os outros possuem na mesma forma instintiva as qualidades inferiores próprias da animalidade. Acontece, assim, que os indivíduos superdotados possuem no estado instintivo espontâneo, porque já assimilado no seu subconsciente, o que para os outros, atrasados, representa o superconsciente, isto é, uma posição adiantada que os espera no futuro e que em todas as suas formas a civilização lhes ensina, mas que eles ainda não entendem nem aceitam, e por isso têm que aprender à força. Nasce assim o poeta, o artista, o cientista, o gênio, o herói, o santo, isto é, o super-homem superdesenvolvido, no meio dos subdesenvolvidos que não o compreendem, o desprezam e condenam. É lógico que os mais adiantados, ao aparecerem na terra, encontrem no seu subconsciente, em forma instintiva, espontâneo, o que por eles já foi vivido e aí gravado; e que era os outros, que não evoluíram até àquele ponto, tudo isto represente um despreconcebível a ser conquistado no futuro. Tudo depende do caminho percorrido na subida evolutiva.


Eis então que no período da juventude o homem vai acordando e revelando a sua verdadeira Personalidade, latente, escondida no subconsciente. O ambiente terrestre oferece resistências, dificuldades e problemas para todos, mas cada um os vence e os resolve de maneira diferente, mostrando, com o seu tipo de reação, qual é a sua verdadeira natureza. Não há somente o terreno já feito sobre o qual se anda, mas há também o indivíduo que sobre ele anda como quer. Sobre o mesmo terreno nem todos andam da mesma forma, mas cada um de maneira diferente, conforme sua diferente natureza. Tudo depende do patrimônio pessoal que cada um transporta do seu passado, depende dos seus recursos e qualidades. Cada indivíduo não nasce nu, mas traz consigo para enfrentar cada nova vida, armazenado no subconsciente, o fruto de toda a sua experiência passada. Na sua viagem no tempo, o ser traz como que uma mala, que se vai enchendo sempre mais de nova sabedoria e capacidades. Na juventude ele a vai abrindo e tirando dela as ferramentas que ali encontra, para realizar o seu atual trabalho terrestre. No fim da sua vida, ele coloca de novo tudo na mala, modificado ou não, aumentando ou diminuindo, melhorado ou piorado, conforme ele viveu, para, com essa nova bagagem, enfrentar a vida sucessiva. E assim por diante. Cada vida é sempre uma continuação, uma consequência, e não se pode construir senão em cima do que foi cons­truído no passado.


E o conteúdo dessa mala que representa a parte determinística do destino, porque estabelece a base, o ponto de partida do seu desenvolvimento, o que já foi escrito no livro da vida, e que agora continuará a ser escrito, estabelecendo quais foram os impulsos já movimentados, que agora querem chegar à sua realização. Eis como é que, chegando ao conhecimento de nós mesmos, por ter analisado as qualidades que possuímos, não somente poderemos reconstruir a história do nosso passado no qual as gravamos em nosso subconsciente, mas pelo mesmo princípio poderemos prever no futuro as consequências do presente, em que continuamos gravando no mes­mo subconsciente outras qualidades. É possível, deste modo, predi­zer qual será o desenvolvimento de nosso destino, porque conhecemos os elementos que o compõem, as causas que semeamos e com isso os efeitos que delas não poderão deixar de sair. A lei de causa-efeito liga de maneira incindível: passado, presente e futuro, num único fenômeno em continuação. No passado encontramos o material já adquirido, que utilizamos para construir no presente, mas no presente podemos juntar ao velho material outro novo para construir o futuro, sempre melhor se quisermos. Eis que o homem que for bastante inteligente para chegar a entender tais princípios, poderá tornar-se dono do seu destino, construindo-o à sua vontade e dirigindo-o para onde quiser.


* * *


Esta análise do fenômeno nos permite atingir três resultados:


1) Observando as qualidades que hoje possuímos como elementos constitutivos de nossa Personalidade, sobretudo as mais espontâneas e instintivas que emergem do subconsciente, podemos reconstruir o nosso trabalho que em nós as gravou, conhecendo desta forma, o tipo de experiências vividas em nosso passado, que como resultado nos levaram à atual estrutura de nossa Personalidade; pode­mos, por fim, conhecer o conteúdo de nossas vidas passadas.


2) Quando conhecemos o que fizemos em nosso passado, como continuação e lógica consequência desse velho trabalho, podemos entender qual deverá ser o novo trabalho a realizar em nossa vida atual. O conhecimento de nosso passado revelará qual a direção que tomou o caminho de nossa vida e o desenvolvimento de nosso destino, de modo que nos será possível prever em que forma ele terá propensão para continuar realizando-se no presente, como lógica consequência do passado, e, no futuro, como lógica consequência do passado e do presente.


3) Quando tivermos atingido tal visão muito mais ampla da vida, que, além dos estreitos limites de nosso presente imediato, se abre sobre o passado e o futuro, agora que conhecemos o processo evolutivo da construção da Personalidade, nos será possível introdu­zir nele os nossos impulsos, novos e necessários, para corrigi-lo e endireitá-lo onde existirem erros, e isto inteligente e espontanea­mente, antes de sermos constrangidos à força pela reação da Lei a pagar duramente com a nossa dor. Chegamos assim a poder moldar o nosso próprio destino, tornando-nos donos dele através do co­nhecimento, donos iluminados e não cegos arrastados pelas forças da vida. Que imensa vantagem poder atravessar o oceano da exis­tência em evolução, sabendo dirigir o próprio navio, em vez de ter que ficar ao sabor dos ventos e das ondas, nas trevas da ignorância, só para bater a cada passo nos rochedos do erro e naufragar, tendo: assim, de aprender qual é o caminho certo através de contínuos sofrimentos! Analisamos esse duro método corretivo da Lei em nosso livro: Queda e Salvação. Assim, para conhecer o nosso passado, seria necessário conhecer este princípio da Lei: "Onde hoje há uma dor, aí esteve no passado o nosso correspondente pecado contra a Lei"; e para conhecer o nosso futuro, seria necessário conhecer também o mesmo princípio da Lei: "Onde hoje se comete um pecado contra a Lei, aí estará no futuro a nossa correspondente dor, peni­tência encarregada de corrigi-lo". Dada a estrutura do organismo do todo, ninguém pode cindir a complementaridade que liga os dois elementos, culpa e sofrimento.


Aprofundemos estes conceitos. Como é possível descobrir: 1) qual é o conteúdo de nossas vidas passadas? 2) qual será o desenvolvimento de nosso futuro destino? Com qual lógica e com que técnica isto se pode realizar?


1) Exprimindo com estas letras os seguintes conceitos, isto é: a = a causa; b = o efeito; x = o conteúdo das nossas vidas pas­sadas; c = as nossas qualidades atuais, poderemos estabelecer a seguinte proporção:

a: b = x: c,

que poderemos ler neste sentido: como a natureza do efeito — b nos expressa a natureza da causa — a; assim as nossas qualidades atuais — c, nos revelam x, isto é, o trabalho que nas vidas pas­sadas fizemos para as adquirir. Assim nos será possível, avaliando os elementos que constituem a nossa Personalidade atual, conhecer o valor da incógnita x, isto é, o conteúdo das nossas vidas passadas.

2) Exprimindo com estas letras os seguintes conceitos, isto é: a = a causa; b = o efeito; c = as nossas qualidades, condições e destino atual; x = o nosso destino futuro, poderemos estabelecer a seguinte proporção:

a: b = c: x

que poderemos ler neste sentido: como a natureza da causa — a, nos mostra a natureza do efeito — b; assim as nossas condições e destino atual, e as qualidades que agora adquirimos com o trabalho que estamos realizando na vida presente — c, nos revelam — x. isto é, qual será por necessária conseqüência, o nosso destino nas vidas futuras. Assim nos será possível conhecer o valor também desta outra incógnita, isto é, o conteúdo de nossas vidas futuras avaliando os elementos que encontramos em nossa Personalidade, como nas condições de nossa vida atual.


A chave para chegar ao conhecimento de nosso passado, como de nosso futuro, está no elemento "c", que é o único que podemos controlar com a nossa observação. Trata-se, então, de estudar a nossa Personalidade em seus dois aspectos: seja nas suas qualidades atuais, com as quais ele se construiu no passado; seja nas suas presentes condições de vida e no trabalho que ela está agora rea­lizando para adquirir as novas qualidades do futuro.


Este estudo de nossa Personalidade significa um profundo ato de introspeção, que se realiza através de um severo e sincero exa­me de consciência. O psicanalista poderá praticar este exame, di­rigindo as pesquisas e ajudando o inexperiente na sua confissão. O homem inteligente o poderá praticar sozinho observando-se a si mesmo, os impulsos que o movimentam, os resultados atingidos, o tipo de acontecimentos que prevalecem na sua vida, a direção para a qual esta tende a desenvolver-se etc. O que interessa conhecer é o valor do elemento "c", levando em conta que ele está situado ao longo de uma trajetória, da qual lhe pedimos que ele nos revele o seu an­tecedente e o seu conseqüente, ou seja, o nosso passado e o nosso futuro, ao longo do caminho da evolução.


Assim o próprio sujeito poderá realizar um processo interior de autopsicanálise, pesquisando no seu subconsciente para ler o que ele mesmo aí escreveu no passado. O valor dos resultados depen­de da exatidão e da profundidade desse exame. O método da pesquisa para chegar ao conhecimento da incógnita x, nos seus dois sentidos, isto é, conteúdo de nossas vidas passadas, como de nosso futuro destino, se baseia na observação do único elemento que temos nas mãos e que podemos observar, o elemento c, do qual, porém, se pode deduzir todo o restante. Isto quer dizer que o exame deve ser completo, nos mostrando qual é o conteúdo de nossa vida atual, pesquisando em duas direções: 1) observar introspectivamente as qualidades da Personalidade e os respectivos impulsos instintivos que emergem do subconsciente; 2) observar exteriormente as condi­ções de nossa vida atual, o nosso comportamento e realizações, os acontecimentos com os quais se manifesta o nosso destino atual. Por outras palavras, observando o que hoje somos por nos termos assim construído em nosso passado, e observando qual é o trabalho que hoje realizamos, com o qual estamos construindo a nossa Personalidade futura, poderemos prever qual é o nosso destino que pa­ra o amanhã estamos preparando. Assim, se concebermos a vida em termos tanto mais vastos, que vão além dos estreitos limites do seu atual trecho terrestre, poderemos ver um nosso maior destino, que vai amadurecendo pouco a pouco, à medida que a Personalidade se vai deslocando e subindo ao longo do caminho da evolução, desde o seu ponto de partida no AS, até ao seu ponto de chegada no S.


Essas pesquisas no passado e no futuro, essas descobertas que parecem incríveis se tornam possíveis quando a nossa observação abrange horizontes que estão além dos horizontes habituais, limita­dos à nossa vida atual, concebidos como um momento de uma imen­sa vida maior, representada por uma trajetória que, como tal está sujeita a uma lei própria de desenvolvimento, a um seu percurso lógico. E o fato de conceber a vida e o destino como um fenôme­no em evolução, em que passado, presente e futuro estão ligados pela lei e a lógica do amadurecimento do mesmo processo, é este fato que nos permite descobrir também as partes que escapam a nossa observação direta, como se pode fazer todas as vezes que há uma trajetória da qual conhecemos só alguns elementos, mas sabe­mos qual é a lei do seu desenvolvimento. E assim que é possível calcular o valor também das zonas desconhecidas do fenômeno.


É preciso entender que o processo da construção da Personalidade é único, canalizado dentro do universal processo evolutivo, su­jeito as regras estabelecidas; entender que é orientado dentro de um plano pré-ordenado e necessariamente orientado para um telefinalismo. Tudo isto faz parte da técnica da reconstrução do universo, da qual em outros livros temos falado bastante. A ignorância não deixa ver senão um nosso pequeno destino momentâneo, separado daquele imenso processo, isolado no vazio, enquanto tudo é lógica conseqüência e férrea continuação, como acontece no caminho de um projétil lançado no espaço. Como neste, também no destino, a posição de cada momento está ligada àquelas posições de todos os momentos precedentes e sucessivos, o presente estava contido no pas­sado e no presente está contido o futuro, E, uma vez iniciado um movimento numa dada direção, tudo tende a continuar movimentan­do-se na mesma direção. Não há dúvida de que, apesar de nossa li­berdade de introduzir na trajetória de nosso destino impulsos novos que o possam modificar, esta lei que estabelece o percurso de uma trajetória, uma vez que ela foi iniciada num dado sentido, representa no fenômeno um impulso de tipo determinístico ao qual todo o pro­cesso fica inexoravelmente sujeito. Com a sua livre escolha, o ser se lança no caminho da vida numa direção ou outra, da qual ele depois não poderá sair senão por meio de impulsos seus, diferentes, lança­dos em diferente direção. Mas até que ele realize com o seu esforço esta mudança, tudo continuará avançando na direção precedente. E mudar não é fácil. Não é fácil modificar os instintos. Eles represen­tam u'a massa lançada, uma velocidade adquirida, e por inércia. uma autônoma vontade de continuar, que não é fácil corrigir.


Como um projétil tem a sua trajetória no espaço, calculável se­gundo as suas características, assim a Personalidade, no seu desenvolvimento, tem a sua trajetória no tempo, calculável segundo as suas características. Essa trajetória no tempo é o que se chama destino. Seja no espaço como no tempo, logo que aparece um movimento, tu­do é consecutivo, aparece uma ligação entre antecedente e conseqüente, à qual o desenvolvimento do fenômeno fica amarrado sem saída. É por isso que o futuro, antes de se tornar presente, já está comboiado ao longo de uma linha marcada, que o prende antes do seu nascimento. O efeito está envolvido, enredado no seio da sua causa, como o feto no seio materno como a planta na sua semente. Tudo chega à existência por esse método de filiação, que é o que per­mite a conservação dos valores adquiridos, a continuidade no desenvolvimento, uma orientação constante no caminho evolutivo, um es­tado de ordem e organicidade neste imenso movimento de todo o universo. Assim nada morre e tudo ressurge nesta contínua repeti­ção do passado. São estes liames que mantêm em unidade a imensa multiplicidade do todo. Não há existência que não esteja em movi­mento, em perene transformação, mas sempre dentro da disciplina estabelecida por tais princípios. Assim nascemos aprisionados pelo nosso passado, seja como indivíduos, seja como sociedade, constrangidos a andar de novo nos trilhos já percorridos, que no terreno da vida de contínuo escavamos com os nossos pés.



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Agora que conhecemos a técnica do desenvolvimento de nosso destino, nos perguntamos: que adianta, para que é útil saber tudo isto? A vantagem está no fato de que quem sabe não é mais um bo­neco cego, como a maioria, condenado a aprender duramente atra­vés dos seus sofrimentos, mas, pelo contrário, possui o conhecimen­to para escolher o caminho, para ele melhor, e com isso um meio para dirigir o seu destino inteligentemente, assim evitando erros e as correlativas dores, que cumprem a função de o endireitar. Pode­mos deste modo evitar tais choques com a Lei e as suas tristes conseqüências. Queremos a felicidade. Mas para chegar a ela, é neces­sário conhecer e seguir as leis que a ela conduzem, das quais ela depende Assim possuiremos, como já dissemos, a arte de moldar o nosso destino, o que significa possuir a técnica da construção da nossa Personalidade: sabedoria fundamental, de libertação e salvação, porque ela nos permite subir para níveis de vida cada vez mais adiantados, e por isso mais felizes.


O destino se poderia definir: o caminho que o indivíduo per­corre na construção da sua Personalidade. Os resultados dependem da escolha que ele faz deste caminho, conforme ou contra a Lei, aproximando-se ou se afastando dela. Agora sabemos que no desti­no há uma parte determinística representada pelo retorno e conti­nuação do passado, a qual temos de aceitar à força; mas que há também uma parte livre, na qual podemos tomar novas iniciativas. Então, se o passado foi errado e hoje nos esmaga, é possível liber­tar-nos dele, neutralizando-o, seja deixando que ele esgote o seu mau impulso e suportando com paciência os sofrimentos decorren­tes, seja substituindo aos velhos hábitos contra a Lei por outros novos, de acordo com ela. Eis o que fazem os inteligentes, os sá­bios. Demonstramos suficientemente que o segredo da felicidade está em nos libertar de nosso passado inferior, da animalidade, pa­ra avançar no caminho da evolução, está em nos afastarmos sempre mais do inferno do AS, para nos aproximarmos do paraíso do S. O segredo da felicidade está em saber mudar o nosso destino de invo­luídos no de evoluídos.


Nisto consiste o processo evolutivo para o homem, trabalho que cada um tem que realizar com seu esforço, para si, sozinho, pe­rante a justiça da Lei, carregando todo o peso do seu passado, mas com a possibilidade de se libertar dele, construindo agora a sua Personalidade em sentido diferente. Eis qual deve ser o conteúdo da ética, a sua maior finalidade. O peso das qualidades gravadas no passado, no subconsciente humano, individual e socialmente, é in­crível, é ele que dirige a maior parte de nossa vida. Qual é o nosso recente passado e o que se pode exigir de uma humanidade que ain­da há pouco tempo estava mergulhada nas trevas e ferocidades da Idade Média? Tudo isto está pronto a ressurgir do subconsciente na primeira oportunidade. Vimos o que aconteceu na última guerra mundial, e todos os dias vemos como as pessoas têm gosto para con­tos e crônicas de crimes.


Um dos maiores perigos para a vida social é o espírito de luta, ao qual o instinto está fortemente apegado, porque a ele o ser deve a sua sobrevivência, o que é difícil de pagar. Pelo princípio há pouco mencionado, do retorno e continuação do passado, este im­pulso guerreiro que representa a parte determinística do destino. continua funcionando também quando ele não representa mais uma defesa da vida, mas um meio de destruição universal. Com a evo­lução mudam as leis que regem a vida e o que era útil pode-se tor­nar um perigo, o que era vantagem, tornar-se dano. Eis que no tra­balho da evolução chegou a hora de mudar de caminho, substituin­do, como já dissemos, aos velhos hábitos outros novos, instintos di­ferentes. A humanidade terá de atravessar novas experiências que lhe ensinem uma conduta diferente do passado, outra lição mais adi­antada, porque com a evolução estão mudando os valores e os pon­tos de referência de nossa ética. No próximo futuro o herói da guerra será simplesmente um criminoso, como hoje é quem mata outro cidadão. A vida fica apegada aos velhos caminhos já bem experimentados e por isso mais seguros. Mas ao mesmo tempo a evo­lução impulsiona para a subida, e tal impulso representa um elemen­to de renovação, pelo qual a destruição do velho e a criação do no­vo se torna inevitável.


É verdade que até agora a guerra foi um meio de renovação, destruindo o velho para lhe substituir o novo. Um contínuo bem-estar na paz é anti-evolutivo. Ela pode ser sinônimo de inércia, a posição de um mundo estático. que envelhece e apodrece na rotina, na repetição. Mas aqui não falamos de destruir a luta e o correla­tivo esforço criador. mas de abandonar essa forma involuída de lu­ta, que não sabe atingir a renovação senão por meio da destruição. O trabalho a realizar na atual fase de evolução biológica, é o de seguir os impulsos da luta criadora, mas tirando dela tudo o que a acompanhava no passado, isto é, tudo o que é violência, agressivi­dade, destrucionismo. Trata-se de canalizar os velhos instintos, di­rigindo-os para atividades criadoras, não destrutivas. Outro será o inimigo a combater, não o vizinho, mas os males que atormentam o mundo. Descobriremos, então, que a paz tem também um aspecto po­sitivo, e não somente o negativo que vimos. É assim que podere­mos ter uma paz maravilhosamente dinâmica e criadora, cujo produto não será a decadência na inércia, mas a construção do bem de todos. Este será o conteúdo das guerras do futuro.


É maravilhoso observar que o homem é constrangido a subir à força pelo impulso evolucionista. Com o desenvolver-se da inteligência e o progresso científico, a guerra a tal ponto transformou a sua técnica, que ela não será mais possível. Assim a mente humana, sem querer, porque movimentada em direção materialista, produziu condições de vida em que o pacifismo e colaboracionismo evangélicos, por milênios pregados em vão, terão agora de se realizar, se a humanidade quiser sobreviver. O instinto de conservação exigirá a realização do que até hoje foi utopia. E os atávicos produtos do subconsciente terão de se modificar gerando novas qualidades, porque experiências apocalípticas estão prontas para corrigir os velhos instintos. ensinando uma nova lição.


Todo o processo evolutivo se realiza com esse método, da substituição do velho pelo novo, por meio de novas experiências que fixam no subconsciente novos hábitos e qualidades no lugar das velhas. É assim que as leis religiosas e civis procuram fazer do homem um ser civilizado, educando-o na ordem da vida social. Aparece nesta altura a luta dos instintos do animal, impressos no subconsciente, contra essa nova lição que eles não querem aprender. Eles representam a sobrevivência do passado que volta, rebelando-se para não ser destruído. Vemos, assim, que a ética é uma luta entre a luz e as trevas, entre o futuro e o passado. O resultado é um esforço do indivíduo para se evadir de todas as leis, e do outro lado é a luta das autoridades para obter obediência, as civis por meio da polícia e cadeias, as religiosas por meio dos diabos e do inferno. É assim que as leis, ótimas em teoria, não podem chegar à sua realização prática senão em forma torcida, que as transforma e adapta às exigências do subconsciente das massas, que é o que mais se impõe na realidade da vida.


As religiões, cuja função é a de traduzir em realização prática princípios superiores que estão acima do nosso nível biológico, estão constrangidas a levar em conta esse fato da resistência do subconsciente e a ele se adaptar, respeitando as suas exigências fundamentais, porque esta é a primeira condição da obediência das massas, sem a qual as religiões ficariam teoria abstrata fora da vida. Assim, o que se encontra nos fatos é um produto híbrido em que se misturam céu e terra, o ideal com os resultados da animalidade. É, assim, que a prática é diferente da teoria, a pregação é uma coisa e a vida vivida é outra. É, assim, que os princípios superiores das religiões acabam sendo aplicados como exigem os instintos inferiores da animalidade. É, assim, que no seio das religiões aparecem fanatismo, sectarismo, intransigência, perseguição etc. Então, é o subconsciente das massas que vence e os princípios superiores que perdem. Isto porque as grandes verdades reveladas pertencem ao céu do qual descem à terra, enquanto na terra a animalidade está bem radicada no seu ambiente natural, e para que neste aquelas verdades se possam tornar realidade é necessário o consentimento das massas, que na terra, pela força do número, são bem poderosas. A involução da maioria se impõe a tudo em nosso mundo e não há coisa que lhe possa escapar.


Com estas observações vamo-nos explicando muitos fatos, dos quais de outro modo não poderíamos entender, nem a gênese nem o sentido e finalidade A utilidade de tudo isto está no fato de que tal conhecimento nos permite dirigir-nos conscientemente no caminho de nossa evolução, por possuirmos a técnica da construção de nossa Personalidade. A nossa vida adquire, então, uma significação superior, que a orienta para o ponto final, resolutivo do processo evolutivo. O conteúdo da vida é um processo de experimentação progressiva, que deixa uma marca perene no subconsciente, espécie de fita de gravação, e de armazenagem onde o patrimônio experimental adquirido se vai acumulando na forma de conhecimento e qualidades. Assim, o nosso eu, por essa contínua registração que vai descendo às suas camadas profundas representadas pelo subconsciente, se vai sempre mais enriquecendo, dilatando-se e aperfeiçoando-se, aproximando-se da sua meta, que é o S. Tudo o que nos acontece na vida não é mais um enigma, um mistério que está com Deus e que ninguém pode conhecer. O homem atual vai procurando explicações ao acaso, culpando isto ou aquilo, sem entender nada das verdadeiras causas de um dado desenvolvimento do seu destino.


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Continuemos a aprofundar este assunto, observando outros casos, para entender o seu significado. Com que sabedoria se dirige nas suas ações o homem antes de desenvolver as suas qualidades racionais?

Como os animais, ele se dirige pelo instinto. Isto acontece com todos os subdesenvolvidos, sejam animais, sejam primitivos Tudo depende do nível de evolução atingido.

Este período infantil pode ser superado, em indivíduos superdesenvolvidos, desde a primeira meninice, como pode suceder que não seja superado nem sequer na velhice, em seres atrasados.

Ser dirigido pelo instinto, como já frisamos, quer dizer funcionar obedecendo cegamente aos automatismos adquiridos nas vidas precedentes, isto é, repetindo o que pela experiência passada foi gravado no subconsciente. Só depois de ter atravessado esse período de repetição automática instintiva que resume rapidamente o passado, o indivíduo inicia na fase consciente o trabalho de continuar construindo a sua Personalidade.

É no período da maturidade que o indivíduo, acordando de um estado como de sonho, no qual ele era dirigido pelo subconsciente, para um estado consciente, toma iniciativas novas, continuando o trabalho de construção da sua Personalidade, realizado no passado e armazenado no subconsciente. É o período dinâmico das novas expe­riências, a fase ativa da exploração e assimilação. É uma viagem do eu que se lança fora, no mundo exterior, onde encontra choques, devora e assimila impressões.


Assim o gasto de energia da qual os jovens são ricos, acaba produzindo a sabedoria da velhice. A carga de dinamismo se transforma em psiquismo. Esta é a função da vida no seio do físio-dínamo-psiquismo que constitui a evolução. Poder-se-ia então definir o fenômeno biológico como um processo de transformação da energia em conhecimento, pensamento, inteligência. Então, o fenômeno biológico representa o trecho dinâmico-psíquico dentro do transformismo físico-dinâmico-psíquico, que é o percurso da evolução.


A sabedoria da velhice é o equivalente psíquico dos valores dinâmicos da juventude. Nada se destrói, tudo se transforma. Quando o indivíduo tem esgotado as suas energias por ter experimentado bastante, está rico de novas qualidades, que valem o que ele perdeu com o energia. Na velhice o consciente adormece, se cristaliza de novo na inércia, mas o seu trabalho de toda a vida ficou filtrado no subconsciente do qual estará sempre pronto a ressurgir para dirigir o ser no futuro automaticamente, quando o consciente não estiver acordado para realizar o trabalho de continuar, no futuro, a construção realizada no passado.


É este período ativo, no qual o eu está acordado no consciente, o período em que se pode realizar o esforço da subida e progredir no caminho evolutivo. Os outros períodos têm funções diferentes, de descanso ou compreensão, reorganização, assimilação profunda. É o período de consciência acordada na vida, o que é o mais independente do determinismo do subconsciente, período não mais de repetição automática, mas de livre iniciativa do novo. É neste período que o livre arbítrio pode melhor funcionar, sobrepondo-se ao instinto, para corrigi-lo.


Neste período se descarrega a energia vital da juventude, que existe para essa finalidade, a da nova construção. Trata-se de uma reconstrução imensa que vai do AS ao S. Nisto consiste o processo da evolução. Cada vida representa um passo para a frente. O desenvolvimento deste processo poderia ser expresso por uma linha em forma de onda, na qual temos um período de descida, no período da velhice até à morte, e um período de subida, depois da juventude, na plenitude da maioridade, subida superior à descida precedente, de modo que o resultado final de todo o movimento ondulatório é uma ascensão contínua. Então, o período verdadeiramente ativo neste processo da reconstrução da Personalidade, como de ascensão evolutiva, é o período consciente da vida, no qual é possível a livre escolha, acima dos instintos, ou retorno automático do passado. Depois desse período tudo cai nas engrenagens da Lei, que se apodera dos resultados do trabalho executado naquele período consciente, e fatalmente os dirige para as suas conseqüências, até que o contínuo transformismo não amadureça outro período de vida, ativo e consciente, no qual, baseando-se naquelas conseqüências, continue o trabalho da construção da Personalidade.


O desenvolvimento desse processo evolutivo poderia ser expresso também pela abertura de uma espiral, como a encontramos em A Grande Síntese, na figura que representa o "desenvolvimento da trajetória típica dos motos fenomênicos"1. O período dinâmico consciente do trabalho construtivo da idade madura, em que se realiza a subida evolutiva, é representado pelo período de abertura da espi­ral, que expressa o caminho expansionista ascensional da evolução. O oposto período de contração involutiva da espiral, que volta um pouco para trás, fechando-se sobre si mesma, representa o período de involução e inércia da velhice, e o que foi vivido desce ao subconsciente, no qual o indivíduo o encontra gravado, como lembrança do passado, que ressurgirá amanhã. O fato de que no inicio da nova vida até a maioridade, o indivíduo será dirigido por este seu subconsciente, isto é, pelo que nele foi gravado, é representado pelo abrir-se novamente da espiral, que percorre em subida, na juventude, o trecho que na precedente velhice foi percorrido em descida, mas ele acrescentando um trecho novo em subida, que constitui o trecho que cada vida conquista no caminho progressivo da evolução. E assim por diante, até que por esse jogo alternativo de expansão e contração, mas a primeira maior do que a segunda, se pode realizar o processo evolutivo que vai do AS ao S.


Poderíamos agora perguntar-nos: por que está sempre repetida a fase de contração e retrocesso? Por outras palavras: por que existe a velhice? O que produz tais resultados é o impulso do AS, impulso negativo, destrutivo, antievolucionista, que funciona como freio do progresso em subida, porque quereria paralisá-lo. Este impulso do AS triunfa com a morte do ser, mas temporariamente, porque há também o impulso oposto do S, que logo volta e por sua vez prevalece, desenvolvendo-se em cheio com uma nova vida. A revolta gerou o dualismo, que divide o universo em duas partes: S e AS em luta entre si. Por isso a evolução é trabalhosa, porque para se realizar, ela precisa do esforço do indivíduo para vencer a resistência do AS, que quer o reino do anti-Deus, e não o reino de Deus. Tais problemas da Personalidade humana não podem ser resolvidos isoladamente, como queria a ciência, mas só em função da solução, já atingida, dos maiores problemas do conhecimento.


O subconsciente representa o passado da evolução, o lado inconsciência, as trevas do AS. O consciente representa o futuro da evolução, o trabalho de construção da inteligência, a conquista da luz do S. Podemos agora entender porque a nossa existência se alterna com duas formas opostas, em luta uma contra a outra, a vida e a morte. Este conceito, que quer dizer reencarnação, se baseia na própria estrutura dualista do nosso universo e na íntima natureza do fenômeno evolutivo. Eis por que o nosso eu oscila, ora acordado no consciente, ora adormecido no inconsciente, entre um estado de luz e outro de trevas, ora na posição de vida, ora na posição de morte. Isto porque ora vence e prevalece o S, ora o AS, fontes de dois impulsos opostos.


Podemos, assim, entender o que em substância é a evolução. Ela vai do inconsciente ao consciente, cumpre o trabalho da destruição do primeiro e da construção do segundo, consistindo na conquista da consciência, ou melhor na reconquista da consciência originária. Por isso vivemos experimentando, para despertar do sono da inconsciência, fruto da queda.

Por isso a vida vai do subconsciente ao consciente e ao superconsciente, do mistério ao conhecimento, prestando-se para o desenvolvimento da inteligência.


O livre arbítrio que cada ser possui depende do nível da evolução por ele atingido, porque depende da medida na qual ele possui consciência, inteligência e conhecimento.


Da evolução depende o grau de liberdade, isto é, de libertação do determinismo da Lei, com que esta dirige os cegos involuídos, liberdade só possível quando surgiu a consciência necessária para se autodirigir.


De tudo isto se segue que quanto mais o ser evolui, tanto mais vastos e longos são para ele os períodos de consciência, isto é, de existência em estado acordado, e tanto mais fracos e curtos se tornam para ele os períodos de inconsciência, como a velhice, a meninice, a fase de sono na morte. De fato, vemos as almas superiores ficarem com a mente acordada até à velhice e, quando se encarnam, desde a primeira meninice acordarem mais cedo do que é comum, constituindo os gênios precoces. Com a evolução aumenta a zona da consciência e diminui a da inconsciência. É a extensão dessa zona, num sentido ou outro, que nos revela o nível de evolução atingido pelo indivíduo. Na velhice há para todos um regresso involutivo, como um enrolar-se da Personalidade que se fecha em si mesma, encerrando em si os resultados do trabalho da sua vida atual. Depois chega a morte, silêncio, vida introspectiva, em compensação da sua parte inversa e complementar — extrovertida, que chamamos também de vida. Quanto mais o indivíduo é primitivo, tanto mais poderosa e real é a segunda forma de vida, e fraca, misteriosa e irreal é a primeira. Quanto mais o ser é adiantado, tanto mais ilusória é a vida terrena, e mais poderosa, real e viva é a vida extra-corpórea depois da morte. Por isso o primitivo julga a perda da vida física uma grande perda e desesperadamente luta para a conservar, enquanto o evoluído possui a sensação de que a morte não o atinge, porque não apaga o seu estado de consciência acordada, no qual ele fica vivo, apesar da morte.


Ao início de uma nova vida, o eu que, na velhice, se enrolou sobre si mesmo, fechando-se no subconsciente, se desenrola na meninice e juventude da nova encarnação, assumindo como ponto de partida da nova vida o que foi o ponto de chegada no fim da precedente.

A conclusão do processo é a conquista da imortalidade. Este é o resultado final da evolução.


Imortalidade de fato não é senão um estado contínuo de consciência acordada, de conhecimento da própria existência e da dos outros, de mente que percebe e de inteligência que entende.

Potencialmente tudo o que existe é eterno, indestrutível, imortal. Assim também os primitivos são imortais. Mas não sabem disso, porque com a morte perdem a consciência, que os faz vivos. Tudo depende do grau de sensibilidade atingido, da própria capacidade de perceber. Quem não sabe sobreviver à morte senão em estado de inconsciência, está morto, porque não sabe que ainda está vivo. Esta também é imortalidade, mas é a da matéria, a de tudo o que ruiu no AS, imortalidade ao negativo, isto é, vida imobilizada na inconsciência da morte. A verdadeira imortalidade é a que a evolução realiza levando o ser até o S, acima da matéria até ao espírito, do estado de inconsciência próprio do AS ao estado de consciência próprio do S.


Então, a sensação da sobrevivência como capacidade de introspeção no período de desencarnado depende do grau de desenvolvimento de consciência atingido pelo indivíduo. Por isso, com esta capacidade, não é igual para todos o poder de orientar a sua nova vida, de se autodirigir no caminho da evolução. Esta, porque é conquista de consciência, é também conquista de consciente autonomia de existência. É lógico que a capacidade de introspeção, que é ato de um ser consciente, não possa aparecer senão quando o indivíduo está bastante maduro Para os outros, os primitivos, providencia o determinismo da Lei, que com seus impulsos se encarrega de despertar quem ainda se encontra em estado de inconsciência, como a Lei quer e é bom que eles sejam despertados.


Eis então o que acontece. No período da vida todas as experiências ficam registradas no subconsciente como numa fita.

Na outra forma de vida que chamamos de morte, o ser transporta essa gravação para observá-la. Essa é a fase de decantação e filtragem, de digestão e assimilação, de interpretação e compreensão, fase oposta e complementar à precedente, trabalho que antes, no meio da luta, não podia ser feito. Essa nova operação será tanto mais profunda e perfeita, quanto mais o ser for evoluído. O que liga uma vida à outra, o fenômeno fundamental que permanece constante, é essa assimilação nas profundezas do eu em contínuo crescimento. Vemos, assim, que o nosso conceito de subconsciente é muito mais vasto e completo do que o da psicanálise atual.

Assim como acontece no tronco de uma árvore, cada vida sobrepõe uma nova camada às precedentes, e elas nos contam a história toda daquela existência. Cada um leva consigo o livro onde tudo foi escrito, que não pode ser apagado e pode ser lido, como poderá fazer a psicanálise do futuro. Cada qualidade, impulso, movimento no presente, não é senão a conseqüência de tudo o que foi vivido no passado. Só poderemos compreender a nossa vida se a encararmos neste sentido imenso, que a abrange em todo o seu caminho evolutivo.


Estamos presos pelas conseqüências do nosso passado, somos o que somos porque assim nos construímos nas vidas precedentes, não podemos sair de nossa forma mental já feita e ela é o único instrumento que possuímos para entender e julgar. A nossa sabedoria atual é filha da escola que no-la ensinou. Tal é a história da formação e presença dos instintos. Há na natureza humana verdades fundamentais que todos aceitam como axiomas que, pela sua evidência, não precisam de demonstração para ser entendidos e admitidos. Por que isso? Como é que todos espontaneamente concordam nestes pontos? Isto acontece porque tais verdades ficaram impressas no subconsciente como fruto das experiências passadas Muitas das idéias que dirigem o mundo não são fruto de lógica e raciocínio, mas de instintivos impulsos do subconsciente. Assim muitas vezes é o irracional o que dirige nossa vida, mas um irracio­nal, cuja origem agora conhecemos e que sabemos ter o seu profundo significado. É assim que há verdades axiomáticas tão profundamente enraizadas na mente humana, que ninguém as pode abalar; elas são as mais antigas, as mais experimentadas como indispensáveis à sobrevivência, as básicas da existência. Estas grandes verdades elementares, construídas pela vida nos níveis biológicos inferiores, continuam vigorando também no plano humano, dentro da mente racional do homem, apesar de sua inteligência e co­nhecimento.


Para os involuídos que não possuem ainda uma consciência para se dirigir, quem os impulsiona por um caminho certo para o seu futuro é o pensamento e a vontade da Lei. Não é ao acaso que o ser tem de progredir, mas ao longo de um caminho já assinalado, porque a evolução vai de um universo tipo AS, para um universo tipo S. O caminho já está marcado, porque é o endireitamento em subida, do caminho que, em descida, foi percorrido na fase da involução. Eis que o crescimento do eu pode-se realizar automaticamente também nos níveis inferiores, da matéria, plantas e animais, onde ainda não existe uma consciência que possa se dirigir por si próprio. O caminho a percorrer foi já assinalado no período da descida involutiva. Agora se trata de percorrer o mesmo caminho, mas na direção oposta, em subida, em vez de ser em descida. Já está marcado o ponto de partida e o de chegada, e a linha da evolução que os liga e une no mesmo processo. Não é possível uma conquista do nada, um caminho sem uma direção e uma meta. O tipo de desenvolvimento da existência do ser já está escrito na Lei, pela qual o percurso não pode ser senão um caminho de regresso, o trajeto do AS-S.


Seria absurdo pensar que o processo evolutivo tivesse de ficar ao dispor das capacidades de compreensão do ser. O conhecimento aparece quando o ser está bastante adiantado e o mereceu pelo seu esforço e caminho percorrido. O surgir da consciência é um efeito e não é a causa do amadurecimento. E de fato, em nossa própria vida, vemos que o destino não nos explica o porquê. Só age e atua. A explicação do porquê cabe ao indivíduo encontrá-la. E ele não a pode encontrar senão quando se tornar bastante evoluído, para entender o que a Lei exige dele. Ela nada explica, mas o fustiga sempre, até ele entender.


* * *

Observemos ainda outros aspectos do problema da Personalidade humana e do destino.


A diferença entre o evoluído e o involuído é que só o primeiro dirige, conscientemente, a sua vida. Esta é uma sabedoria que o ser tem de conquistar com o seu esforço, como faz o menino para aprender a andar, caindo, levantando-se e caindo de novo. Mas aonde o conhecimento do ser não chega, aí funciona automaticamente a Lei, que o leva na sua corrente. Se ele introduzir nesta os seus impulsos errados a procura de desvios, a Lei o corrige com a dor. Com tal método ele por fim acaba aprendendo a nadar dentro dessa corrente, seguindo-a, acompanhando-a com os seus impulsos, movimentando-se não contra ela, mas na mesma direção dos seus impulsos. O progresso se realiza, então, não se chocando com a reação da Lei que se rebela contra as tentativas erradas, mas em forma tanto mais fácil e rápida, porque a evolução não é mais travada pela luta entre dois impulsos opostos, mas sustentada e estimulada por dois impulsos concordantes que se somam, o da Lei e o do ser.


Temos falado bastante destes dois tipos biológicos, o evoluído e o involuído. Eles representam dois extremos, entre os quais há uma multidão de tipos intermédios de indivíduos e destinos. Acontece, assim, que cada um, apesar de ligado às leis da grande corrente que arrasta a todos, pode percorrer o caminho da vida de maneira diferente, a ele particular, continuando a seguir o caminho da sua vida precedente, conforme construiu no passado Na juventude ele abre a mala que contém os instrumentos que aí colocou no fim da vida precedente, e, como os encontra, os usa na sua nova vida. Eles são os seus instintos, impulsos, as suas qualidades de todo gênero.


Nesta altura poderia surgir uma dúvida, outro ponto a escla­recer. Como de tantos destinos, que progridem juntos dentro de uma mesma lei geral que os abrange, pode cada um se desenvolver livre e completo no seu devido caminho, sem ser torcido pela proximidade dos outros? Na realidade temos muitos destinos diferentes que se desenvolvem um perto do outro, mas cada um seguindo o seu caminho particular conforme a lei do seu desenvolvimento. Como nesta rede os fios condutores de tantos destinos não se misturam cada um recebendo o que mereceu segundo a justiça, e dela ninguém pode fugir, ainda que o destino seja por amor ou ódio, bondade ou maldade. Deus não pode permitir que seja violada a justiça da Lei, pela qual cada um pode semear e colher somente no seu terreno, o que quer dizer receber apenas conforme os seus méritos e culpas, sem que ninguém se possa meter no que não é seu. E como tantos destinos diferentes, ao invés do caos, em conjunto, acabam construindo como numa tapeçaria um desenho coletivo maior, no qual cabe e se cumpre o menor de cada indivíduo separadamente? Como se pode conciliar a rigidez da lei de causa e efeito, o seu férreo encadeamento, no qual se baseia o desenvolvimento de nosso destino, com a necessidade de convivência recíproca entre destinos assim entrelaçados? E isto sem que um destino cometa violência contra a liberdade dos outros, a ela impondo-se à força. Se, pelo princípio de justiça, pagar as conseqüências atende a uma necessidade absoluta, sem possibilidade de confusão, empréstimos ou es­capatórias, cada um tem de assumir as suas responsabilidades com pleno respeito a seu próprio livre arbítrio, sem que qualquer outra pessoa possa ser responsável em seu lugar. Cada um tem de pagar pelas suas culpas e não pelas dos outros, tem de ser premiado pelas suas virtudes e não pelas dos outros. Pela justiça de Deus, tudo o que nos acontece na vida deve ter sido merecido por nós, a causa deve estar em nós mesmos. É em nosso passado que temos de procurá-la e não nos outros.


Observando como se processa a evolução, vemos que ela procede por tentativas. E é assim porque o seu caminho é percorrido por um ser ignorante que, exatamente através da sua experimentação, está conquistando o conhecimento. Essas tentativas, porém, se representam uma incerteza de oscilação nas experiências, a amplitude delas está contida dentro do trilho preestabelecido pela lei que dirige o plano geral de desenvolvimento do ser. Trata-se, então, de uma amplitude limitada, de uma pequena liberdade de cometer erros, mas fechada dentro de uma ordem maior, a da Lei que, se os admite, logo os corrige e endireita pela dor.


Eis então que em cada ação do indivíduo, concorrem junto três impulsos ou elementos:

1) a ignorância dele, da qual deriva a incerteza das suas tentativas e os seus erros;

2) o rigor da lei causa-efeito, pela qual o indivíduo está sujeito às conseqüências do seu passado;

3) a liberdade de tomar novas iniciativas, sobrepondo novos impulsos aos velhos, que, porém, a limitam, até que eles se esgotem.


Assim, no cumprimento de um destino há uma tendência que, se é irresistível, ao mesmo tempo é suscetível de se adaptar ao ambiente, ao momento, à pressão dos impulsos dos outros destinos que se vão desenvolvendo juntos e que também se querem realizar. No cumprimento de um destino há uma necessidade absoluta de realização, mas ela não é rígida e mecânica, mas uma vontade contínua, uma pressão constante implacável, impulsionando para se realizar, de modo que está pronta para isso, logo que o ambiente o permita. Ela funciona por tentativas, mas com a maior tenacidade, aproveitando todas as oportunidades. Eis, então, que na férrea atuação da lei de causa e efeito penetra uma elasticidade de adaptação às circunstâncias do momento. Se não encontrar logo as condições para se descarregar, a pressão dessa força continuará esperando a oportunidade, mas nessa espera ela se irá concentrando sempre mais porque cada vez mais comprimida pela falta de desabafo. Assim, aquela força continuará impelindo e sempre com mais urgência no mesmo sentido, estabelecido pela lei causa-efeito, até que estourará conseguindo transformar-se em realidade, no fato concreto. Uma vez que o indivíduo, com o seu livre arbítrio, lançou tais forças, elas automaticamente caem no domínio da Lei, que as canaliza, conforme seus princípios, em caminhos dos quais elas não podem sair e que têm de seguir até seu esgotamento. O indivíduo lhes fica amarrado pois elas fazem parte da sua Personalidade, do jogo de forças que a constituem. É assim que o passado está dentro de nós, amadurece conosco definindo o trajeto de nosso destino, e nos acompanha no presente e no futuro, nos ajudando ou nos perseguindo, como merecemos.

O princípio de justiça na realização de um destino fica respeitado, porque ele depende do que o indivíduo escolhe de tudo o que encontra no seu ambiente e do uso que de tudo isto ele faz, assim como as doenças dependem da predisposição clínica do ser, dependendo, também, do mesmo ambiente microbiano geral, a doença pegará ou não. A culpa está na fraqueza congênita, conseqüência do passado, que é a que estabelece uma predisposição para dados ataques uma atracão que representa um convite para dados tipos de agressões. São as conseqüências do nosso passado, na forma de nossas qualidades, se não as corrigirmos, o que nos faz sair vencidos ou vencedores. Assim as forças que o indivíduo no passado movimentou com sua Personalidade, agora o dirigem para preferências instintivas, as quais são o que orienta e governa sua vida. Das mesmas coisas, no mesmo ambiente, indivíduos de natureza diferente, podem fazer um uso diferente, com resultados diferentes. É assim que cada um paga pelas suas culpas e não pelas dos outros; e é premiado pelas suas virtudes e não pelas dos outros.


É assim que tantos destinos diferentes, enredados no mesmo ambiente, podem apesar disso se realizar juntos, uns ao lado dos outros, sem se misturar, cada um recebendo conforme seu merecimento. Isto é possível pelo fato de que o impulso do qual depende o nosso destino é provido de elasticidade e adaptação, e ao mesmo tempo de uma poderosa vontade de se realizar, o que significa uma tendência e pressão constante, que não pode deixar de atingir o seu objetivo.


Fim do capítulo 6


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